Rio Grande do Norte, sexta-feira, 10 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 11 de novembro de 2011

O Palhaço

postado por Mario Rasec

Num momento em que, vez por outra, o cinema nacional parece se “norte-americanizar”, o veterano Selton Mello, neste seu segundo filme como diretor, traz de volta a criatividade natural do cinema brasileiro. Numa espécie de road movie seguimos com sua trupe pelo interior de um país decadente por sua pobreza, mas que se faz belo pela visão do seu diretor através de seus planos gerais (assim como do enquadramento de tantos outros planos), por uma ótima direção de arte e pela riqueza dos seus personagens.

Também atuando, Mello faz Benjamin, um palhaço filho de um palhaço dono de circo (o ótimo Paulo José) que segue a trupe do circo Esperança. Mesmo que, a princípio, utilize o clichê do palhaço triste que a todos faz rir (mesmo tentando ser sério), mas não consegue fazer rir a si mesmo, Mello vai além tanto na direção quanto na interpretação de seu personagem ao qual demonstra uma melancólica tensão fazendo-nos esperar, no mínimo, por uma espécie de confissão iminente deste sobre aquilo que tanto lhe incomoda. Após as primeiras cenas dentro do picadeiro, sabemos que Benjamin não tem carteira de identidade, e anda com uma sofrida certidão de nascimento no bolso (mostrando desta forma, talvez, uma metáfora à própria condição do palhaço neste país, em busca de reconhecimento como profissional). Algo pesa nas suas costas, seja a rotina da vida circense ou um sonho de realização como um indivíduo pleno, tendo assim, um ventilador, constante desde a logo nos créditos iniciais do filme até o último plano, como símbolo dessa realização pessoal. Entretanto, é justamente na tentativa de inserir este objeto como um importante elemento simbólico que Mello comete um dos raros deslizes do projeto. Pois, seu constante surgimento durante a projeção se torna a própria fixação do ator/autor, chegando ao ponto de se tornar como uma piada que, contada várias vezes, perde sua graça.

Com um rico elenco de atores que remete ao humor nacional (Ferrugem; Jorge Loredo, o Zé Bonitinho; Tonico Pereira etc.) a maioria em pontas que inserem mais humor na narrativa, Mello mostra certa dedicação na relevância desses personagens, mas, principalmente, no desenvolvimento do elenco principal (que consiste na trupe do circo), dando a eles tanta importância quanto ao protagonista, principalmente na personagem da pequena Guilhermina (Larissa Manoela), fazendo com que, de certa forma, o seu olhar se encontre com o nosso.

Numa fotografia e numa belíssima direção de arte que faz um universo decadente ser preenchido com um alegre tom de fábula, O Palhaço é um filme melancólico na medida certa, e divertido na mesma medida, fazendo dessa dualidade (representada pela própria direção de arte anteriormente citada) gerar uma poética que, particularmente, estava sentindo falta nas produções nacionais recentes. E não há como não citar o belo plano-sequência que fecha o filme, coroando com competência e sensibilidade a direção de Selton Mello.

 

Ps: Numa das tantas e breves participações no filme, a intervenção de Jackson Antunes se mostra uma das mais simbólicas. Como um espelho daquele mundo circense, vivendo entre as ruínas de um tempo de prosperidade, no discurso do seu personagem, a alma do filme se deixa revelar.

 

Ficha técnica:

Direção:
Selton Mello

Roteiro:
Selton Mello, Marcelo Vindicato

Elenco:
Selton Mello, Paulo José, Larissa Manoela, Giselle Motta, Teuda Bara, Moacyr Franco, Tony Tonelada, Tonico Pereira, Danton Mello, Ferrugem

 

Mario Rasec

Designer gráfico, artista visual, ilustrador e roteirista de HQs. Autor de Os Black (quadrinho de humor) e de outras publicações.

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