Rio Grande do Norte, sábado, 04 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 5 de outubro de 2012

Eleições: Filhotismo e Renovação

postado por Gustavo Barbosa

O chamado filhotismo é prática política antiga. Fundado nas reminiscências do coronelismo clássico, trata-se do esforço dos caciques, raposas e coronéis do nosso tempo em perpetuar seu poder político por meio dos seus filhos, netos, sobrinhos e apadrinhados de toda natureza.

Valem-se do – sempre – palatável discurso da mudança, artifício retórico multiuso, particularmente atrativo aos que não almejam mudar nada. Forçam a barra ao relacioná-lo diretamente à idade e à juventude das suas crias, sempre partindo da premissa de que juventude é sinônimo de renovação – uma premissa escandalosamente falaciosa, é bom que se diga, temperada por um marketing político que certamente conseguirá alçá-los nestas eleições ao topo dos candidatos mais votados.

É impressionante como o fenômeno do filhotismo é pavorosamente forte em terras potiguares. Cito alguns nomes de jovens candidatos ao posto de vereador que agora me vem à mente: Rafael Motta, Jacó Jácome, Felipe Alves, Jonatas Moabe e Dickson Nasser Jr, todos filhos de políticos tradicionais (à exceção do Alves, sobrinho de Garibaldi), parlamentares em exercício dos seus mandatos entusiasmados no ofício de transferir à sua prole seu prestígio e influência política e eleitoral.

Quanto aos dois últimos, há um detalhe importante: são filhos de Adão Eridan e Dickson Nasser, condenados em primeira instância na Operação Impacto por corrupção passiva. Ambos assumem descaradamente a estratégia em manter ou aumentar sua força política no legislativo municipal por meio das candidaturas de seus filhos (Adão Eridan, a propósito, candidatou até a nora com esse fim). Nasser, a propósito, já conseguiu emplacar o filho mais velho na política, o deputado estadual Dibson Nasser, eleito em 2010. E ainda tem Janderrê Melo, esposa de outro impactado, o ex-boxeador Adenúbio Melo, também candidata à vereadora, ré em processos criminais de peculato e falsidade ideológica bem como em uma ação de improbidade administrativa.

A fórmula da vitória

O roteiro é sempre o mesmo: um rosto jovem atrelado ao discurso de renovação e mudança. Uma fórmula que eventualmente dá certo do ponto de vista eleitoral, a exemplo de Felipe Maia. Herdeiro direto do senador José Agripino, ícone maior do feudal coronelismo oligárquico do nosso estado, foi eleito deputado federal em 2006 com o mote “Renovação Já!”, com direito à exclamação. Hoje, está no seu segundo mandato. Só mesmo um eleitor afundado na mais pueril inocência e na mais sufocante ignorância para acreditar que um filho de um ex-prefeito biônico arenista representa alguma mudança, renovação e rompimento com as práticas conservadoras que, intrínsecas ao patrimônio político do senador demista, o colocaram exatamente onde se encontra agora.

Houve, inclusive, jovens estrategicamente colocados por seus pais/padrinhos em cargos de questionável importância funcional, como chefias e subsecretarias de viés puramente político, com o intuito exatamente de servirem de trampolim para estas eleições. É comum que, uma vez em campanha, mostrem uma grande afinidade com o modo tradicional de fazer política, vazio, apelativo, clientelista, paternalista e autocrático, baseado nos padronizados discursos do “melhorismo” e do moralismo, abstratos e sem conteúdo; tem suas “plataformas” políticas convenientemente construídas no conforto de gabinetes climatizados pelas mãos das equipes dos seus padrinhos, sem qualquer participação popular e até dos próprios candidatos.

Os “projetos” e “propostas” são genéricos e previsíveis, vez que a campanha é focada muito mais na imagem do candidato do que em qualquer outra coisa. Em todo esse esquema, sua função é apenas entrar com seu rosto e com sua juventude, já que, na maioria dos casos, sequer conseguem falar para o público ou para as câmeras. O resto do trabalho fica para os marketeiros, responsáveis por embalá-los, colocá-los à prateleira e anunciar à população a mais nova esperança da cidade.

Renovação?

Em 2008 tivemos eleitos dois vereadores abaixo dos 30 anos, Júlia Arruda e Maurício Gurgel. A primeira demonstrou certa personalidade política, resistindo ao sedutor canto das benesses e regalias governistas que acabou por cooptar muitos dos parlamentares – a exemplo do próprio Maurício Gurgel – tais quais seus companheiros de partido, Franklin Capistrano, Júlio Protásio e Adenúbio Melo, que naquele momento descambaram para o lado verde da força. O segundo, por sua vez, fez uma legislatura patética, consolidando apenas a tradicional inépcia dos nossos legisladores municipais. Pudera, o que esperar de um vereador que, de todas as inúmeras possibilidades que a atividade legiferante lhe concede no sentido de incutir na sociedade as transformações estruturais de que necessita, resolve elaborar uma lei para garantir a implantação de banheiros em agências bancárias? E o que dizer se o sujeito enche a cidade de outdoors para publicizar essa “importantíssima” conquista? Com certeza, a vida na cidade não vem sendo a mesma após a sanção de uma lei com esta amplitude e incidência nas draconianas mazelas da sociedade natalense, que pode agora fazer o seu xixi antes de tirar seu extrato.

Diante dos abusos de poder econômico e do forte e tradicional capital politico que amparam as candidaturas dos filhotes, a Câmara Municipal de Natal corre, de fato, o sério risco de se ver renovada nos próximos quatro anos, mas apenas na média de idade dos parlamentares. Rostos joviais endossados pelos responsáveis pelo provincianismo político e econômico da nossa cidade e do nosso estado. Fica a pergunta: que espécie de renovação é esta?

Gustavo Barbosa

Advogado.

6 Responses

  1. Danielli disse:

    O curioso disso é: E o filho do médico que quer ser médico e aproveita o sobrenome do pai? E se ele for um bom médico?
    E Maria Rita? Que talvez só tenha conseguido sucesso por causa do nome da mãe. Isso faz dela uma cantora ruim?
    E Gabriela Duarte?
    Teria diversos exemplos de filhos/filhas que seguiram o exemplo dos pais.
    Compreendo sua crítica, mas cuidado. Nem todos os filhos de politico são como você pensa e diz.
    E porque os pais podem influenciar os filhos em tudo, mas quando se fala de politica essa prática é um absurdo ou um “golpe”?
    Só para lembrar, que Julia Arruda antes de eleita e ter feito um excelente trabalho, as críticas politicas precipitadas e sem fundamento falavam dela como “mais uma moça jovem de rosto bonito”

  2. Danielli,

    Gostaria muito que os impactados acima mencionados fossem tão bons parlamentares quanto Elis Regina foi uma espetacular cantora.

    Se o sujeito é um político conservador, um péssimo e inepto legislador, situacionista duma gestão caótica, condenado em primeira instância, simpático à compra de votos e à práticas assistencialistas além de, naturalmente, afeito a fisiologismos e às práticas de corrupção ativa e passiva, assumindo abertamente o compromisso puramente político de perpetuar sua influência por meio de sua prole, é impossível não lançar um olhar mínimo de desconfiança aos seus apadrinhados. Simplesmente impossível.

    Há exceções, naturalmente, mas diante do quadro apresentado, são, de fato, pouquíssimas.

  3. Jules Queiroz disse:

    Danielli, me parece que Gustavo quer apontar uma tendência nessas eleições. Ele não parece ter feito nenhuma conjectura sobre a eventual “competência” dos filhotes. Apontou apenas a forma deles fazerem campanha, que a pretexto de renovação, mantém o pior da política tradicional.

    Exceções como Júlia Arruda são exceções a esse padrão que só parecem confirmar a regra.

  4. Caio Cesão disse:

    Muito bom este artigo!

    Parabéns!

  5. Érika Lula de Medeiros disse:

    Além do que Jules pontuou, é importante ponderarmos outros fatores. O
    filho do médico que quer ser médico precisa passar pela preparação
    necessária à profissão, mais do que simplesmente usar o sobrenome do pai
    ou da mãe. Maria Rita certamente não teria conseguido sucesso
    exclusivamente pelo laço familiar, se não cantasse minimamente bem, além
    de ter passado por preparação para isso. Gabriela Duarte (não entrando
    no mérito da qualidade dela como atriz), além da mãe, se preparou na tentativa de se qualificar para exercer a profissão de atriz que escolheu.

    Acredito
    que a crítica de Gustavo não reside no simples laço sanguíneo. Claro
    que não há nenhum problema em filhos e filhas optarem por seguir os
    mesmos caminhos de seus pais e mães. Interpretar o texto assim seria
    distorcê-lo um pouco (não estou dizendo que você fez isso, Danielli, só
    para deixar claro). A crítica está na manutenção de uma política
    extremamente maléfica para a população, uma política que confunde
    interesses públicos e privados, sempre em desfavor do primeiro, e na sua
    perpetuação por gerações e mais gerações das mesmas famílias.

    Seria
    muito bom se filhos e filhas, netos e netas, noras e genros ou qualquer
    outro familiar de um mau político (mau no sentido de ter feito de seu
    mandato uma ferramenta de enriquecimento ilícito e/ou de omissão em
    relação ao dever com a população…) pudesse de fato se apresentar como
    agente de transformação da nossa política. Mas infelizmente, em solo
    potiguar, a história não mostra isso…

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