Rio Grande do Norte, sexta-feira, 03 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 7 de julho de 2010

O Funk e a estética da velha guarda

postado por Rodrigo Sérvulo

Alguns incautos de pensamento retrógrado, no infeliz afã de propagar suas verdades secularistas, ressaltam em veneração religiosa os sabores da arte clássica. Crêem que a imagem sacra de uma xavasca careca de deusa grega, meio encoberta por seus devassos cabelos encaracolados, é um sinal da perfeição terrena. Admiram as fálicas colunas jônicas com uma homoafetividade que jamais admitiram na frente de seus pais. E, não obstante, deleitam-se com a cara de bunda de uma dona qualquer da era Vitoriana pintada em uma tela, esquecendo-se que os quilométricos vestidos que estas usavam era para encobrir o forte cheiro de seus pútridos países baixos. Esses tolos, ofuscados pela busca de uma inexistente perfeição estética, acabam por endeusar uma arte nauseabunda em detrimento da vanguarda. Não se enganem: não estou aqui para falar sobre genitálias. Estou aqui para falar de arte. E, mais precisamente, a arte contemporânea nacional. Arte legítima de um país tupiniquim quente de rachar a bunda que, como uma almálgama da produção que a antecedeu, supera-a em todos os aspectos, de modo a deixar suas antecessoras em uma havaiana bem pobrezinha. É com orgulho e estufado osso esterno que digo, em alto e bom som, das maravilhas do funk brasileiro.

Já ouço o brado retumbante do povo com bólides nos punhos: “O senhor está defecando pela boca! Como pode gostar da bosta fétida e esverdeada que é o funk?”. Ah, e novamente tenho que vos chamar de incautos, porque é isso que sois! Por muitos anos, desde a gênese dessa qualidade musical, crimos que seus autores fossem um bando de borra-bostas – mas ah! Como traz ao peito um sentimento áureo de saber de nossa ignorância. Populares, os propagadores desse ritmo envolvente e diversificado, com suas letras de caráter obviamente popular, tentavam nos mostrar que nem só de amor mela-cueca e sofrimento emokid vive a poesia parnasiana. Afirmo com categoria: os funkeiros são neo-parnasianistas, apenas com uma “leve” virada temática.

Para iniciar a prova de tão chamuscante asserção, peguemos um expoente relativamente novo, mas igualmente qualitativo, da lírica funkeira: MC Créu.

É desnecessário comentar o já brilhante nome da criatura. Como disse Shakespeare (no original): “What is in a name? That which we call a rose by any other name would smell as sweet”. Iniciemos, portanto, pela beleza de seu magnum opus, a “Dança do Créu”:

“Pra / dan / çar / créu / tem / que / ter / em / pol / ga / ÇÃO (11)

Pra / dan / çar / créu / tem / que / ter / ha / bi / li / DA // de(11)

Pois es / sa / dan / ça e / la / não / é / mo / le / NÃO (11)

Eu / ve / nho / te / lem / brar / que / são / cin / co / ve / lo / ci / da / des (13)

Para o leitor de QI superior ao de uma ameba, a relação entre os números 11 e 13 das sílabas métricas supracitadas pode ser evidentemente derivada da kaballah. Sendo assim temos, além de um senso estético parnasiano invejável, uma relação simbólica post hoc ergo propter hoc, evidenciando a genialidade ululante do eu-poemático.

Mas não pensais vós que acaba aí! Analisemos ainda outro artista iluminado, ainda que pertencente à chama Primeira Geração, MC Serginho. Assim como no caso de seu co-worker MC Créu, é impossível julgar apenas pelo nome. Tampouco é necessário análisar o magnetismo populista de orações impecáveis, como “Ô-ô-ô-ô, todo viado que eu conheço é…!”, enfim, rima com o time que você odeia. Sendo assim, partamos direto para a sua canção neo-parnasianista (e com um quê de trovadorismo) de maior evidência:

“Vou / man / dan / do / um / bei / JI // nho (7)

Pra / fi / lhi / nha e / pra / vo / VÓ (7)

Só / não / pos / so / es / que / CER (7)

Da / e / güi / nha / po / co / TÓ (7)”

Temos agora versos mais refinados, em redondilha maior, uma clara alusão aos trovadores portugueses e aos parnasianos já mencionados. Deve ser mencionado o número 7, também cabalístico, presente desde Gênesis 4:15 até Apocalipse 21:9.

É aqui que eu termino, meus atentos leitores, concluindo que uma xavasca bem depilada não é melhor, de forma alguma, que um eqüino pocotó.

Rodrigo Sérvulo

Literatura, artes (marciais), humor, sociologia, filosofia e cultura.

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