Rio Grande do Norte, sábado, 27 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 24 de agosto de 2021

É hora de o Exército voltar para casa!

postado por Joao Paulo Rodrigues

— Ajoelhem-se… para o seu rei! Aqui não é o seu lugar. Vão pra casa!

Essa frase é dita pelo personagem Lúcifer, protagonista da série que tem o mesmo nome, por ocasião de uma rebelião comandada pelo demônio Dromos. Sua ordenança é obedecida imediatamente. Como em um passe de mágica, todos os espíritos se desencarnam de uma só vez, retornando, assim, para o Inferno.

Após ler a carta aberta publicada pela Associação Nacional dos Militares Estaduais do Brasil (AMEBRASIL) – cujo conteúdo diz, resumidamente, que as Forças Militares Estaduais seguem o Exército em caso de ruptura institucional, não obstante estejam subordinadas aos Governadores dos Estados, de acordo com o art. 144 e  § 6º – fiquei intrigado com uma questão, a saber: já que a PM, de fato e de direito, é uma força do Exército, que se submete aos governadores estaduais, por que essa instituição militar-mor não dá uma ordem clara e inconteste aos seus comandados, a fim de que eles obedeçam aos governadores e respeitem seus comandantes-em-chefe, e parem de levantar suspeitas de que colaborarão para um golpe bolsonarista?

Se o parágrafo anterior pode ser compreendido de um só fôlego, sem ponto final, o mesmo não pode ser dito acerca da resposta à pergunta elencada. Isto é, faz-se necessário que se fuja das respostas simplistas e prontas como a que sentencia: “o Exército é golpista também”.

Eu sou do entendimento de que, além de a carta aberta da AMEBRASIL ser uma resposta às frequentes reuniões dos governadores do país, que têm dado sinais de que usarão a força, se for preciso, para conter Bolsonaro, as Polícias Militares estão marcando posição política e acenando para dois lados: comunica-se junto aos apoiadores de Bolsonaro, bem como envia ao Exército a mensagem de que pode contar com as polícias militares para a manutenção do golpe. Demorei-me a pensar sobre essa movimentação planejada. Quedei-me a pensar mais especificamente sobre o silêncio estratégico do Exército.

Se por um lado temos uma Polícia Militar que, além de ter ganhado aspectos milicianos e golpistas, anuncia que não obedecerá a ordens dos governadores contra os impulsos golpistas irrefreáveis dos bolsonaristas, sob pretexto legal de que estariam agindo desfuncionalmente; por outro lado, o Exército permanece em uma inação quase assustadora, não se não fosse estratégica. Diante disso, Sou do entendimento de que tem algo a mais, afora a estratégia política da força-mor. Para mim, o Exército está segurando uma granada gigantesca. Não somente porque vive o dilema de ter de eventualmente cortar sua própria carne, a fim de controlar convulsões sociais – no plural –, mas também porque fez seu pior cálculo político de sua história.

Parece-me que não se posiciona porque já está muito bem posicionado, isto é, o Exército já está no Governo e seu Alto Comando ganha muito bem, obrigado! Ou seja, a ordenança de recuo das tropas militares auxiliares e reservas, que pode parecer algo simples, implica em movimentações políticas com reverberações desconfortáveis para o Exército. Em português transparente: não é suficiente exigir obediência da tropa, é preciso dar exemplo. Isto é, terá de largar o apetitoso salmão com vinho, assim como deixar de lado a picanha com cerveja. Todavia, assim como Lúcifer não quer voltar para o Inferno, o Exército não quer voltar pra caserna.

Porém, eu falei que não percorreria o caminho das simplificações. Com isso eu quis dizer que, além dos elementos que expus, existe algo que é determinante para a falta e mau exemplo do Exército: existe um racha na cúpula da Força. Malgrado a comparação fantasiosa e até religiosa – quando não insidiosa! –, é como se essa Força fosse o Inferno e seu principado fosse composto por Lúcifer e seus Dromos. Dito de outra forma, além de Heleno, Villa-Boas e Braga Netto, há generais golpistas em flagrante disputa pela hegemonia da Força.

O Exército brasileiro é uma instituição muito peculiar. Ainda que oficialmente seja comandada por generais da ativa, é translúcido que essa Força ouve os conselhos dos generais da reserva. Essa Força mais se parece com um clube particular que com uma instituição militar – talvez daí se explique os temores com as emissões de notas golpistas do Clube Militar! Aliás, assemelha-se à diretoria de clube e associações esportistas, cujas aposentadorias parecem não existir. Digo, embora em “repouso”, os generais realmente agem como se ainda estivessem nos gabinetes institucionais do Exército Brasileiro.

Não sei o que ocorrerá. Não sei se haverá golpe – apesar de crer piamente em sua realização –, assim como não sei se terá sucesso – aposto que não! Só me arrisco a ter uma certeza: nunca mais a Polícia Militar será vista do mesmo jeito depois desse ano. Digo mais, após as manifestações golpistas de alguns coronéis e essa carta da AMEBRASIL, finalmente os governadores e os parlamentares passarão a pensar com seriedade desativação da Polícia Militar.

Joao Paulo Rodrigues

Graduado, especialista, mestre e doutorando em Filosofia (UFRN). Especializando em Literatura e Ensino (IFRN) e curioso pela ciência da grafodocumentoscopia.

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