Rio Grande do Norte, sexta-feira, 03 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 23 de maio de 2012

O silêncio autoritário: a diretoria da ADURN e a greve nas universidades

postado por Carta Potiguar

Por Alipio de Sousa Filho

(Sociólogo e Professor do Dep. de Ciências Sociais-UFRN)

Não são poucos os meus colegas da UFRN que conhecem meus posicionamentos críticos, apresentados em artigos e debates, com relação a greves nas universidades. Continuo igualmente crítico desse instrumento de luta e não o vejo como necessariamente o melhor, o mais eficaz, embora, em anos de lutas, não tenhamos sido capazes de produzir algo superior em seu lugar.

Todavia, com ou sem concordância com a proposta de greve, não passa despercebida de ninguém a natureza autoritária e antidemocrática da atitude da atual diretoria da ADURN, ao deixar de convocar assembleia de professores da UFRN para discutir e deliberar sobre proposta de greve que já é realidade em mais de 40 universidades e institutos federais de ensino. Mas há algo pior nessa atitude da direção da ADURN: não apenas deixa de convocar o único fórum legítimo da categoria para deliberar sobre assunto de tamanha importância, arvora-se a falar pela categoria sem consultá-la, sem ouvi-la. De modo autoritário, constrói o silêncio da categoria e assume sua representação político-pública sem o menor constrangimento, num profundo desrespeito às vozes caladas (não de um pequeno grupo, mas da categoria inteira). Como ventríloquos do absurdo, extraem, do silêncio imposto aos outros, falas que não podem ser senão a criação fantasiosa e autoritária dos que, negando a palavra, inventam seus próprios discursos para justificar a ausência antidemocrática de assembleias e debates na UFRN, que deveriam discutir a proposta de greve e as reivindicações colocadas neste momento, não apenas do interesse dos professores mas do interesse público geral.

Desfiliei-me da ADURN em 2005, mas minha desfiliação nunca representou desinteresse pelos assuntos envolvendo a categoria dos professores universitários, nossas reivindicações, nossas lutas por uma universidade melhor. Aliás, desfiliação da entidade não constitui critério para medir nossa relação com os assuntos de interesse da categoria. Nem mesmo é motivo para, na história de qualquer um, impedir o reingresso na entidade e virar seu diretor (como temos casos).

Nos últimos anos, certas correntes do movimento docente até tentaram passar a ideia que “negociações positivas” com o governo federal seriam alternativas concretas ao instrumento da greve. De fato, olhando bem as coisas, não se tratou exatamente da formulação autêntica de um novo conceito no movimento, mas muito mais a adoção de posição política atrelada ao posicionamento dessas correntes com respeito aos governos do país nos mesmos últimos anos. Governos pelos quais essas correntes nutriam verdadeira paixão política, perdendo toda capacidade de crítica (ou talvez mais exatamente: evitando, manipuladoramente, toda crítica). Com a construção dessa posição política, deixou-se de fortalecer o movimento e suas entidades para se seguir equivocada orientação, que apenas serviu à desmobilização que se pode ver agora, ao menos aqui na UFRN. Por sorte, e por força dos que não se deixaram conduzir pela paixão governista (poder-se-ia também chamar peleguismo), a categoria volta a se mobilizar na maior parte das universidades.

A greve que agora se levanta nas universidades reivindica a regulamentação do plano de carreiras e salários, a reestruturação da carreira e a valorização do professor universitário. Essas reivindicações não podem deixar indiferentes aqueles que devem ser seus principais interessados, e não por “interesse econômico mesquinho” – como percepções do senso comum apreendem as lutas –, mas porque constituem medidas de estruturação de uma das mais importantes carreiras na sociedade, a de professor universitário. Está em nossas mãos a formação de um imenso contingente de profissões úteis à sociedade; boa parte destas formada na orientação crítica que visa transformar essa mesma sociedade. É zelo por essa atividade lutar para que ela seja melhor remunerada e que tenha estrutura de carreira que represente sua valorização. Um entendimento, claro, que só ocorre àqueles que, de fato, se ocupam do ensino e da pesquisa de maneira autêntica e responsável. Outros há que, desinteressados dessas ocupações, sequer pensam na valorização de nossas funções e carreira, embora não cessem sua atuação político-partidária no interior da universidade.

Uma entidade sindical que orienta a categoria de professores universitários a se desinteressar por sua carreira e seus salários, desorienta-a quanto ao interesse pela própria universidade, esta que se situa para além do Estado e de governos do momento. Por definição, a universidade é um ente que deve gozar da liberdade de não se ver atrelada a nenhum governo, a nenhuma facção político-partidária. Para poder sobreviver como espaço autônomo de saber, a universidade não pode permitir outra relação com a política e com governos que não seja a de exigir que políticos e governos admitam e protejam sua liberdade. Uma direção sindical que, por posicionamentos políticos partidários, inviabiliza o debate, a reflexão e a luta da categoria de professores impede não apenas essa categoria de lutar, ela também inviabiliza a liberdade que protege a universidade como ente da pesquisa e do conhecimento autônomos, do debate livre e democrático.

A luta pela reestruturação da carreira docente universitária, seu plano de cargos e salários e pela valorização do professor é solidária da construção e manutenção da independência e liberdade políticas imprescindíveis à universidade.

Carta Potiguar

Conselho Editorial

5 Responses

  1. andrea linhares disse:

    UNIVERSIDADE OU SUCURSAL?

    Excelente artigo. Finalmente este blog, sempre atento a  tudo que se passa na UFRN, deu voz ao silêncio sobre a greve nas IFES e a posição oficial da UFRN, ou melhor, da instância representativa da categoria docente. Fiquei realmente intrigada para saber se o conjunto da categoria estava em acordo com as posições veiculadas pela sua associação. Curiosa também diante do fato de nenhum meio de comunicação no estado ter dado maior ênfase à questão. Se ocorresse tal silêncio com relação a uma greve da UERN, por exemplo, certamente a engajada blogosfera já estaria atacando “nossa mídia local cooptada pelas elites”. Pelo visto além de supostamente cooptada mostra-se também pouco competente ao não explorar o fato. Já havia enviado a esse blog, desde semana passada, uma sugestão de artigo sobre a posição da UFRN diante dessa greve. Se a proposta do blog é ser um espaço crítico, gostaria de saber se o compromisso com a crítica é seletivo.
    Oportuno seu artigo, professor Alípio, suscita debates interessantes. 

  2. Dennyslucas13 disse:

    1 – Lá vem aquele debate ‘fraco das idéias’ contra partidos.
    Vale lembrar o que o pensamento seletivo esquece, e a filiação enrustida propõe,
    o ataque a uma agremiação que não é só política partidária, mas que também é
    permeada de reflexões e proposições ao melhor dos pensamentos. A Adurn é colocada
    como governista e se tenta fazer crer que o Andes chamou a greve, antes do fim
    das negociações, sem considerar sua direção ao PSoL e PSTU, e desconsidera
    seletivamente o avanço nas negociações conforme nota da Adurn recente em
    contraponto às notas críticas da própria Adurn ao governo em ações anteriores,
    paciência! Cabe reflexão sobre as filiações do professor, que são legítimas, e
    que não precisam de carteirinha, mas não superiores as de qualquer um daqueles
    que estão na Adurn, e são bem poucos;

     

    2 – Ocorreu consulta eleitoral a base da categoria, em que
    os defensores da greve antes do fim das negociações não conseguiram ou não
    quiseram concorrer, ainda assim fizeram campanha pelo voto nulo e não tiveram
    3%;

     

    3 – Acusa a gestão eleita de não representar a categoria e
    se coloca como representante de toda a categoria, entretanto, nem no seu Centro
    ou Departamento consegue ser representativo. Quem pode falar melhor pela
    categoria, sujeitos reprovados em consultas recentes ou a gestão eleita? Quem é
    mais representativo para tirar a estratégia de convocação da categoria? Se a
    oposição tem esta representatividade que a convoque, ora bolas!

     

    4 – Categorias mais ‘responsáveis’ que o Andes, inclusive a
    Adurn não pertence mais ao Andes por decisão recente da categoria, colocaram
    seus indicativos para após o dia 11/06, esperando o fim das negociações ao
    final deste mês e com tempo hábil para a devida mobilização;

     

    5 – Acredito que não está excluída a possibilidade de greve na UFRN,
    entretanto, parece que não será convocada antes de encerrada a negociação e com
    propostas na mão para apresentar a toda a categoria, e com elas na mão, possam ter embasamento
    para tomar qualquer decisão.

     

    P.s.: Quem se coloca como libertário, muitas vezes é
    travestido de ações autoritárias e não colaborativas para o diálogo, não
    considera a realidade e toma ações por vontades, e não por condições objetivas
    claras.

     

    Dennys Lucas

    Filiado ao PT

    Curioso da política dentro da UFRN!

  3. andrea linhares disse:

    Dennys Lucas,
    Embora sua resposta pareça mais pessoal do que propriamente contra argumentativa,

    até onde seu  comentário se refere ao meu comentário, gostaria de dizer apenas que não me posiciono contra partidos políticos, tampouco sou filiada, formal ou enrustidamente a nenhum partido, especialmente ao PT, como creio parecer óbvio pela minha abordagem. Minha crítica refere-se especialmente ao silêncio desse espaço sobre um proceesso político de disputas que sequer foi mencionado num blog que discute a vida acadêmica na UFRN sob vários aspectos. A posição da  UFRN com relação à greve inclui tratar das disposiçoes e motivações políticas e pessoais da categoria, inevitavelmente.
    Sem dúvida nesse sentido as posiçoes defendidas no artigo do professor Alípio dão dicas importantes para a compreensão dos fatos. Nesse mesmo sentido sua posição  foi também bastante esclarecedora.rs. De minha parte, é isso.
    Sem mais,
    Andrea Linhares
      

  4. andrea linhares disse:

     obs: observo que a expressão “esclarecedor, rs”  saiu em vermelho, não sei o que houve  mas não foi grafado nesse tom por mim.
    Andrea L.

  5. Dennyslucas13 disse:

    Andrea,

    Nada do que eu falei foi endereçada a você, mas ao texto do Professor Alípio!

    Só mais um exemplo, a Fasubra, que temos maioria relativa, chamou ‘indicativo’ de greve, diferente de ‘deflagração’ de greve, para o dia 11/06, logo terão o templo de reflexão e apresentação dos resultados concretos da mesa de negociação, além de tempo para a mobilização e debate com base dos servidores técnico-administrativos. Isto é ‘responsabilidade’ política.

    Dennys Lucas

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