Rio Grande do Norte, quarta-feira, 01 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 11 de junho de 2012

O Rio Grande do Norte e o Território da Energia

postado por Carta Potiguar

Por Ângelo Magalhães Silva

Professor de sociologia da Universidade Federal Rural do Semiárido – UFERSA

Coordenador do GEDEV – Grupo de estudos sobre Desenvolvimento e Violência.

angelomagalhaes@ufersa.edu.br

 

A diversificada e controversa cena acadêmica se intensificou a partir de 2000, em grande medida, motivada pelo “novo” foco da produção científica sobre o desenvolvimento econômico e regional. No Brasil, já nos anos 1990, pesquisadores, iniciantes e veteranos, acreditavam empoderar teoricamente seus trabalhos ao aditivarem a este tema conceitos como sustentabilidade, inovação e governancy. Propositadamente ou não isto foi retomado na década posterior, e especialmente agora no cenário da Rio + 20. Seja para a questão urbana, rural ou metropolitana, estes conceitos tornaram-se quase um “clichê”. Esta tendência intelectual parece ter se eximido da reflexão acerca dos sentidos que pautam um sério projeto de desenvolvimento, especialmente quando o ritmo da economia nacional opera desconectada de um plano nacional nesse sentido, e aposta, mesmo frente à crise, em programas de crescimento setoriais, definidores da agenda governamental para dentro e fora do país. Isto revela, ainda, uma fuga analítica acerca do retono do falso progresso e dependência já a vista, e que este tipo de regulacionismo gera historicamente numa economia capitalista como a nossa, além de seus possíveis efeitos nefastos naquelas cidades nordestinas em que a relação desenvolvimento, território e novas estruturas produtivas se restabelecem.

Mas a criatividade e o rigor metodológico da “nova cena” sobre o desenvolvimento econômico e regional não se fortalece por incluir a sustentabilidade ou a economia verde, limpa e criativa na agenda, mas pelo resgate da conhecida estrutura binária território e energia. Obviamente, não há desenvolvimento, capitalismo ou qualquer outra forma de sociabilidade sem uma ética da responsabilidade sobre os fins do território e das fontes energéticas. A questão é que para estados como o Rio Grande do Norte há mais dúvidas que respostas quanto à forma, o sentido e futuro dessa combinação, especialmente para os municípios e litorâneos. É preciso compreender que a diversificação da estrutura produtiva, compreendida enquanto fatores econômicos tendem a conectar escalas sejam elas locais, nacionais ou globais. A compreensão recente dos rumos econômicos e sociais do RN passa pelo retorno desta conhecida e “harmoniosa” estrutura, em particular se os usos do território comprometerem famílias e indivíduos, e se os investimentos do setor eólico no estado podem conviver ou não com os outros já prospectados, especialmente para o turismo e o mercado imobiliário. Para qualquer capitalista, o bom território e a boa energia precisam fluir sem regulações estatais severas e destinar-se a um único sentido, a acumulação de capital. Quando falamos de estruturas produtivas necessitarias de território, mais com menos é que um desafio.

Nos anos 1980, o território e as estruturas produtivas foram em grande medida redefinidos pela cesta de investimentos públicos, como fora o PRODETUR, com o incentivo ao turismo, projetos urbanísticos e infraestrutura, denominados por arquitetos e urbanistas de requalificação urbana. Isso se traduziu na possibilidade, a médio prazo, de ativar um outro terciário e a comercialização de objetos imobiliários, muitos, como base as modernas e novas estruturas produtivas que se localizariam em parte do litoral do RN. Intensificava-se, ainda, uma compreensão acerca do território, necessariamente técnico e informacional e de alguns municípios litorâneos como destino das novas e modernas estruturas produtivas. Após vinte anos isto, e as imagens do prazer, do urbanismo turístico, do sol e mar, passaram a marcar a cidade de Natal e outros municípios, conjugadas à ideologia do território vocacionado às atividades como a têxtil, agropecuária, fruticultura, petróleo e sal. O fato é que alguns novos estudos sobre o desenvolvimento do RN realçam a relação do território com as fontes energéticas alternativas e renováveis, estando as “usinas eólicas” no rol dessas novas “vocações”, e alinhadas ao ritmo da escala global que se expressa no sul do Brasil, aqui e em outros estados como Ceará, Pernambuco, Bahia e Paraíba.

Esta nova cena encontra-se envolta em duas perspectivas analíticas. Uma delas compreende que a relação território e energia pode fortalecer a concorrência inter-regional fragmentando as relações econômicas entre estados do Nordeste e destes com as demais cidades do país, mas que novas estruturas produtiva, modernas ou tradicionais podem criar manchas de crescimento, gerando emprego e renda, mas que grupos empresariais só ficam em função dos incentivos públicos. Por outro, há a integração nacional, em que as novas estruturas produtivas, na qual e inserem as usinas eólicas, expressariam territorialmente um falso progresso, baixo ritmo e condições precárias de empregabilidade, dependência e o acirramento dos desequilíbrios econômicos regionais. Estas economias pobres estariam longe de um projeto nacional de desenvolvimento, e as nordestinas reproduziriam, assim, sua histórica fragilidade participando menos intensamente da produção do mercado nacional, com dinâmicas inter-regionais carentes de uma infraestrutura de distribuição veloz e integradora. Estas perspectivas contribuem para pensar o “lugar” do Rio Grande do Norte na economia nacional e também global, e em particular, os impactos da energia eólica no território do estado.

As modernas estruturas energéticas, compreendidas como complementos às matrizes tradicionais, aportam no RN com esperada atenção das elites políticas e empresariais locais. Qualquer dessas estruturas, sobretudo as destinada à produção em escala, como as usinas eólicas, necessitam de território, e para a docilidade empreendedora sem qualquer “anemofobia”, esse novo não pode ser uma simples aposta. No estado as usinas eólicas se espalham em parte do litoral, em áreas de comunidade de pescadores, fazendas e próximas a zonas de proteção ambiental, além de terras prospectadas para futuros usos turísticos. Ao que parece, no litoral do Polo Costa Branca, são os chamados Parques Eólicos e não os Parques hoteleiros que convivem com a caatinga, o xique-xique e juremas, e entre dunas de areia e sal, falésias e, claro, os fortes ventos do atlântico que os movimenta. Mas os impactos no território ainda são pouco estudados, e só podem ser compreendidos quando articulados às tradicionais atividades econômicas já presentes no estado. Os impactos aqui não se restringem as mudanças no meio ambiente, na paisagem e no cotidiano das comunidades, mas no trabalho protegido e demais fatores de implicações no todo da cadeia produtiva que a energia eólica integra. Em particular, é preciso compreender o destino dessa “mercadoria”, para além dos leilões, e compra de megawatts pelo Estado e negócios na bolsa. É preciso discutir concretamente como seus resultados se revertem aqui no RN, para além do emprego, e que integração entre escalas ela permite. Muitas dessas questões vem se revelado centrais para entender o lugar do RN na economia regional e nacional, especialmente quando sua explicação acrescenta outras dinâmicas além do petróleo e, no passado, a agropecuária, indústria de transformação e o algodão. Muitas dessas questões, algumas de ordem técnica, são novas e pouco discutidas na seara sociológica. Talvez a mais instigante reflexão resida em saber que mudanças no mercado de terras do litoral onde prospectam novas empresas do setor e o processo acumulação por despossessão se realiza. O debate apenas se inicia, e está na agenda do Grupo de Estudos sobre Desenvolvimento e Violência, da UFERSA.

Carta Potiguar

Conselho Editorial

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