Rio Grande do Norte, terça-feira, 14 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 8 de abril de 2010

Manual para incentivo ao tráfico de drogas

Manual para incentivo ao tráfico de drogas: ou como a polícia e a legislação incentivam o narcotráfico.

postado por David Rêgo

Leio constantemente os artigos que saem nos jornais locais sobre “o problema da droga” na cidade de Natal. Para o meu azar, leio também outras fontes e a partir da observação do que vem acontecendo resolvi criar este manual para o incentivo ao tráfico de drogas. Ele consiste basicamente em ensinar como aumentar a quantidade de pessoas interessadas em realizar tal prática. Trata-se de algo bastante curioso, vejamos como acontece.
Primeiramente temos um dado “unânime” que refere-se ao fato de que o comércio de drogas ilegais deve ser combatido pela repressão, não descriminalização. A partir desta perspectiva criamos uma série de leis e aparatos de Estado para combater a venda de substâncias tidas como ilegais. Feito isto, iniciamos nossas atividades e começamos a prender os traficantes de drogas….
É ai que começa o problema. Antes de mais nada, não! Eu não estou dizendo que combater o narcotráfico é ruim, a intenção é a de demonstrar como a forma que se combate atualmente mais incentiva do que inibe a prática do tráfico de drogas. Dando continuidade…
Todos aqueles que leram qualquer livro de introdução à economia devem saber que a economia trabalha através de estímulos. As pessoas estão sempre mais ou menos dispostas a correr riscos à julgar o que se tem a ganhar e o que se tem a perder. E este aspecto em particular é “o pulo do gato”.
Nossa legislação pune o traficante, mas nada faz com o usuário, este é tido como um viciado, um coitado que precisa de tratamento, uma vítima dos malvados traficantes. Assim sendo, as penas para usuários são levíssimas….
Se as penas são leves, o consumo é encorajado, se o consumo é encorajado isto faz com que a demanda aumente, quando aumenta-se a demanda surge um “mercado” que incentiva determinado tipo de comércio (neste caso específico o tráfico de drogas). Uma verdadeira reação em cadeia surge a partir daí…
Como o usuário não é punido, ao se prender um traficante surge uma situação bastante peculiar. Ao se prender um traficante, automaticamente a polícia está incentivando que várias outras pessoas aventurem-se nesta “profissão” por uma razão bastante óbvia: a margem de lucro aumenta vertiginosamente.
Quando existe a escassez de um produto e sua demanda continua a mesma, o preço tende a elevar-se, o preço elevando-se surgem cada vez mais pessoas dispostas a entrar neste comércio de risco tendo em vista os seus altos lucros em curtíssimo prazo de tempo. Neste aspecto a equação é bem simples: quanto mais traficantes se prendem, mais traficantes surgem. Temos ai então um belo manual de como a polícia e os nossos legisladores incentivam o tráfico de drogas e depois (cinicamente) dizem não saber o que está acontecendo com a sociedade. A resposta é bem simples: os profissionais responsáveis pelas políticas de prevenção são despreparados, onde vale-se mais o parentesco do que a competência em um assunto.
Se um governo realmente quiser combater o comércio de bens e serviços ilícitos, a medida mais eficaz é perseguir os usuários, que promovem e asseguram a demanda. Se a pena ao usuário fosse de 5 anos de cadeia, por exemplo, não tenham dúvidas, o tráfico iria diminuir vertiginosamente em um piscar de olhos. Até por que é bem mais fácil achar um usuário do que um traficante, uma vez que para cada traficante, existe no mínimo uns 20 usuários e a sua prática pode facilmente ser atestada a partir de um exame de sangue.
A outra maneira de se combater o comércio de bens e serviços ilícitos seria legalizá-los… mas isto definitivamente está fora de questão… né não?.

David Rêgo

Sociólogo, antropólogo e cientista político (UFRN). Professor do ensino médio e superior. Áreas de interesse: Artes marciais, política, movimentos sociais, quadrinhos e tecnologia.

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