Rio Grande do Norte, domingo, 05 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 21 de junho de 2010

Preocupações leigas sobre a ética feminina

postado por Carta Potiguar

Por Stephanie Campos

Podemos entender a ética como a capacidade de avaliar as próprias ações; como um conjunto de regras que guia o comportamento de determinado coletivo social nos remetendo à idéia de moralidade; ou como um sistemático estudo sobre como deve o ser humano comportar-se em sociedade remetendo-nos aqui à uma idéia de filosofia moral.
A partir das intervenções de Tomás de Aquino e Agostinho na ideologia ocidental surge a visão maniqueísta na qual temos o livre arbítrio de escolher entre o bem e o mal, no entanto somos livres devendo saber que só há um caminho, verdade e vida, que deve ser alcançado seguindo-se as regras de conduta ditadas pela filosofia do cristianismo que vigora fortemente nos nossos dias. Surge então a conduta moral como sinônimo de ética, a conduta imoral que se contrapõe à ética e a conduta amoral, que a ignora totalmente.

Nesses termos a ética que a mulher deve seguir é sempre muito mais dura. O deus cristão bíblico, no ato da criação dos humanos, coloca a mulher hierarquicamente em submissão ao marido, a mulher é responsável pela expulsão do Jardim do Édem, pelas condições difíceis de subsistência empreendidas pelo homem e pelas dores do parto que há para todas as mulheres depois de Eva. Pode-se argumentar que existem passagens onde as mulheres são positivadas biblicamente inclusive junto a trajetória de Jesus na terra em uma argumentação que refere-se ao campo religioso, mas na prática as apropriações históricas sobre o papel da mulher na sociedade são um tanto menos oníricas. As práticas, defendidos pela Igreja Católica, davam a propriedade dos corpos femininos aos pais, irmãos, filhos e maridos; permitia o adultério masculino; defendia o direito de agressão física sobre a mulher que não fosse “correta e obediente”. Ainda hoje a mulher virtuosa é, para muitos, a mulher que se mantém na casa ‘suportando em amor’ a todo tipo de incoerência social e opressão física e psicológica, que respeita acima de sua própria felicidade a manutenção de uma falsa imagem harmônica vendida a parentes e amigos para que possa ter algo que a sustente, na ausência de uma postura política de libertação e individualidade que construa valores femininos que partam de fato de uma condição feminina respeitável por suas ações e posicionamentos na sociedade.
A ética cristã fechada nela mesma é uma forma de repressão e por isso não me apetece embora estejamos todos imersos nesse universo. Essa ética não justifica a ação de mulheres que ignoram as conquistas políticas históricas femininas e permanecem reproduzindo formas de conduta que tentam julgar como imoral posturas de liberdade ou mesmo de amoralidade. Essa postura é contraditória pois como se basear em argumentos politicamente anti-femininos para tentar dar à mulher um lugar social equânime?
A moralidade cristã interiorizada por mulheres sem capacidade crítica nos dá a possibilidade de presenciarmos espetáculos da baixeza onde não se usa intelecto, ponderação e pensamento livre. Minhas pulsões humanas são o que me fazem e as limitações de minha interação social são dadas pelas pulsões do ‘outro’ envolvido nesse processo. Não permito portanto que meu ‘outro’ seja alguém que passou a história da humanidade me dizendo a quantos passos atrás eu devo andar e mesmo assim, hoje, é pensado como fonte de luz para qual vou orar em pedido por libertação. Como essa libertação se daria se partiria das idéias que nos aprisionam?

Publicado originalmente em Rustique Moderne.

Carta Potiguar

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