Rio Grande do Norte, domingo, 12 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 16 de novembro de 2010

Donnie Darko

postado por Mario Rasec

Existem filmes que marcam pela sua ousadia temática e estética, e pela sensibilidade poética de certas cenas. Considero Donnie Darko (EUA, 2001) um deles. Ele é um daqueles filmes que ou se ama ou se odeia facilmente. Devo confessar, entretanto, que para mim foi paixão na primeira vista.

Longe do circuito dos filmes de grande orçamento norte-americano, Donnie Darko inova, dentre outras coisas, por seguir um caminho contrário de qualquer produção cinematográfica atual. Lançado em 2001, em pleno auge do DVD, ele ousa em se manter num formato que lembra as velhas fitas de VHS. Até mesmo no áudio. Mas esta escolha estética não é mera excentricidade da direção, mas um recurso que corresponde com perfeita harmonia ao enredo, pois, embora filmado em 2000, tem sua ambientação em plenos anos 80, além de tratar de forma incomum as teorias da viagem no tempo.

Num primeiro momento, assistir Donnie Darko nos traz a sensação de está vendo aqueles filmes de high school norte-americanos que eram comuns na década de 80. Entretanto, desde o começo, há uma atmosfera de estranheza e um certo tom de esquizofrenia onipresente em toda a narrativa, e que tem no seu protagonista, vivido por um melancólico Jake Gyllenhaal, sua maior personificação.

Permeado por uma trilha sonora oitentista, onde ouvimos clássicos de bandas do pop rock tais como Tears for Fears, Duran Duran, Echo and the Bannymen (a primeira cena do filme com Killing Moon do Echo chega a ser, particularmente, memorável), o filme conta a história de Donnie Darko (Jake Gyllenhaal), um estudante de colegial que toma medicamentos para tratar a depressão e que, certa noite, é chamado por um ser com uma fantasia de coelho, para fora de casa. Esse ser que se diz ter vindo do futuro — com uma máscara metálica que lembra o crânio de um coelho — lhe diz quantos dias, minutos e segundos faltam para o fim do mundo, e lhe sugere algumas “missões” um tanto quanto vândalas, que o personagem de Gyllenhaal põe em prática durante a projeção. Enquanto ele tem esse primeiro encontro com esse “homem do futuro”, uma turbina de avião cai misteriosamente sobre sua casa, destruindo por completo seu quarto.

Pensar no coelho de Alice no País da Maravilhas de Lewis Carroll não é exagero. Afinal, o filme tem sua intensidade semiótica. Além disso, ao ter criado sutis e estranhas ligações entre acontecimentos e personagens, fez com que se espalhassem diversos fóruns na internet para os fãs debaterem o significado de certas referências. Sua fotografia está entre os pontos fortes do filme, há cenas inesquecíveis por sua beleza estética e poética. Há uma cena que faz clara referência a ET de Steve Spielberg, onde alguns personagens com fantasias de halloween pedalam pelas ruas do bairro.

Não posso deixar de destacar aqui a presença, agora póstuma, de Patrick Swayze (1952-2009) fazendo um papel bastante diferente dos personagens que fizeram sua fama nos anos oitenta. O que talvez mostre que Donnie Darko é um filme que parece propor a destruição de mitos culturais norte-americanos, além de expor uma hipocrisia que, infelizmente, não é apenas privilegio do tempo e lugar em que o filme se concentra. E a presença da personagem interpretada por Drew Barrymore personifica o olhar crítico sobre essa cultura norte-americana, representada pela escola na qual leciona como uma professora de literatura que não se deixa contaminar pela mediocridade do local, embora acabe se tornando vítima dessa mesma mediocridade contra a qual Donnie Darko trava sua luta.

Donnie Darko é um filme pós-moderno até a alma. Inserido na sua narrativa, vemos todos (ou quase todos) os elementos característicos do pós-modernismo, principalmente no uso de referências do passado e na sua mistura de linguagens que vão dos filmes de high school oitentista, do terror, até a ficção-científica. Por isso, particularmente, acho impossível classificá-lo em apenas um desses gêneros, embora, nas fichas técnicas que tenho visto por aí, ele seja classificado com o gênero terror.

Com todos esses elementos citados acima, e com tantos outros que deixo passar, foi inevitável que Donnie Darko se tornasse um dos primeiros filmes cults do século XXI.

 

PS: Não recomendo a sua “sequência”, S. Darko (2009), pois se trata de um filme desnecessário e que se perde naquilo em que Donnie Darko foi muito bem sucedido.
Ficha técnica:
título original: Donnie Darko
gênero:Terror
duração:01 hs 20 min
ano de lançamento:2001
site oficial: http://www.donniedarko.com/
estúdio:Gaylord Films / Flower Films / Adam Fields Productions / Pandora Cinema
distribuidora:Newmarket Film Group / Flashstar
direção: Richard Kelly
roteiro:Richard Kelly

Mario Rasec

Designer gráfico, artista visual, ilustrador e roteirista de HQs. Autor de Os Black (quadrinho de humor) e de outras publicações.

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