Rio Grande do Norte, domingo, 05 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 30 de agosto de 2013

As tiranias da intimidade

postado por Anderson Soares

intimAo observarmos os fenômenos comportamentais da sociedade contemporânea, colhemos importantes indícios a serem problematizados. Especificamente a atual sociabilidade e experiência pública a partir do uso das redes sociais dos sujeitos inseridos.

Convida-nos para fértil reflexão, a relação dos indivíduos com as redes sociais e não exatamente as ferramentas oferecidas pelas mesmas. Importante elucidar as emoções, intenções e expectativas depositadas pelos usuários.

O que mais tem chamado atenção é a impressionante marca de nosso presente, a exposição exagerada da intimidade nas redes sociais, levantando a discussão dos limites pessoais e coletivos sobre intimidade e privacidade.  Exposição que tem sido material fértil para inúmeras pesquisas do campo da sociologia, psicologia social e psicanálise.

Pensadores que muito nos ajudam a refletir sobre o tema é Richard Sennett (O declínio do homem público) e Jean Baudrillard (Simulacros e simulações), com imensas contribuições para o campo do estudo da subjetividade e do simbólico na sociedade contemporânea. Auxiliam-nos no entendimento da realidade do homem pós-moderno e sua subjetividade diante das consequências da lógica do capital.

Este tempo presente de exposição exagerada da intimidade exibe um curioso paradoxo, pois ao observarmos mais atentamente os indivíduos (parte significativa) fora do mundo virtual, em situações de interação humana e concreta, nos defrontar com uma realidade assustadora de sujeitos que carregam sinais comuns (doenças, síndromes, fobias, etc) de uma sociedade acelerada e desumana, como: medo de falar em público, frieza, indiferença, embotamento afetivo, falta de segurança pessoal, depressão e principalmente o sentir-se sozinho.

A exposição exagerada da intimidade nas redes sociais cria uma curiosa e poderosa camuflagem sobre parte significativa das pessoas que se expõe. Esta exposição mais parece uma projeção de situações desejadas e artificiais que mais valem para encobrir a miséria pessoal de um cotidiano vazio de afeto e emoção humana.

Em casos extremos, indivíduos fazem da busca por visibilidade a grande razão de suas vidas (veja o que são capazes as chamadas “subcelebridades”). As patologias sociais na contemporaneidade vão adquirindo novas características e sintomas, que são geradas pela pressão por mais produtividade e também por uma “necessidade” de estar on-line quase sempre.

Aqueles que possuem pouca capacidade crítica e de julgamento, depositam (de forma inconsciente ou deliberada) suas energias em alimentar uma imagem de si próprio que impressione e chame atenção nas redes sociais (para muito é um único espaço de “existir”). Sabendo que as redes sociais são um cenário perfeito para que se dê vazão ao hipernarcisismo e exibicionismo doentio (“Olhem para mim!”) tão em comum entre indivíduos massificados.

Temos poderosa indústria do entretenimento e corporações da mídia, que infestam nossa sociedade com mensagens subliminares muito cruéis, que nos dizem o tempo inteiro que a aparência é muito mais importante que integridade.  Oferecem-nos modelos e padrões (beleza e comportamento) inatingíveis a serem seguidos (nos rastros das “celebridades” das capas de revista e tv), causando sentimento de inferioridade e frustração aos que são pessoas comuns e estão fora dos “padrões”.

As redes sociais são cenários perfeito para estas manifestações através de imagens e intimidades pessoais na busca de uma valorização que não conseguem fora do mundo virtual. Uma necessidade de aprovação a partir do olhar do outro, para assim adquirir satisfação efêmera e ilusória.

Numa realidade de indivíduos massificados, em que as singularidades são tripudiadas, passam a ser consideradas equivocas ou estranhas, pessoas que optam corajosamente pela discrição ou seletividade na preservação de suas privacidades.

O mais importante é a condição de discernimento de cada indivíduo, para que os vínculos gerados a partir das redes sociais não se transformem em meras mercadorias descartáveis. Refletir sobre as carências e fragilidades emocionais que tanto determinam o uso irresponsável destas redes e a total falta de critério para se ter mais e mais “amigos” que “compartilhem”.

É fundamental refletirmos sobre o que significa a valorização de nossas singularidades e o cuidado de si. O que inclui, fundamentalmente, o cultivo diário do senso de preservação de nossa privacidade.

Anderson Soares

Escritor.

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