Rio Grande do Norte, sábado, 27 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 4 de abril de 2022

O malhete ensanguentado

postado por Joao Paulo Rodrigues

Outro dia, ao assistir ao filme cômico HOLMES & WATSON, escrito e dirigido por ninguém menos que o Etan Cohen, fiz uma descoberta simples mas que me gerou um start para escrever o presente texto.

Descobri que aquele martelinho que os juízes usam para pôr ordem no tribunal e encerrar sessões, após protelar sentenças, chama-se malhete. Eu não achei o filme muito engraçado – por ser ranzinza, nem de filmes eu gosto! –, mas posso dizer que as primeiras cenas fizeram valer a falta de graça contida na película.

Por obséquio, lembre-se que o leitor que não sou nem cinéfilo, nem crítico de cinema – e sou um chato!

Para escrever esse filete, eu tive de fazer uma pesquisa acerca das origens do malhete e sua aplicação no Direito Positivo – coisa de quem não tem o que fazer, né?

Descobri que o malhete remete aos gregos antigos. Alguns dizem que o martelo diz respeito ao mitológico deus Hefestos, que trabalha incansavelmente na forja dos metais – seria o martelo um símbolo do trabalho e do artista, ao mesmo tempo?

Outros afirmam que o martelo substituiu o cajado que os líderes religiosos judeus e cristãos usavam. Ele meio que servia para pôr ordem – essa alusão faz mais jus ao uso do malhete pelo Direito.

Seja qual for a origem dos usos simbólico e funcional do martelo, o que ninguém diz é que o malhete de qualquer juiz está ensanguentado de sangue inocentes, ainda que aqui e ali acertem em seus juízos.

Se por ironia ou zombaria do destino, Têmis surge vendada, segurando uma balança na mão esquerda e a espada na mão direita – é interessante notar que a balança não está equilibrada.

Se eu fosse fazer uma interpretação forçada, diria que bastava mudar a espada, que representava o poder, pelo malhete, que representa a sentença – de morte e por vezes de absolvição.

Se eu fosse ser mais forçoso ainda, diria que só pode ser um sinal dos céus, pois a balança que busca o equilíbrio está na mão esquerda, enquanto que a espada do poder está na mão direita – acho que nem preciso explicar meu ponto, né?

Mas, voltemos ao malhete.

Esse instrumento representa toda injustiça sofrida pelos povos oprimidos de todo o mundo. Ele está ensanguentado… sangue de crianças pretas, mulheres indígenas e toda sorte de gente que padece nas mãos dos que detêm os poderes.

Sangue de inocentes… é isso que o malhete represente.

Posso ir mais longe.

O malhete, diferente de outro tipo de martelo, tem duas cabeças. Sua função é única e exclusivamente [a]bater, finalizar, sentenciar, ordenar, destruir.

Irei mais longe ainda agora: talvez a palavra malhete tenha sua raiz etimológica em malha, que vem do francês maille (tecido), cuja origem latina é macula (mancha, nódoa).

É isso, malhate é uma corruptela de malha. Então, não seria um abuso concluirmos que malhete ensanguentado é o mesmo que nódoa de sangue.

 Os brancos carregam nas mãos nódoas dos sangues de todos os não-brancos!

Joao Paulo Rodrigues

Graduado, especialista, mestre e doutorando em Filosofia (UFRN). Especializando em Literatura e Ensino (IFRN) e curioso pela ciência da grafodocumentoscopia.

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