Rio Grande do Norte, segunda-feira, 29 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 16 de janeiro de 2012

O imã do celular

postado por Arthur Dutra

Um ser humano de cabeça baixa pode significar muitas coisas: tristeza, subserviência, tristeza, respeito, tristeza, meditação etc. Mas hoje, mesmo uma simples posição corporal pode ter o sentido atualizado com as novas manias e condutas impostas pela modernidade. Esta, por óbvio, também se enquadra na regra atualizadora. Vejamos.

Ao vermos uma pessoa de cabeça baixa, mesmo que andando pela rua, já não nos assalta qualquer dos significados referidos no primeiro parágrafo. Aliás, ressalva seja feita aos que fogem da modernidade como o capeta foge da cruz; para estes, o baixar de uma cabeça continua sendo uma demonstração predominante de tristeza, seguindo o sentido do vocábulo “cabisbaixo”.

Mas para nós, dignos e amantes da modernidade e seus benefícios incalculáveis, um baixar de cabeça significa apenas uma e única coisa: que a pessoa está catucando um telefone celular.

Duvidas? Ó, meu caríssimo leitor, compadeço de tua ingenuidade diante de uma obviedade deste tamanho. Vejamos se posso fazê-lo aceitar o enunciado.

Quando você está no trânsito e pára no sinal fechado (sem trocadilhos aqui, hein!), o que acontece na sua frente? Respondo: pessoas atravessam a faixa de pedestres, algumas delas com uma coisa nas mãos que chama a atenção de seus olhos voltados para baixo. Um ingresso do Teatro Riachuelo se você adivinhar qual é este objeto. Claro que é um celular! Os cuidados que devem ser tomados na travessia são solenemente ignorados por alguma frivolidade no mundo virtual que merece a total atenção do transeunte. Aqui também atualizamos um ditado: Cabeça baixa e pé no mundo!, puxado para um indesejado “pé na cova” caso a travessia seja perigosa.

Olhando para o lado temos situação semelhante.

Os dedos do motorista vizinho que antes se direcionavam para o nariz agora agarram o aparelhinho e ficam a futricá-lo até brilhar o sinal verde. Compenetrado com sua cabeça baixa voltada para o celular, o motorista engole dois segundos de mosca, levando uma pertinente buzinada na traseira que trás sua cabeça de volta para o mundo real, fazendo-o direcionar seu olhar para frente.
Outro caso: fila de banco. Diga-me, você ainda vê alguém postado em uma fila de banco, ou outra fila qualquer, com a cabeça erguida a observar o que está ao redor? Hein? Não mais, né? Cansada de tanto ficar alinhada com a coluna, a cabeça pede descanso inclinando-se para baixo, atendendo à ordem do visor de um aparelho celular conectado com o mundo, deixando-a mais próxima de alguém no Japão do que da pessoa que está na frente na fila.

Mais outro: mesa de bar. É possível quatro ou cinco pessoas reunidas em uma mesa de bar passarem alguns minutos sem conversar absolutamente nada? Hoje sim, pois em algum momento alguém vai sacar do seu aparelhinho para ver o Twitter/BBM/Facebook/Whatsapp piscando, oportunidade em que os outros aproveitam e fazem o mesmo, baixando suas cabeças e ignorando o resto dos acontecimentos que fervilham naquele local, conectados que estão com outras resenhas em outros locais.

Eis, portanto, quatro exemplos de que a cabeça baixa é sinal de celular ligado. Diante disto, pergunto-me: será que existem imãs embutidos para atrair olhos incautos? É de se pensar.

Ah, você ainda quer mais provas, leitor desconfiado? Não as darei. Recomendo que você, sim, você, solte por um momento o seu aparelho celular e veja o mundo ao seu redor para comprovar a veracidade da situação que lhe apresento apenas em relato. Garanto que é assustadora….

Arthur Dutra

Advogado. Editor, proprietário, patrocinador e único escritor do blog "Escritos Improvisados" (http://escritosimprovisados.blogspot.com). Twitter: @ArthurDutra_

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