Rio Grande do Norte, quinta-feira, 02 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 22 de abril de 2012

Webfolhetim – Johana (parte 3)

Caso ela tente atacá-los, gritem o mais alto que puderem e que Deus esteja com vocês.

postado por Carta Potiguar

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Como visto antes em Johana:

Johana (Iórrana) descontrola-se diante da imprensa que veio, pela primeira vez mostrá-la para o mundo. Aterrorizados, a cúpula do

Imagem: mermay19

Centro de pesquisas aonde ela estava internada resolve finalizá-la, mas descobrem que não há mais tempo para isso, para nenhum deles.

 

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_ … ela… ela está à solta no prédio…? _diz Mark, de pé, para os poucos colegas que restaram._ Mas por algum motivo estamos vivos e, Deus… eu não sei o que se passa na cabecinha dela…_ Há um misto de ternura e pavor em sua voz.
_ Acredito que ela esteja desacordada. _interfere Jacob Robbins_ Se for isso – e eu espero que seja – temos que achá-la o quanto antes, se quisermos viver ou pelo menos continuar sendo capazes de vestir nossas próprias cuecas.

Jacob olha em redor, procurando alguém que risse da piada. Isso não aconteceu, e ele baixou a cabeça, constrangido. Ignorando a fala do irmão, Mark observa os colegas restantes, quatro ao todo: Dr. Ramos, Dra. Gouveia, Pat Morita e Dra. Hayes. Mark Robbins se decepciona ao ver aquelas caras apavoradas, abatidas, e lamenta pelos vários colegas mortos.

_ Senhores, _ diz, tentando manter-se frio _ a situação é grave. Johana tem que ser encontrada, antes que… antes…

Um silêncio inquietante se fez na sala. Eles sempre souberam com o que estava lidando. Ao que constava, o “projeto Johana” era uma “obra” financiada por uma empresa privada, com o fim de revolucionar a justiça, visto que uma vez contemplado o que havia na memória do réu, não haveria contra-provas. O fato é que todos naquela sala sabiam que o tal “projeto” fora financiado pelos militares a fim de se criar a “arma perfeita”, mais poderosa do que qualquer bomba atômica e sem efeitos ao meio ambiente. Johana, se corrompida, poderia fazer o que quiser, ser o que quiser, bastava ela pensar nisso. Todos agora encaram Mark Robbins como se ele fosse seu salvador, visto que o idealizador daquilo tudo era ele. Mark Robbins, o tímido psicólogo, treme por debaixo do jaleco. Mas ele é o líder, esperam suas ordens. E tentando fingir confiança, ordena:

_ Vamos nos dividir em pares: Dr. Ramos/ Dra Gouveia: terceiro andar, Morita/ Dra Hayes vão para o segundo andar e eu vou com meu irmão para o térreo. Não adianta procurar por roupas especiais; elas não adiantam. Levem os sedativos para quando achá-la e tragam-na pra cá VIVA. Caso ela tente atacá-los, gritem o mais alto que puderem e que Deus esteja com vocês.

 

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Dr. Ramos: Brasileiro, solteiro. O membro mais jovem e mais problemático da equipe. Ele foi Indicado por um dos patrocinadores do projeto a, juntamente com os outros cinco colegas vivos, liderar o projeto Johana. Psiquiatra progressista, sempre teve problemas com os professores do doutorado. No Centro, abusava do status de celebridade instantânea e promovia orgias e bebedeiras, sempre sob suspeitas de usar as verbas do Centro, além de vender informações sigilosas à imprensa.

Jorge Ramos urina.

Há meia hora Dr Ramos e Dra Gouveia foram indicados a procurar Johana no terceiro andar do prédio, aonde encontraram muitos, muitos corpos; Pessoas com feições impossíveis de se descrever e suas bocas arreganhadas, olhos revirados, posições corporais de feto, de criaturas não-terrenas.

Maria Gouveia veio de Caracas a pedido do dr. Robbins devido aos seus artigos e livros sobre psicologia infantil, dentre eles os best-sellers “Bullying nas escolas e a cultura de massa” e “porque as crianças entram na escola com uma metralhadora”. Durante os oito anos trabalhando para o Centro conseguiu vários progressos na manutenção do condicionamento de Johana.

Mictório masculino. De dentro, Dr. Ramos tenta manter um diálogo com a Dra Gouveia:

_ Dra, não consigo entender porque a menina só deixou a gente vivo… Olhe em redor, estão todos mortos!
_ Eu não sei, Ramos!_ grita Dra Gouveia, do lado de fora._ E também não me interessa. Vamos achar logo essa meninaegaga!
_ hã!?

***
Uma menina de cabelos castanhos está sentada numa cama. Seu olhar anda pelas paredes com uma fúria contida, como alguém que odeia profundamente uma pessoa já morta. A cama curva-se, resistindo à uma eterna briga entre ela e aquele ser arredondado. Maria era gorda. Muito gorda. Uma menina de 1,54 e 93 quilos não pode passar por entre uma fila de cadeiras no cinema sem ficar constrangida. Ela olha para si mesma
e o nojo
está
de volta.

Sala-de-aula da escola Rainha Victória, Caracas. Dentro, a turma da 5ª série de 1978 assistindo à aula de matemática. Não se precisa fazer muito esforço para achar Maria Gouveia, na terceira fila, cadeira quatro. Ela sente alguém bater em seu ombro e sussurrar, em espanhol:

_ Maria, afasta um pouco pra esquerda? Não consigo ver…
_ ahn? Tá…

Maria vira o gigantesco corpo para a esquerda. Como a menina pediu com delicadeza, ela sente uma felicidade indescritível, sentiu-se como o sapo da estória, que virou gente. Maria passou a amar a menina que sentava atrás.

Mas Ramon viu tudo.

_ Maria sua gorda, cê devia de sentá lá traiz, os povo num conseguem nem vê o fessor, balofa!
_ como é, seu imbecil!?
_ Maria Gouveia! COMPORTE-SE!!_ gritou o professor, ao ouvir os xingamentos.
_ foi a baleia, pssor! Ela tapa a visão de todo mundo com suas banhas!

Maria resmunga algumas palavras e levanta, afim de esmurrar seu colega. No entanto, um barulho de pano rasgando a faz parar. Ela está nua, desnuda na frente de todos. As pelancas que ela pensou certo dia em tirar com uma faca estão todas à mostra. As risadas, as eternas risadas inundavam sua mente, seu ser, sua vida. Maria tapa os ouvidos, gira, nua, nua, o professor ri.
***

_ Dra Gouveia? _ Jorge Ramos, saindo do banheiro, tentando entender aquela gorda se batendo na parede.

Ela o vê. Um menino de onze anos apontando o indicador e tapando boca com a outra mão. Jorge tapa a boca porque Maria não parece gente, Maria é um ser involuído, um símio, um ser inconsciente, Maria é o próprio inconsciente, um demônio cheio de braços! _MARIA?!_, Jorge sente suas pernas balançando no nada e toda a realidade avermelhando.

Maria esmaga a cabeça de Ramon na parede e observa seus miolos, sorrindo. Segundos depois o que resta da Dra Gouveia pula janela afora, em busca da paz.

 

Carta Potiguar

Conselho Editorial

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