Rio Grande do Norte, sábado, 27 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 8 de janeiro de 2023

A democracia está vencendo

postado por David Rêgo

As instituições sociais mostraram sua força aos terroristas. É preciso entender como o Brasil está unido e vencendo o bolsonarismo. No monitoramento em tempo real nas redes sociais (Quaest) apenas 10% dos internautas apoiavam o que ocorreu hoje em Brasília – a invasão do Congresso, STF e Palácio do Planalto. Este é um dos motivos que nos leva a afirmar que as instituições sociais (democráticas) venceram a guerra (momentaneamente) contra o fascismo no Brasil. 

Antes de iniciar, preciso alertar que não pretendo entrar, neste momento, em assuntos como o racismo estrutural ou machismo estrutural que sim, permeiam as leis. Apesar destas sérias e graves falhas, temos leis que questionam estruturas sociais que insistem em permanecer mesmo em ambientes democráticos. Esta é uma pauta maior que não cabe neste texto. Falo isto para prevenir possíveis críticas que não estão dentro do escopo do texto aqui exposto. O foco aqui é debater a solidez das instituições democráticas, dos valores democráticos compartilhados pelo povo brasileiro. E como elas evitaram um golpe de um ex-presidente nitidamente golpista e de seus zumbis acéfalos.

Dito isso, vamos lá.

As instituições sociais que, neste momento mudam os canais para acompanhar o que está ocorrendo em Brasília, não são exatamente pessoas; são forças maiores agindo sobre cada um de nós. Assim como afirmou Durkheim no livro “As regras do método sociológico” (2002, p.26) em relação às instituições sociais: “pode-se, com efeito, sem desnaturar o sentido desta expressão, chamar instituição a todas as crenças e a todos os modos de comportamento instituídos pela coletividade”. Peter Berger e Thomas Luckmann, no livro “A construção social da realidade”, afirmam: “Dizer que um segmento da atividade humana foi institucionalizado já é dizer que este segmento da atividade humana foi submetido ao controle social”(BERGER; LUCKMANN, 2002, p. 80).

A democracia é uma instituição estabelecida no imaginário social nacional. O que impediu o golpe não foi somente o povo nas ruas durante o ano passado (2022). O que tem impedido o golpe por parte de apoiadores do ex-presidente Bolsonaro foi, além do povo nas ruas, servidores públicos “legalistas” que, colocando suas vidas em risco enfrentando bolsonaristas, impediram que estes violassem uma série de princípios democráticos. As instituições públicas que, no exercício de suas funções democráticas, fizeram prevalecer a lei. Assim como, foram vários SERVIDORES da democracia que defenderam a lei e impuseram um fronte de guerra e verdadeiras trincheiras, no combate diário e incessante na luta contra violações

Qualquer um que diga que as instituições no Brasil são fracas negam os mais de 30 anos de democracia que temos defendido. Algo nunca visto antes neste país. Nunca houve mais de 30 anos de democracia na história do Brasil. E se temos isto agora não deve-se à sorte, ao acaso ou à fortuidade. Deve-se a um Estado forte. Aos servidores que, em sua maioria, cumpriram e cumprem à Carta Magna independentemente das pressões exercidas por superiores corrompidos por valores ultrapassados.

Não houve golpe!

A democracia respirou, já que temos instituições fortes e servidores públicos atentos, que zelam pela democracia. Não são, necessariamente, pessoas boas que acreditam que a democracia é ótima, e sim indivíduos que sabem que, apesar da democracia não ser perfeita, é a melhor escolha que temos dentre as opções que nos colocam.

Todo servidor público na gestão do ex-presidente Bolsonaro sabe o que foi ter um incompetente nomeado para um cargo superior apenas por bajulação (e não por competência técnica). Isso gerou uma insatisfação generalizada dentro da esfera pública que, por sua vez, deu-se conta que… por mais que a democracia tenha defeitos, aquilo que foi posto no governo Bolsonaro é um ultraje. Em outras palavras, há limites até para tirania.

Uma ditadura aos moldes do ex-capitão (lembrem-se que ele só conseguiu essa patente após ter ido para a reserva por tentativa de explosão do quartel) seria o reino dos incompetentes e derrotados que somente conseguem vencer no grito, intimidação ou violência. Vimos hoje um golpe impedido por instituições sólidas com servidores que estão dispostos a defender a lei democrática independentemente de futuras promessas de cargos de chefia.

A democracia venceu já que, ao longo de três décadas, educamos nossos filhos e criamos uma forma de agir, pensar e sentir. Uma forma que consolida a democracia como algo de grande valor político. Não há loteria ou sorte em 30 anos de democracia. Pelo contrário. Há leis, valores e ordem… e a clara noção que a democracia é um poder, pronto para destruir, humilhar e prender rapidamente qualquer um que ouse desafiá-la. Não há espaço para críticos à democracia com flertes à ditaduras, o lugar dessas pessoas é a sarjeta da História do Brasil.

Ao contrário do que a maioria pensa, servidores públicos são submetidos à rígida disciplina e rígida hierarquia. Como costumamos falar para qualquer chefe que tente utilizar-se de abuso de poder: nosso patrão é a Constituição. É completamente normal ver servidores públicos peitarem de igual para igual seus chefes (coisa impossível de observar-se no mundo das empresas privadas). Isto ocorre porque todos servidores estão submetidos às mesmas leis.

Para além disto, diferentemente do que prega a vã filosofia do senso comum, o Judiciário não é injusto quando existem critérios objetivos. As injustiças existem sim, mas não são a norma. Um Estado democrático não sustentar-se-ia em locais sem leis minimamente aplicáveis – demonstrado de forma poética no filme “o labirinto do fauno”. O fascismo não se vence a partir de uma grande investida, mas sim da guerrilha diária para conter o avanço dos coturnos.

Bolsonaro e o bolsonarismo são a materialização do que chamamos de patrimonialismo, ou seja, a apropriação do Estado por indivíduos, não para zelar pelo todo, mas movidos por realizações pessoais. Bolsonaro e seus seguidores representam justamente esta parte da sociedade brasileira: aquela que não difere bem público do privado e tenta utilizar o Estado em benefício próprio. 

Instituições sociais são indivíduos de carne e osso. Não (apenas) prédios corpulentos, são coisas muito maiores do que isto. A maior prova é que os prédios foram destruídos e justamente por isto, as instituições estão mais fortes do que nunca.

Quando observamos indivíduos nos bares conversando sobre política e não sobre futebol. Quando vemos pessoas nos restaurantes vendo julgamentos do STF e não novelas. Quando vemos o Brasil inteiro observando o terrorismo que ocorre no DF. Tudo isso é quando vemos como as instituições sociais são fortes e agem para defender o Brasil. 

Enfim, é isto. Avante!

David Rêgo

Sociólogo, antropólogo e cientista político (UFRN). Professor do ensino médio e superior. Áreas de interesse: Artes marciais, política, movimentos sociais, quadrinhos e tecnologia.

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