Rio Grande do Norte, sábado, 04 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 8 de abril de 2018

Por que a prisão de Lula me dói?

postado por Gabriel Miranda

De antemão, alerto que qualquer interpretação acerca da condenação e prisão do ex-presidente Lula que analise o fato nele mesmo encontra-se equivocada. Não se trata de uma condenação, apenas. Trata-se, sobretudo, de um complexo arranjo institucional pensado para desmoralizar e neutralizar o presidenciável social-democrata com maior representatividade nas eleições de 2018, conforme apontam diversas pesquisas de opinião.

Trata-se, de mais uma expressão do golpe de Estado em curso no Brasil, iniciado em 2016, com o impedimento da presidenta Dilma Rousseff. Impedimento este motivado por interesses políticos escusos, porém justificado através de irregularidades contábeis, as “pedaladas”, prática comum no Executivo federal, em governos anteriores e que, em 2016, foi praticada por dezesseis governadores em exercício do mandato, sem que nunca tivesse sido apresentada como algo que justificasse um processo de impeachment.

Foi, portanto, travestido por um argumento técnico, o da irresponsabilidade fiscal, que buscou-se esconder os reais interesses com o impedimento da presidenta Dilma: cessar (ou desvirtuar) o prosseguimento das investigações da Operação Lava Jato e conduzir uma série de contrarreformas no Estado brasileiro, com o intuito de precarizar as condições de vida da classe trabalhadora brasileira, através, por exemplo, da retirada de direitos sociais e intensificação do processo de superexploração dos trabalhadores brasileiros, tornando, assim, o Brasil um parque de diversões da espoliação capitalista. Para isto, era necessário retirar de cena uma importante figura política eleita democraticamente e colocar, em seu lugar, a figura patética de Michel Temer, para que este, em conluio com o empresariado, a burguesia financeira, o Poder Judiciário, a mídia e as alas golpistas do Congresso – aquela mesma maioria que votou pelo impedimento, e sem qualquer argumento plausível, ora dedicavam o voto aos familiares, ora enalteciam torturadores –, pudesse protagonizar o desmonte do frágil Estado democrático de direito brasileiro.

Desde o golpeachment, orquestrado por interesses políticos, como um voto de desconfiança utilizado em países parlamentaristas para a retirada do(a) Primeiro(a) Ministro(a), há então, uma busca incansável pela justificação técnica das ações públicas de maior relevância, e uma negação total de que estas ações são mediadas por interesses políticos. Tenta-se enfiar “goela abaixo” da população que a destituição da presidenta Dilma não foi golpe, que não havia nenhum interesse político por trás do processo de impeachment e que, unicamente, se tratava de “apurar os fatos e buscar o melhor para o Brasil”.

A PEC do Teto dos Gastos Fiscais – que foi, inclusive, um dos interesses políticos do golpe –, apresentada no processo legislativo primeiro como PEC 241 e posteriormente como PEC 95, também foi apontada pela narrativa oficial do governo e de seus asseclas como uma medida meramente técnica. Diziam eles que “o Brasil se encontra quebrado, em grande medida pelos governos do Partido dos Trabalhadores”, e que a PEC era a política pública necessária para “tirar o Brasil do vermelho, da crise”. Esqueceram, contudo, de mencionar que, para enfrentar os problemas orçamentários do Governo Federal e garantir o superávit primário, há várias outras possibilidades além de congelar por vinte anos as despesas com saúde, educação e previdência, como realizar auditoria da dívida pública (mais de 40% do Orçamento Público Federal é destinado para o pagamento de juros e amortizações de uma dívida pública que nunca termina), taxar as grandes fortunas e instituir políticas de combate à sonegação, para citar apenas alguns exemplos.

Com a retórica das justificativas técnicas, o golpe foi amadurecendo. Através da Contrarreforma Trabalhista que promoveu a alteração da CLT em mais de cem pontos, foram expandidas as possibilidades dos empresários superexplorarem os trabalhadores, precarizando as condições de vida destes e aumentando os lucros daqueles. E assim se apresentou a Reforma do Ensino Médio, a Intervenção Militar no Rio de Janeiro e se apresenta, também, a Reforma da Previdência. Ações políticas, que denotam uma concepção de Estado, mas que são apontadas como as únicas opções técnicas viáveis. Ações políticas que afetam negativamente a classe trabalhadora, apresentadas como ações técnicas que afetam positivamente o Brasil. Neste sentido, a condenação de Lula é também mais uma ação política, uma forma de manter o golpe de Estado iniciado em 2016. E é, igualmente, um duro ataque à democracia, à esquerda – já que o Presidente é lido socialmente como o maior representante deste espectro político no Brasil – e aos trabalhadores, ainda que muitos deles não percebam.

É por isso que se enganam aqueles que creem que a condenação de Lula se trata unicamente da condenação de uma figura política importante. Trata-se da condenação de uma figura política que ocorre através de um processo permeado de arbitrariedades, sem provas. Trata-se de um procedimento de judicialização da política. Uma condenação que, pelas circunstâncias em que ocorre, sequer representa o derradeiro golpe na recente e limitada experimentação democrática pós-88, pois esta já foi derrotada em 2016, mas aponta para mais uma expressão do Estado de exceção brasileiro, ao lado de episódios como o assassinato da militante socialista Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

O Partido dos Trabalhadores, com sua tática de conciliação de classes, garantindo algumas melhorias para a classe trabalhadora sem tocar nos interesses dos ricos e, desta forma, administrando o capitalismo com um sucesso que seus antecessores não obtiveram, foi taxado por uma classe média raivosa e outros tantos desinformados ou mal-intencionados, como um governo comunista. Que absurdo! Longe disso, Cientistas Políticos, militantes e movimentos sociais disputam no campo teórico-conceitual se a experiência petista se configurou como um governo de esquerda ou não. Ainda assim, por representar uma plataforma política de governo que, hoje, não interessa mais às classes dominantes, Lula e tudo que ele representa vem sendo desmoralizado publicamente nos últimos anos, pela mídia e pelo Judiciário. Retirar Lula das eleições não é um ataque à corrupção, como tentam fazer crer – sequer há provas do envolvimento do ex-presidente em esquemas de corrupção –, é um ataque ao povo brasileiro, à democracia, à esquerda.

Embora muitas possam ser as críticas feitas à estratégia eleitoral e política do PT, como o não enfrentamento ao latifúndio, a não democratização da mídia e do judiciário, a concessão de pastas no governo para grupos conservadores e o recuo político em pautas importantes em nome da governabilidade no presidencialismo de coalizão, não podemos negar as contribuições e avanços sociais ocorridos durante o governo do Partido dos Trabalhadores. Avanços esses que são o real motivo da caça ao ex-presidente, já que são, no atual estágio do capitalismo dependente brasileiro, inadmissíveis para os donos do poder. Neste sentido, a prisão de Lula me dói porque representa o fortalecimento e a vitória – ainda que parcial – de grupos reacionários de direita, bem como o avanço de um projeto político de destruição dos tímidos direitos civis, políticos e sociais ainda em processo de consolidação no Brasil.

Minha defesa ao ex-presidente Lula é, antes de tudo, uma defesa à democracia, aos trabalhadores, ao Estado democrático de direito, à liberdade e à esquerda. Pois o ataque ao Lula, na atual conjuntura, é o ataque a tudo que acabo de citar. Sabendo quem são as forças políticas que o atacam (os donos da mídia, as várias frações da burguesia, o STF, as forças políticas conservadoras e reacionárias, os fundamentalistas religiosos), sabendo dos motivos pelos quais o atacam e sabendo que esses ataques não são meramente à figura de um político mas, sobretudo, à democracia brasileira, ao Estado de direito, à esquerda e aos trabalhadores, só me resta dizer uma coisa: Lula, eu estou contigo!

Gabriel Miranda

Cientista social (UFRN), mestre e doutorando em Psicologia, também pela UFRN. Pesquisador associado ao Observatório da População Infantojuvenil em Contextos de Violência (OBIJUV).

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