Rio Grande do Norte, sábado, 27 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 23 de dezembro de 2023

O espírito natalino e a hipocrisia da cesta básica

Giovanna Mantuano é educadora e socióloga.

“Característica do que é hipócrita. Falsidade. Dissimulação. Ato ou efeito de fingir, de dissimular os verdadeiros sentimentos, intenções. Fingimento. Falsidade.” Dentre outras, estas são algumas das definições da palavra hipocrisia, de acordo com o dicionário online de Oxford. Características típicas de muitos brasileiros, o mesmo que pouco lê, mas tem opinião sobre muitas coisas. Aproximadamente 84% da população adulta brasileira não comprou um único livro no último ano, e 66% dos alunos brasileiros não leem textos com mais de dez páginas. É curioso que essa vasta parcela da sociedade que não lê, sinta-se no direito de opinar sobre tudo, principalmente sobre a política e a sociedade. Estamos falando de um grupo social específico, aquele que não é comprometido com a verdade, a ciência e os fatos, e que produz e dissemina fake news e inverdades.

Ora, essa ultradireita brasileira doa cestas básicas no fim do ano, movida por um suposto espírito natalino que vê nesta época uma boa oportunidade de se redimir com o deus que adora, ou simplesmente uma chance de acariciar o próprio ego. Culturas como a nossa comemoram o nascimento de Cristo de maneira meramente mercadológica. Todo esse pretenso espírito natalino altruísta e cristão na verdade está envolvido com ideologias políticas e grupos sociais. Pensemos na direita gospel, que elegeu aquele que tinha como símbolo político uma arma. A mesma direita que depredou e defecou o patrimônio público nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Essa é a face do estrato social que doa cestas básicas no fim do ano, mas é contra as políticas públicas inclusivas para os pobres, como o Bolsa Família. São essas pessoas que confundem caridade com justiça social.

O principal questionamento contra o Bolsa Família é de natureza moral: “Como pode alguém receber dinheiro sem trabalhar?”, provocam. Mas por que isso os incomoda tanto, se é exatamente isso que os mais ricos e herdeiros fazem?: ganhar sem trabalhar. Não por acaso, esse tipo de pensamento hipócrita vem de uma parcela da população que acredita que metade do eleitorado brasileiro é comunista. Não por acaso esse pessoal elegeu como filósofo o charlatão e inimigo do trabalhador Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo. É preciso notar que o bom senso não é, nem de longe, a maior virtude dos questionadores dos programas públicos governamentais inclusivos.

Doação de sangue, brinquedos, roupas, calçados e cestas básicas, e visitas a asilos deviam ser atos impulsionados por sentimentos genuínos de solidariedade, não pelo desejo de agradar a Deus, ou alimentar o próprio ego. Mas o que podemos esperar daqueles que mal conhecem os espaços públicos, e vivem sujeitos à lógica de condomínio? Eles não são capazes de diferenciar caridade e justiça social. 

A verdade é que boa parte da direita ultraconservadora não almeja transformações sociais radicais que ameacem a sociedade racista, classista e patriarcal que os beneficia. Simulam compaixão, pois são incapazes de assumir explicitamente quem são e o que pensam. Não admitem publicamente que detestam pobres. A hipocrisia de tantos brasileiros conservadores é escancarada no período natalino. As mesmas pessoas que doam cestas básicas, cheias de espírito natalino, criticam as políticas inclusivas empreendidas pelo Estado. Isso não faz sentido. Se queremos realmente ser fraternos, por que não ser assim o ano inteiro? Não adianta doar cestas básicas e ser contra o bolsa família, pobre não tem fome só no Natal, pobre come o ano inteiro!

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