Rio Grande do Norte, domingo, 05 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 3 de março de 2012

A Separação

Seguindo com uma proposta de escrever uma série de críticas de alguns filmes relacionados ao Oscar 2012, segue a crítica do vencedor do Oscar de melhor filme em língua estrangeira, o iraniano A Separação.

postado por Mario Rasec

A abertura do filme iraniano A Separação (Vencedor do Oscar de melhor filme em língua estrangeira de 2012) é emblemática, pois condiz com a burocracia que cerca a vida dos personagens. Vemos uma máquina de fotocópia reproduzindo as identidades dos protagonistas como se o diretor Asghar Farhadi tivesse a intenção de dizer que este filme seria a repetição de tantos outros acontecimentos banais, confusos e tensos da vida diária de qualquer pessoa no mundo, de qualquer cultura ou civilização, mesmo num país teocrata como o Irã, onde essa burocracia pode ser muito mais opressora.

Enquanto que na maioria dos filmes americanos e, até mesmo, nas telenovelas brasileiras, os personagens são divididos entre bons e maus. No filme de Farhadi isso não acontece, pois seus personagens são complexos como a maioria das pessoas. Ninguém é absolutamente mau ou bom. E Farhadi consegue passar muito bem a dualidade de sentimentos e os “acidentes” da vida que nos condiciona a fazer escolhas erradas, de mentir, não só para livrar nós mesmos de alguma complicação, mas para proteger aqueles que dependem de nós.

O casal Simin (Leila Hatami) e Nader (Peyman Moadi) está se separando, e os motivos são dados logo na primeira cena, diante do juiz (que pode ser nós mesmos, pois eles estão diante da câmera e somos nós que, afinal, julgamos quem dos dois está certo, embora não exista uma resposta definitiva para isto). Ela explica que levou muito tempo para conseguir permissão para sair do país, e deixa claro que queria ir com o marido e a filha. Entretanto, o marido se recursa em ir por não querer abandonar o pai com Alzheimer. Depois de explicar desta forma a situação, o filme introduz outros personagens, incluído a diarista que será a pivô de uma nova e inesperada crise que une, de forma trágica e conflitante, as duas famílias, em idas e vindas a delegacia.

É impossível escolhermos um lado quando vemos que todos foram levados por uma situação acima do seu controle. Envoltos numa frieza burocrática que está sempre ameaçando com um desfecho incerto. E, igualmente envolto num tipo de “burocracia emocional”, está o casal Simin  e Nader. Este se permitindo apenas um ou em dois momentos demonstrar seu desespero (um deles quando chora sobre o ombro do pai enquanto dar banho neste), e, em apenas um momento, através de um único olhar, a raríssima demonstração de que ainda ama Simin, olhar este que parece passar despercebido por ela. Durante a maior parte do tempo ele mantém uma incorruptível frieza que sua mulher não consegue romper, mesmo que em dado momento ela ainda espere, como que por um milagre, ver nele algo que denuncie seu amor reprimido. Como numa cena em que vemos o casal dividido por um vidro. Ele, contido, apesar de estar apreensivo na espera pela decisão da filha; ela, sentada do outro lado do corredor, levanta a cabeça algumas vezes esperando ver algo dele. Como se esperasse dele alguma demonstração que a fizesse desistir da separação. E entre tudo isso, ainda está a filha que parece levar nos ombros todo o peso da situação, chegando ao ponto do pai lhe pedir o absurdo de que ela decida se ele deve ou não mentir no tribunal. Mostrando, dessa forma, decisões que caem pesadas demais sobre a filha, como a de ter também que escolher com qual dos dois ela quer morar.

O filme é construído registrando as sutilezas desses conflitos emocionais, por isso não é por acaso que a câmera de Farhadi sempre estar próxima aos personagens, quase nunca enquadrando planos gerais. O ambiente é sempre opressor. Quase sempre barulhento (é a rua, a delegacia, a escola, a casa). Todos estão no limite. Por isso, não é muito difícil compreender a perda de controle de Nader contra a diarista, nem a perda de controle do marido desta, o esquentado Hodjat (Hosseini). Ambos estão no seu limite por causa de circunstâncias diferentes.

Mostrando essas dualidades que vão além da simples dualidade entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, o diretor Farhadi expõem um mundo muito próximo da nossa própria realidade, onde as pequenas coisas tomam proporções insuportáveis. Onde vidas são acorrentadas a uma frieza burocrática onipresente no cotidiano que faz com que a felicidade pareça algo proibido. Um filme que mostra o quanto somos levados a tomar decisões equivocadas, principalmente quando nos sentimos obrigados a decidir quem está certo ou quem está errado.

 

 

Título original: odaeiye Nader az Simin (Irã , 2010 – 123 minutos)

Direção: Asghar Farhadi

Roteiro: Asghar Farhadi

Elenco: Peyman Moadi, Leila Hatami, Sareh Bayat, Shahab Hosseini

Mario Rasec

Designer gráfico, artista visual, ilustrador e roteirista de HQs. Autor de Os Black (quadrinho de humor) e de outras publicações.

One Response

  1. Dinix11 disse:

    Sobre a complexidade dos personagens, Farhadi parece ter muita influencia de Sam Peckinpah, que sempre procurou explorar a questão maniqueísta entre o bem e o mal.  Em seus filmes, geralmente, todos os personagens são párias, com motivação e moral intercambiáveis, de acordo com a situação. Isso traz a história para uma perspectiva humanística bem mais evidente. 

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