Por Eduardo Moura
O webfolhetim “Marginal” está dividido em três partes e será publicado semanalmente.
PARTE I
O Macarrão é burro pra cacete, mas tem disposição. Tenho que reconhecer. Um sujeito tem que ter disposição. Só que ele é realmente burro. Quando a gente se reencontrou ele já tinha feito tanta burrada que resolveu andar na linha de novo.
– Tô fora dessa vida. Arrumei um trabalho de zelador. Quinhentos contos. Mas é o preço da minha consciência limpa.
Ele veio com esse papinho de consciência limpa porque sabia que eu ia dizer que consciência limpa é a puta que te pariu.
– Consciência limpa é a puta que te pariu, Macarrão.
Eu disse.
– Você tá nessa de bom moço porque ninguém quer te arrumar trabalho.
Arrematei.
– E com razão. Porra. Tu lembra por que tava na cadeia?
– Assalto à mão armada.
Ele veio com esse papinho de assalto à mão armada porque sabia que eu ia dizer que assalto à mão armada é a puta que te pariu.
– Assalto à mão armada é a puta que te pariu, Macarrão.
Eu disse.
– Você bateu a carteira de um policial. Quando ele te segurou pelo pescoço você sacou um trinta e oito de brinquedo.
Arrematei. Ele argumentou:
– Como você sabe que era de brinquedo?
– Porra, Macarrão. Teu revólver era vermelho, de plástico e com um adesivo da Estrela.
O Macarrão é burro pra cacete, mas tem disposição. Tenho que reconhecer.
– Me fala desse emprego de zelador que tu arrumou.
– Prédio de bacana, com carteira assinada e tudo. Meu primo que me arrumou. Ele veio do Ceará, trabalhou lá dois anos, mas saiu agora porque passou no processo das Casas Bahia. O salário é melhorzinho e tem plano de saúde, cobre até dentista.
Ele estava implorando por um trabalho, mas eu não sou idiota de colocar o Macarrão pra trabalhar, a não ser que o negócio esteja redondinho.
– E teu primo tem dente?
– Tem.
– Tem mesmo?
– Tem, ué.
– Onde que é o prédio?
– No Leblon.
Gosto quando o trabalho é perto de casa. Trabalhar perto de casa é qualidade de vida.
– Vem cá, esse teu primo com dente não comia nenhuma coroa desse prédio?
– Comia não.
– Teu primo é viado?
– Não, pô! Tem viado na minha família não! É tudo cearense.
– Se ele tinha até dente, porque é que não comia nenhuma coroa do prédio? Lá deve estar cheio dessas velhas escrotas cheias de dinheiro que não dão pra ninguém há vinte anos.
– Meu primo tem mulher e filho lá no Ceará!
– Sei.
Também tenho. Mas não vou contar isso pro Macarrão. No Ceará ou no Rio Grande do Norte, sei lá. Foda-se.
– Foda-se. São quantos apartamentos?
– Quatro andares. Dois por andar.
Eu podia torturar o Macarrão, obrigar ele a fazer conta. Mas não.
– É prédio de bacana mesmo, então.
– Tô te falando!
– Tem garagem?
– Claro, pô.
– Todo mundo tem carro?
– Mais ou menos.
Puta que pariu.
– Porra, Macarrão. Como é que é mais ou menos? Ou tem ou não tem.
– Tem um coroa lá que tem um Opala enguiçado. Há anos que não tira da garagem.
– Entendi. Anota meu telefone. Amanhã você me liga e me passa quais são os carros, de que cor é cada um e as placas.
– Eu te falo agora. Tem um Captiva azul, tem um…
– Anota essa porra, Macarrão. Anota e me passa sem pressa, só quando você tiver certeza. Se você me passar errado a gente pode acabar na cadeia.
– Deus me livre.
Deus nos livre. Prefiro morrer. Antes de ser preso, me mato.