Alguns incautos de pensamento retrógrado, no infeliz afã de propagar suas verdades secularistas, ressaltam em veneração religiosa os sabores da arte clássica. Crêem que a imagem sacra de uma xavasca careca de deusa grega, meio encoberta por seus devassos cabelos encaracolados, é um sinal da perfeição terrena. Admiram as fálicas colunas jônicas com uma homoafetividade que jamais admitiram na frente de seus pais. E, não obstante, deleitam-se com a cara de bunda de uma dona qualquer da era Vitoriana pintada em uma tela, esquecendo-se que os quilométricos vestidos que estas usavam era para encobrir o forte cheiro de seus pútridos países baixos. Esses tolos, ofuscados pela busca de uma inexistente perfeição estética, acabam por endeusar uma arte nauseabunda em detrimento da vanguarda. Não se enganem: não estou aqui para falar sobre genitálias. Estou aqui para falar de arte. E, mais precisamente, a arte contemporânea nacional. Arte legítima de um país tupiniquim quente de rachar a bunda que, como uma almálgama da produção que a antecedeu, supera-a em todos os aspectos, de modo a deixar suas antecessoras em uma havaiana bem pobrezinha. É com orgulho e estufado osso esterno que digo, em alto e bom som, das maravilhas do funk brasileiro.
Já ouço o brado retumbante do povo com bólides nos punhos: “O senhor está defecando pela boca! Como pode gostar da bosta fétida e esverdeada que é o funk?”. Ah, e novamente tenho que vos chamar de incautos, porque é isso que sois! Por muitos anos, desde a gênese dessa qualidade musical, crimos que seus autores fossem um bando de borra-bostas – mas ah! Como traz ao peito um sentimento áureo de saber de nossa ignorância. Populares, os propagadores desse ritmo envolvente e diversificado, com suas letras de caráter obviamente popular, tentavam nos mostrar que nem só de amor mela-cueca e sofrimento emokid vive a poesia parnasiana. Afirmo com categoria: os funkeiros são neo-parnasianistas, apenas com uma “leve” virada temática.
Para iniciar a prova de tão chamuscante asserção, peguemos um expoente relativamente novo, mas igualmente qualitativo, da lírica funkeira: MC Créu.
É desnecessário comentar o já brilhante nome da criatura. Como disse Shakespeare (no original): “What is in a name? That which we call a rose by any other name would smell as sweet”. Iniciemos, portanto, pela beleza de seu magnum opus, a “Dança do Créu”:
“Pra / dan / çar / créu / tem / que / ter / em / pol / ga / ÇÃO (11)
Pra / dan / çar / créu / tem / que / ter / ha / bi / li / DA // de(11)
Pois es / sa / dan / ça e / la / não / é / mo / le / NÃO (11)
Eu / ve / nho / te / lem / brar / que / são / cin / co / ve / lo / ci / da / des (13)
Para o leitor de QI superior ao de uma ameba, a relação entre os números 11 e 13 das sílabas métricas supracitadas pode ser evidentemente derivada da kaballah. Sendo assim temos, além de um senso estético parnasiano invejável, uma relação simbólica post hoc ergo propter hoc, evidenciando a genialidade ululante do eu-poemático.
Mas não pensais vós que acaba aí! Analisemos ainda outro artista iluminado, ainda que pertencente à chama Primeira Geração, MC Serginho. Assim como no caso de seu co-worker MC Créu, é impossível julgar apenas pelo nome. Tampouco é necessário análisar o magnetismo populista de orações impecáveis, como “Ô-ô-ô-ô, todo viado que eu conheço é…!”, enfim, rima com o time que você odeia. Sendo assim, partamos direto para a sua canção neo-parnasianista (e com um quê de trovadorismo) de maior evidência:
“Vou / man / dan / do / um / bei / JI // nho (7)
Pra / fi / lhi / nha e / pra / vo / VÓ (7)
Só / não / pos / so / es / que / CER (7)
Da / e / güi / nha / po / co / TÓ (7)”
Temos agora versos mais refinados, em redondilha maior, uma clara alusão aos trovadores portugueses e aos parnasianos já mencionados. Deve ser mencionado o número 7, também cabalístico, presente desde Gênesis 4:15 até Apocalipse 21:9.
É aqui que eu termino, meus atentos leitores, concluindo que uma xavasca bem depilada não é melhor, de forma alguma, que um eqüino pocotó.