Rio Grande do Norte, quarta-feira, 01 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 27 de maio de 2010

O “germen” de toda desigualdade: A herança

postado por David Rêgo

Tenho lido alguns blogs aqui do RN e vejo impregnado em muitos a ilusão da meritocracia. Digo, é um valor que apoio (a meritocracia), mas para que tivesse realmente aplicabilidade muitas coisas teriam de mudar. A começar pela herança. Geralmente os assuntos menos debatidos e mais tidos como tabus são justamente aqueles que mais reproduzem a(s) lógica de dominação (à julgar a repressão à sexualidade). Caso realmente existisse algum tipo de concorrência (meritocracia) na sociedade brasileira, “os vencedores haveriam de se alternar”. Em disputas concorridas, onde compete-se de igual para igual, pode-se observar a alternância da liderança. Mas não é isso que vemos na sociedade. A elite é sempre elite há tempos. As chamadas famílias nobres ou “tradicionais” nada mais são do que o reflexo da inexistência da capacidade de competitividade na chamada sociedade de direitos. Os direitos, muitos deles, nada mais fazem do que garantir a reprodução das classes sociais sem a possibilidade da mudança.

A o famoso argumento de que “a lei não retroage” é o exemplo perfeito disto. Nitidamente uma lei que só serve para garantir o direito das elites. Na “teoria” a lei serviria para evitar que o Estado tomasse os direitos dos cidadãos, em “teoria” uma boa lei para impedir a tirania do Estado sobre o indivíduo (que permitiria que o estado não usurpe direitos garantidos). Porém, todavia, entretanto….não é o que se observa na prática. Seus usos são sempre em casos absurdos (como o da ficha limpa atualmente sendo julgado pelo STF). Conheço família de ex-militar que recebe pensões de milhares de reais, não só a esposa como a irmã, a tia, cunhada, cachorro etc. Nunca fizeram nada para merecê-lo, mas como a lei não retroage, não se pode tirar um direito adquirido. Tal lei serve unicamente aos que algum dia já tiveram direitos (uma grande e esmagadora minoria), todos os demais nada tem a ganhar com ela, pelo contrário, apenas perdem. Lei tipicamente da elite, mas que todos defendem, não sei qual a razão. Talvez na triste ilusão de que algum dia poderão usufruir dela. Acredite, não irão, pelo menos 95% não irá. Com a herança trata-se da mesma coisa. A grande e esmagadora maioria das pessoas não tem nada para herdar. Quando muito uma casa cheia de buracos e um carro popular (tenho feito pesquisas aqui por Natal e ao que os números indicam pouco mais de 4% da população tem renda igual ou superior à R$ 4 mil reais, para ser “rico” você tem de ganhar mais de 10mil…), e ainda assim à favor da herança. Nada teriam a perder se fossem contra ela, a não ser nossas próprias correntes. Não temos nada à herdar, 90% dos brasileiros simplesmente não herdam, ainda assim qual a razão de defender tal princípio?

Concordo que se o seu pai tem uma fortuna de 50 milhões você tem direito à parte dela. Não mais do que 10%, mas tem. Aliás, para que tanto dinheiro? Não já foi criado nas melhores escolas? Viajando todo o mundo etc? Tanto dinheiro nas mãos dos descendentes ao meu olhar parece ser um atestado de incompetência. A terra que nutriu o seu pai haverá de nutrir-lhe também. Igualdade não significa dar a mesma quantia de dinheiro para todos, significa dar igual capacidade de desenvolvimento e quando algumas pessoas herdam e outras não a igualdade já vai por terra abaixo, tendo em vista que alguns já nascem com muito e outros literalmente sem nada. E ao contrário do que você pensa: Não! Os ricos (em sua esmagadora maioria) não tornaram-se ricos, eles simplesmente herdaram de seus pais, que herdaram de seus avós, que herdaram de…

Assim sendo afirmo: A herança é o princípio de todas as desigualdades, se queremos acabar com a desigualdade, temos que acabar com a herança (ou impor pesados impostos para redistribuir as riquezas). Daí alguns dos que estão lendo devem estar com muita raiva neste momento… não vão herdar nada, no máximo alguma mixaria, mas estão com raiva, como se o que falo fosse gerar algum preejuízo à grande parte da população…. Não lute por um direito que não lhe beneficia. Já imaginaram como seriam as escolas e hospitais se 90% das heranças dos ricos fossem redistribuídas? Os ricos representam não mais do que 4% e você, com 96% de certeza, não faz parte da elite e nunca fará…

O que a tirinha esconde é que o empresário, muitas vezes, herda o capital necessário para manter e legitiar a dominação…
Enfim, é isso..
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David Rêgo

Sociólogo, antropólogo e cientista político (UFRN). Professor do ensino médio e superior. Áreas de interesse: Artes marciais, política, movimentos sociais, quadrinhos e tecnologia.

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