Rio Grande do Norte, quarta-feira, 01 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 29 de dezembro de 2011

“Você não pode jogar no nosso clube, pois aqui praticamos esporte de macho”

postado por David Rêgo

Aposto que o título do texto chamou sua atenção, e com razão. Creio também que despertou revolta e indignação só de imaginar qual clube de futebol poderia ter pronunciado a infeliz frase, pois participamos de uma sociedade onde é inadmissível convivermos com um preconceito tão amostra e declarado. Pois bem, revelo a vocês que não foi exatamente isso que disseram, porém a intenção foi completamente essa.

Segundo o jornal Folha de São Paulo, a possibilidade de ver o volante Richarlyson, ex-São Paulo e hoje no Atlético-MG, vestir a camisa do Palmeiras causou uma onda de revolta entre seus torcedores. O clube reagiu rápido. “Não está em nossos planos. Richarlyson é um bom atleta, mas são sabidas as dificuldades que teríamos para ele ser absorvido pela nossa torcida”, disse ontem (28/12/2012)  à Folha Roberto Frizzo, vice de futebol.

Os torcedores alegaram que a resistência em receber o atleta no clube não possuía qualquer ligação com o fato do atleta ser supostamente gay, mas com o fato dele ter jogado por muitos anos no time rival, São Paulo FC. Porém, as manifestações de repúdio contra a possível contratação de Richarlyson nas redes sociais tiveram certo “viés” (eufemismo aqui) homofóbico e preconceituoso.

Diante da nossa sociedade heteronormativa* estamos a todo momento ocultando por debaixo de discursos machistas, “esporte de macho”, representações e preconceitos de um padrão de masculinidade e de sexualidade normativos que inferioriza qualquer comportamento que fuja a essa normatização, como por exemplo: o cuidado de si é interpretado por muitos como sinal de fraqueza, pois o homem deve se considerar imune a doenças priorizando os prazeres da vida em detrimento da saúde e qualidade de vida.

Porém, chamo atenção dos leitores para algo ainda mais lamentável: as manifestações sutis de preconceito estão cada vez mais presentes no dia-a-dia da sociedade brasileira. Diferentemente das manifestações claras e declaradas de preconceito, agressões verbais/físicas e xingamentos, o preconceito sutil é corriqueiro e utiliza-se de piadas, “brincadeiras”, e apelidos que parecem ser “inocentes” e, por isso passam despercebidos para a maioria de nós.

Nem sempre de fácil percepção, portanto difícil de ser denunciado e de dar o flagrante, o preconceito sutil torna-se uma arma nas mãos dos “burros” (leia-se aqui preconceituosos), pois constitui-se como objeto de impunidade, propagação de exclusão e de perpetuação de estigmas, estereótipos e preconceitos contra a sociedade. Contudo, é somente na admissão do preconceito que podemos elaborar melhores estratégias de enfrentamento contra o preconceito sutil, pois expor o assunto é a melhor maneira de refletirmos sobre nós mesmos, bem como nos tornamos militantes diante de situações de discriminação.

Fim.

Acredito que este seja o último artigo de opinião do ano, portanto gostaria de desejar um feliz ano novo a todos leitores, colaboradores e colegas da Carta Potiguar.

*normatização da orientação heterossexual como natural e padrão que por consequência implica na marginalização e perseguição das outras orientações sexuais tidas como “desviantes” ou “patológicas”.

David Rêgo

Sociólogo, antropólogo e cientista político (UFRN). Professor do ensino médio e superior. Áreas de interesse: Artes marciais, política, movimentos sociais, quadrinhos e tecnologia.

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