Rio Grande do Norte, terça-feira, 07 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 27 de maio de 2013

#RevoltadoBusão: vomitando o discurso do opressor

postado por Daniel Menezes

Às vezes, fico com a impressão de que essa história de “horizontalidade”, algo hoje que gravita na #RevoltadoBusão, é quase sinônimo de um fenômeno new age, mágico. Tudo que diz respeito à votação e organização é rechaçado como verticalização do movimento. Se brincar, autonomistas-horizontalistas vão defender não marcar nem uma data, cancelar todas as reuniões. Como funcionaria? Todo mundo, no mesmo instante, pelo puro ato da força do pensamento vai sair, ao mesmo tempo, nas ruas e se rebelar. Deixando de lado a ironia, não há problema em se formar uma comissão de comunicação (ou qualquer outra), como insinua a nota publicada abaixo e que circulou nas redes sociais, desde que todos os atos de publicização sejam aprovados pelo coletivo e a própria comissão constituída por votação popular(izada).

A nota contra a qual veiculo este texto também reclama da “burocratização” da plenária. Mas o que é isto, afinal? Como seria uma reunião sem a administração das falas, dos inscritos? Todo mundo falando de uma vez, ou só discursando os que se acham mais revolucionários? Não há restrição em ocorrer plenária. Elas são importantes. Do contrário, como votar? Como respeitar decisões democráticas?! Me digam como escolher e pactuar ações?! Produziríamos o governo dos sábios? Ou da vanguarda que se imagina mais capaz de ditar como um movimento social deve atuar?!

Autonomia-horizontalidade não está em recusar toda e qualquer forma de organização. Esse radicalismo de classe média, que nega todo e qualquer tipo de instituição, tem outro nome. A autonomia está em refletir sobre as atitudes tomadas e pactuar com os demais. Tais articulações são demoradas, cansativas, mas vivemos em sociedade aonde, ao mesmo tempo em que dependemos dos outros, temos pensamento livre. Daí a necessidade de combinar com os demais e não sair passando por cima de todos e fazendo do jeito que der na telha (essa atomização da auto-imagem no mundo é bastante cara ao nosso tempo e nos inquire a se enxergar sempre como isolado no mundo, sem perceber a necessidade de estabelecer laços interativos, para gerar atividades coletivas dotadas de substância democrática).

O texto veiculado abaixo é a expressão de um pensamento antidemocrático, de quem numa democracia não sabe “perder”, ou melhor, entender que sua opção-tese não foi (ou pode não ser) aceita pela maioria (o que não retira seu direito, sempre renovado, de expor suas opiniões, participar e argumentar, a cada nova votação, para que seu modo de pensar seja o seguido). A grande dificuldade da democracia não é saber ganhar. Isso todo mundo sabe. O negócio é aprender a perder. A plenária tem toda uma história de formação de uma arquitetura institucionalizadora de decisões, que vêm das comunidades socialistas, das comunas, conselhos gestores e organizações auto-gestoras anarquistas.

É justamente esse preconceito antidemocrático de quem não sabe expor uma tese numa plenária e aceitar que a sua não foi escolhida, que nega a auto-gestão de um movimento social, que cria a apatia da #RevoltadoBusão. Não tem nada a ver com partidos. Ate porque é essa (pseudo) horizontalidade que sempre dá a linha do protesto, e, no final, não aceita suas limitações e coloca a culpa num inimigo externo estranho. Sua impossibilidade de caminhar se escancara quando, a contra-gosto, se vê obrigada, pela força institucional dos poderes constituídos pelo sufrágio universal, a dialogar com Câmara dos Vereadores e Prefeitura Municipal do Natal.

Não raro, o discurso também vem carregado por uma linguagem aparentamente libertária, mas com consequências objetivas atrasadas. Escuto direto: estão querendo que a gente vire “massa de manobra”. Ora, “massa de manobra” sempre foi uma noção mobilizada pela direita, para dizer que todo e qualquer protesto das massas é irracional. Um discurso enquadrador e que nega a possibilidade de quem quer questionar de se organizar e lutar, inclusive, para reestabelecer relações políticas na cidade. No Brasil, esse discurso ganhou outra coloração com o nome de “populismo” (a elite paulista, ao perder o pleito contra seus oponentes, passa a denominar os vencedores – Getúlio Vargas, por exemplo – como líderes oportunistas e grandes enganadores das massas). A preocupação ganhou sua expressão máxima com o psicólogo Gustave Le Bon. Coloquem no google e vejam o horror que esse intelectual, como homem do seu tempo, tinha das multidões nas ruas. Enquanto ele deslegitimava teoricamente os nascentes movimentos reivindicatórios, a polícia agia contra as “classes perigosas”. É espantoso, portanto, ver a bricolagem sempre atualizada dos libertários com as palavras horizontalidade, autonomia e “massa de manobra”.

Os libertários acabam vítimas da moral pregada pelas classes dominantes, aquela que elas universalizam mas que não aplicam a si próprias, como já disse o bom filósofo. Esses grupos dominantes criminalizam a política, mas uma organização patronal como a Associação Norte-Rio-Grandense de Criadores (ANORC), das mais atrasadas do RN, não pensa duas vezes em mobilizar vários partidos (DEM, PSDB, PPS, PMN, etc), outros sindicatos patronais, enfim, toda a força institucional possível para conseguir seus pleitos. No entanto, um movimento social legítimo nega o tempo inteiro a validade democrática dos partidos, sindicatos, entidades estudantis, ongs, etc, em torno de um purismo (pseudo) vanguardista, que é a expressão ingénua da criminalização de entidades de classe e ideológicas legítimas. Passam horas intermináveis discutindo e tentando impedir que militantes usem camisas e empunhem bandeiras, se rendendo àqueles moralistas seletivos, os mesmos que vibraram quando a polícia bateu nos manifestantes no dia 15 de maio, que criminalizam o movimento a partir de uma suposta atuação malévola de fundo de partidos e políticos.

“Partidário” também é cidadão. Político também é cidadão. E só podemos dar parabéns se Amanda Gurgel, Marcos do Psol, Sandro Pimentel, Fernando Mineiro, Hugo Manso ou qualquer outro prefere apoiar a #RevoltadoBusão e seus pleitos do que o SETURN. Mas alguns recusam esse apoio, fazendo o jogo (não por maldade) de quem quer ver uma o movimento fraco. E não deveria existir problema na #RevoltadoBusão aceitar apoio de quem quer que seja (a hierarquia entre mais sabios ou mais livres e menos livres e menos sabios é perigosa porque, no fundo, cria a administração dos melhores ou mais habilitados). A questão está em alguma instituição, isoladamente, querer guiar o movimento. Mas a plenária, com votação coletiva, decide os rumos e estabelece controle social. Bem, penso que alguns membros caem na moral do “inimigo”, que é a que eles não seguem e só impõem para a gente, para nos enfraquecer (e sempre conseguem). Reclamaram até da formação nas plenárias de “blocos de poder”, como se quem comunga do mesmo pensamento não pudesse votar em conjunto (não é mais a criminalização da política, mas da própria atividade democrática).

Se tivessemos proteção e anteparo institucional, por exemplo, a polícia não teria feito o que fez. Porque uma coisa é espancar “estudantes”, outra coisa é bater em estudantes, sindicatos, partidos, entidades de classe e/ou estudantis, vereadores, deputados, etc.

É preciso vomitar o discurso do opressor que está dentro da gente, de vocês.

No final, se forma uma censura às avessas. Qualquer coisa, nesse autonomismo, ou sei lá como se chama, vira enquadramento pejorativo para “instrumentalização”, “partidarização”, “regimes de verdade” e outras paranoias. Acho que foi assim nos estados totalitários. Mas quando o movimento se enfraquece os (pseudo) “autonomistas-horizontalistas”, que deram a linha, que dizem ser anarquistas, mas impõem regra o tempo inteiro, dizem: culpa dos “partidários”. E o partidário é sempre o outro. O autonomista-horizontalista-anarquista-antipartidário não se percebe também como aquele que toma “parte”. Na prática, ela acha natural que sua parte represente o todo. Porque ele é o todo e aí de quem diga que é diferente.

PS. Chama atenção o modo acrítico como Foucault costuma ser empregado nessas discussões, como se ele negasse qualquer relação de poder – o filósofo francês cansou de dizer que o poder não é apenas negativo, mas também habilitador e que não há relação social sem relação de poder. Portanto, o problema não está na relação de poder – porque daí a pessoa incomodada teria de morar numa caverna isolada -, mas no modo como você estabelece relações de poder e na maneira como você produz “verdades” – não de uma maneira imposta, mas articulada após um diálogo em que as “demais verdades” também vem à tona, não são cerceadas – por exemplo, numa plenária em que todo mundo pode falar, expor suas avaliações, sugerir ações e votar os caminhos a serem tomados.

 

Nota Não Oficial

Daniel Menezes

Cientista Político. Doutor em ciências sociais (UFRN). Professor substituto da UFRN. Diretor do Instituto Seta de Pesquisas de opinião e Eleitoral. Autor do Livro: pesquisa de opinião e eleitoral: teoria e prática. Editor da Revista Carta Potiguar. Twitter: @DanielMenezesCP Email: dmcartapotiguar@gmail.com

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