Rio Grande do Norte, quinta-feira, 02 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 5 de maio de 2012

Webfolhetim: Marginal

Deus nos livre. Prefiro morrer. Antes de ser preso, me mato.

postado por Carta Potiguar

Por Eduardo Moura

O webfolhetim “Marginal” está  dividido em três partes e será publicado semanalmente.

PARTE I

O Macarrão é burro pra cacete, mas tem disposição. Tenho que reconhecer. Um sujeito tem que ter disposição. Só que ele é realmente burro. Quando a gente se reencontrou ele já tinha feito tanta burrada que resolveu andar na linha de novo.

– Tô fora dessa vida. Arrumei um trabalho de zelador. Quinhentos contos. Mas é o preço da minha consciência limpa.

Ele veio com esse papinho de consciência limpa porque sabia que eu ia dizer que consciência limpa é a puta que te pariu.

Imagem: puuikibeach

– Consciência limpa é a puta que te pariu, Macarrão.

Eu disse.

– Você tá nessa de bom moço porque ninguém quer te arrumar trabalho.

Arrematei.

– E com razão. Porra. Tu lembra por que tava na cadeia?

– Assalto à mão armada.

Ele veio com esse papinho de assalto à mão armada porque sabia que eu ia dizer que assalto à mão armada é a puta que te pariu.

– Assalto à mão armada é a puta que te pariu, Macarrão.

Eu disse.

– Você bateu a carteira de um policial. Quando ele te segurou pelo pescoço você sacou um trinta e oito de brinquedo.

Arrematei. Ele argumentou:

– Como você sabe que era de brinquedo?

– Porra, Macarrão. Teu revólver era vermelho, de plástico e com um adesivo da Estrela.

O Macarrão é burro pra cacete, mas tem disposição. Tenho que reconhecer.

– Me fala desse emprego de zelador que tu arrumou.

– Prédio de bacana, com carteira assinada e tudo. Meu primo que me arrumou. Ele veio do Ceará, trabalhou lá dois anos, mas saiu agora porque passou no processo das Casas Bahia. O salário é melhorzinho e tem plano de saúde, cobre até dentista.

Ele estava implorando por um trabalho, mas eu não sou idiota de colocar o Macarrão pra trabalhar, a não ser que o negócio esteja redondinho.

– E teu primo tem dente?

– Tem.

– Tem mesmo?

– Tem, ué.

– Onde que é o prédio?

– No Leblon.

Gosto quando o trabalho é perto de casa. Trabalhar perto de casa é qualidade de vida.

– Vem cá, esse teu primo com dente não comia nenhuma coroa desse prédio?

– Comia não.

– Teu primo é viado?

– Não, pô! Tem viado na minha família não! É tudo cearense.

– Se ele tinha até dente, porque é que não comia nenhuma coroa do prédio? Lá deve estar cheio dessas velhas escrotas cheias de dinheiro que não dão pra ninguém há vinte anos.

– Meu primo tem mulher e filho lá no Ceará!

– Sei.

Também tenho. Mas não vou contar isso pro Macarrão. No Ceará ou no Rio Grande do Norte, sei lá. Foda-se.

– Foda-se. São quantos apartamentos?

– Quatro andares. Dois por andar.

Eu podia torturar o Macarrão, obrigar ele a fazer conta. Mas não.

– É prédio de bacana mesmo, então.

– Tô te falando!

– Tem garagem?

– Claro, pô.

– Todo mundo tem carro?

– Mais ou menos.

Puta que pariu.

– Porra, Macarrão. Como é que é mais ou menos? Ou tem ou não tem.

– Tem um coroa lá que tem um Opala enguiçado. Há anos que não tira da garagem.

– Entendi. Anota meu telefone. Amanhã você me liga e me passa quais são os carros, de que cor é cada um e as placas.

– Eu te falo agora. Tem um Captiva azul, tem um…

– Anota essa porra, Macarrão. Anota e me passa sem pressa, só quando você tiver certeza. Se você me passar errado a gente pode acabar na cadeia.

– Deus me livre.

Deus nos livre. Prefiro morrer. Antes de ser preso, me mato.

Carta Potiguar

Conselho Editorial

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