Rio Grande do Norte, sexta-feira, 03 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 20 de maio de 2011

Inverno da Alma

postado por Mario Rasec

Ree Dolly (Jennifer Lawrence), uma menina de 17 anos, tem sobre seus ombros a prematura responsabilidade de cuidar dos dois irmãos menores e da mãe, e para piorar as coisas, a casa foi penhorada em troca da fiança do seu pai, e se ele não aparecer, sua família perderá a pose dela. Com isso, Ree tem que fazer uma jornada em busca do seu pai através de uma comunidade desolada pelas drogas, onde a informação sobre o paradeiro dele é um tabu que ninguém está disposto a quebrar.

A fotografia de Inverno da Alma (2010) é a maior qualidade desse filme, pois mostra a desolação que parece ser inerente à vida de todos os personagens. O filme se passa numa paisagem que sugere que um dia aquele lugar, com suas árvores, lagos e rios, já foi belo. Uma natureza selvagem poluída pela natureza humana, pelas vidas em ruína e pela busca diária de extrair dessa natureza (que margeia a melancólica existência daqueles personagens) o sustento necessário para continuar existindo num mundo onde não parece haver nenhuma possibilidade de uma vida diferente (a única esperança da protagonista de uma vida melhor se resume a se alistar nas forças armadas). É um cenário sujo, com entulho, sucatas, lixo, ruínas materiais e humanas, como se a paisagem fosse um espelho da ruína moral que as drogas fizeram aos personagens daquela melancólica comunidade. E a trilha sonora tem grande importância em acentuar esse desencanto constante na projeção.

Para reforçar a questão da sobrevivência, certos momentos do filme acentuam a urgência da protagonista em ensinar os irmãos pequenos a treinar a pontaria com uma espingarda e a preparar a caça. Esse mesmo desespero por tantas responsabilidades e por um futuro incerto e ameaçador é mostrado numa cena emblemática, num diálogo, que, neste caso, seria mais apropriado chamar de monólogo, da filha com a mãe, enquanto esta se encontra num estado patológico de indiferença e mudez.

Parece também ser uma analogia à melancolia dos personagens o ritmo em que a montagem dá ao filme. O ritmo do filme é seu maior defeito, pois ele se arrasta de tal forma que parece que não vai a lugar nenhum. Assistimos com certa impaciência a protagonista indo de casa em casa na busca de respostas que ninguém está muito disposto a lhe dar. Assim, por causa do ritmo arrastado da projeção, parece que estamos fazendo o mesmo percurso junto com ela sem ter idéia se valerá a pena os minutos gastos durante a projeção. À medida que segue o filme vemos que as esperanças se esgotam, até mesmo para nós no nosso desejo que aconteça algo realmente relevante. As coisas acontecem. Mas não na velocidade que gostaríamos.

A heróica persistência de Ree parece encontrar correspondência com a nossa própria persistência de assistir o filme até o final. E quando esse final chega, sentimos satisfeitos sem saber exatamente com o quê, com o desfecho do enredo ou pelo simples alívio do filme ter terminado.
Entretanto, apesar do ritmo travado, o roteiro se mostra satisfatório e, junto com a atuação de Jennifer Lawrence (indicada a melhor atriz no último Oscar), consegue criar em nós o sentimento de identificação necessário para manter nossa atenção.

Título original: Winter´s Bone
Lançamento: 2010 (EUA)
Direção: Debra Granik
Atores: Jennifer Lawrence, Isaiah Stone, Ashlee Thompson, Valerie Richards.
Duração: 100 min

Mario Rasec

Designer gráfico, artista visual, ilustrador e roteirista de HQs. Autor de Os Black (quadrinho de humor) e de outras publicações.

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