Rio Grande do Norte, sexta-feira, 03 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 3 de janeiro de 2012

O esporte salvando vidas: ou a pior maneira de se compreender um projeto social

postado por David Rêgo

Acredito nos benefícios do esporte.  Aliás, acho tão bacana que nunca fiz um à sério tendo em vista que sempre saia de um para outro pois achava todos muito divertidos. Fiz futebol, natação, karatê, kung-fu, aikido, jiu-jitsu, musculação etc. Exercitar o corpo é muito bacana e não tenho dúvida alguma que o equilíbrio entre mente e corpo é mais do que necessário. Não só isso, a prática de exercícios estimula a produção de endorfina, substância que auxilia em uma série de processos cognitivos e por ai vai. Um corpo saudável e exercitado não serve apenas para exibi-lo em Pipa no feriadão, no carnatal, no veraneio em Pirangi ou como modo de chamar atenção para facilitar o acasalamento. No geral muitas funções cognitivas são estimuladas ao se fazer exercícios. O problema começa quando o fulano quer “construir uma quadra de esportes para tirar a juventude das drogas”.Ai nitidamente o camarada super-valoriza o poder do esporte. Como se o problema das drogas fosse por falta de esporte. Chama um drogado e pergunta: ei velho, o que o levou a usar drogas? Eu duvido que a resposta seja: “Rapaz foi porque eu num tinha uma quadra pra jogar futebol”. Pior, quando não é este o argumento, aparecem com a seguinte pérola: “O esporte é bom porque mantém o jovem ocupado, longe das drogas”. Hã? Como assim? Tá me dizendo que pobre se não tiver ocupado só serve pra virar traficante? Daí tem que botar pra fazer esporte já que assim ele vai “preencher” a cabeça com algo…
De todos os preconceitos velados que tenho tomado conhecimento, esse é o mais gritante. O pressuposto básico é que pobre não pode ter tempo ocioso, se tiver, faz merda, vira vagabundo etc.
A condição material (é bem marxista isso né? Mas pra ser bem sincero nem de Marx gosto), não tenham dúvidas, é fundamental de se analisar nestas horas. Domingo passado, logo na hora do almoço, fui forçado a engolir uma reportagem que só pode ter sido feita por um jornalista sem diploma (digo… sem diploma do 2º grau mesmo) que apresentava sua matéria no Globo esporte. Ainda pensei em pedir pra mudar de canal pois estava tendo náuseas, mas os que estavam à mesa comigo me censuraram e disseram: é só você não prestar atenção. Não consegui, tanto é que penso na reportagem até agora.
A moral da história é que existe algum homem ai muito bacana (bacana de verdade, não estou sendo irônico) que atua nas favelas do Rio de Janeiro tirando “soldados” do tráfico de drogas “através do esporte”. Bem, essa era a chamada… porém, ao ver bem a reportagem logo fica evidente que o jovem sai do tráfico, deixa de ser “soldado” não porque construíram uma quadra de esportes e agora ele vai poder preencher o tempo ali jogando e sonhando em ser o próximo “Adriano”. Ele saiu do tráfico porque agora tem um bolsa auxílio que o ajuda nas despesas. Esta sim é a condição para se fazer pessoas saírem de situações de alto risco e de baixa remuneração .
Um projeto como este é nada mais, nada menos do que um “bolsa-escola” desenvolvido por um educador físico. Daí bolsa escola é ruim (pois você recebe dinheiro para estudar), é esmola e por ai vai… Já o projeto do educador físico é genial, revolucionário, segundo a Globo. Porém, tal projeto em nada diferencia-se dos projetos “bolsas-esmolas” (como alguns macacos que travestem-se de homens costumam chamar), trata-se da mesma coisa, porém, você dá dinheiro (bolsa) para que o rapaz mantenha-se no treino (na prática é a mesma coisa é dinheiro em troca de disciplina, de domesticação, de previsibilidade).
Pergunto-me então: Por que cargas d’agua a Globo e seus seguidores ideológicos falam mal do bolsa-família, bolsa-escola e seus derivados e projetos como estes são bons, bacanas e geniais?
Levemos em consideração a foto do texto:

Tá na cara que o problema do pessoal ai da foto é falta de esporte, né? Tá vendo só, se tivessem construído uma quadra pra ocupar o tempo eles não tavam assim…

Enfim, vai entender né…

David Rêgo

Sociólogo, antropólogo e cientista político (UFRN). Professor do ensino médio e superior. Áreas de interesse: Artes marciais, política, movimentos sociais, quadrinhos e tecnologia.

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