Rio Grande do Norte, terça-feira, 07 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 13 de abril de 2012

Shame

Um solitário e frio viciado em sexo tem seu cotidiano abalado com a chegada da irmã.

postado por Mario Rasec

A palavra “sexo” neste filme não remete ao significado de prazer que estamos acostumados. Assim como um viciado em qualquer droga, o personagem do talentoso Michael Fassbender (o Magneto de X-Men: first class) tem uma vida que precisa ser preenchida constantemente com a fonte do seu vício: o sexo. Sem envolvimento emocional, ele busca uma satisfação que parece nunca alcançar com diárias masturbações no banheiro do trabalho ou em casa, com prostitutas, sites pornôs etc. Mas, para alguém bem-sucedido, com um bom apartamento e bom relacionamento no trabalho, principalmente com seu amigo e chefe, sua vida parece ser adequada para ele. Esta rotina de sexo e não envolvimento emocional é deixada clara nos primeiros minutos do filme numa sequência que mostra o protagonista sair do quarto depois de uma transa com uma prostituta, ligar a secretária eletrônica para ouvirmos a voz de alguém que ele ignora enquanto toma banho. Cena repetida para acentuar a imagem da sua rotina, assim como os planos que revelam um apartamento vazio e asséptico, livre de todo germe de relações humanas mais intensas. É então que sua emotiva irmã entra em cena e perturba a normalidade da vida solitária e viciada de Brandon.
Sissy (Carey Mulligan) é o inverso de Brandon. É emotiva, não tem a mesma estabilidade financeira do irmão, mas, de outra forma, parece também não saber lidar com os outros. Enquanto Brandon procura evitar os outros, a não ser que seja apenas para satisfazer seu vício, Sissy olha nos olhos em busca daquilo que assusta tanto o irmão. Em dado momento vemos que Brandon não parece ser bom conquistador, como poderíamos achar que fosse, seu olhar é frio, não responde a um sorriso, é melancólico e tem apenas um objetivo: “foder” com a mulher que está olhando para ele. Não como uma mulher, mas apenas como a substância que ele deve consumir todos os dias para tentar preencher o vazio que algo no passado lhe causou. E este passado também afetou sua irmã de outra maneira. Ambos são vítimas de uma origem terrível que o roteiro faz questão de não esmiuçar, faz questão de não trazer à tona o motivo que os deixou tão incapacitados em lidar com seus próprios sentimentos. Sentimentos estes ora demasiadamente expostos por um, ora negados por outro.


Entretanto, como havia dito, sua irmã “bagunça” com sua vida, com sua confortável solidão, pois faz emergir dele uma necessidade afetiva que ele parece ter lutado tanto para manter silenciosa, afetos silenciados pelos gemidos das prostitutas e por todo um acervo pornográfico que daria inveja a qualquer garoto em plena puberdade. Em dado momento, enquanto sua irmã canta no palco de um bar, o diretor faz questão de estender essa cena para vermos que a emocional interpretação da sua irmã, enquanto parece atingir a todos de uma maneira agradável, parece causar dores no personagem de Fassbender. O primeiro plano no seu rosto denuncia a força que ele parece estar fazendo para não se deixar tocar pela emoção que sua irmã provoca com seu canto. Desta forma, a câmera ora foca no rosto dele, ora se aproxima do rosto dela mostrando assim o contraste de alguém que tenta a todo custo represar seus sentimentos, enquanto que a outra sofre por fazer justamente o inverso.

A trilha sonora é outro ponto essencial do filme. Bem equilibrada, ela dá o tom melancólico do drama do protagonista. E por falar nele, Michael Fassbender surpreende com uma interpretação de um homem atormentado pelo medo de se relacionar afetivamente com alguém.
Particularmente, não gosto desses filmes americanos que tentam passar a ideia de que uma vida solitária, mas com muito sexo, seja algo ruim. Às vezes, o cinema americano tentar nos fazer engolir o velho discurso cristão de um sexo com propósito além do simples prazer. Seja este propósito a futura formação de uma família ou o sexo com amor, como se sem uma coisa ou outra ele fosse algo doentio. No entanto, vejo Shame (Vergonha, em português) como algo além disso. Uma obra cinematográfica que mostra o quanto a emoção pode ser algo muito difícil de lidar, ao ponto de parecer melhor tentar colecionar efêmeros prazeres do que se arriscar num relacionamento afetivo que pode trazer muita dor. Mas, o que talvez Shame queira nos dizer, é que a dor sempre estará lá, ou melhor, dentro de nós, só esperando o momento de vir à tona. Por mais que possamos fingir que está tudo bem, por mais que tentemos afastar aquela pessoa que, assim como Sissy, queira se aproximar de nós de tal forma que sua ausência seria insuportável. Por isso, não é necessário que o filme chegue a uma resposta do que teria acontecido no passado deles para que o seu estado emocional pareça tão desequilibrado. Embora este hiato possa talvez incomodar algum espectador que exija um happy end, ou que simplesmente pergunta sobre o destino dos personagens depois de assistir um filme com final ambíguo, livre para interpretações, num filme que já disse tudo o que desejava dizer, e não há mais necessidade de nenhuma palavra.
Shame não me parece ser um filme que condena o sexo, apesar de mostrá-lo de uma forma que exclui toda a ideia de prazer nos planos que focam uma certa angústia do seu protagonista durante o ato, mas um filme que mostra o desgaste de um homem que foi levado a encarar sua deficiência emocional apesar de todos os corpos nus que ele usou para tentar esconder tal deficiência.

Ficha técnica:
Título: Shame (EUA , 2011 – 101 min.)
Direção: Steve McQueen
Roteiro: Abi Morgan, Steve McQueen
Elenco: Michael Fassbender, Carey Mulligan, James Badge Dale, Nicole Beharie, Alex Manette, Robert Montano

Mario Rasec

Designer gráfico, artista visual, ilustrador e roteirista de HQs. Autor de Os Black (quadrinho de humor) e de outras publicações.

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