Rio Grande do Norte, terça-feira, 07 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 20 de novembro de 2012

O velho comunista

postado por Daniel Menezes

Olavo é uma grande figura.

A reportagem abaixo relata um pouco da sua história de vida.

 Cursamos a graduação de Ciências Sociais na mesma turma.

Vale a pena conferir.

 

Do Jornal de Hoje

 

A professora de Moral e Cívica já não aguentava as opiniões do garoto que insistia em defender Karl Marx e provar a inexistência de Deus. Corria o ano de 1972, oitava temporada dos militares no comando do país. Certo dia, durante uma aula em que debatiam os erros do pensador alemão, ela, antecipando possíveis problemas com o jovem rebelde, sentenciou: “Respondam como está no livro, não como Olavo botou na cabeça de vocês”. O futuro sociólogo e ativista pró-Cuba era um menino curioso e inquieto.

Ainda adolescente, leu “O Capital”, a Bíblia Sagrada e toda a obra de Júlio Verne. Formava assim um cabedal de conhecimentos que o transformaria em um comunista inveterado (assim como seu pai) e partícipe de movimentos estudantis. O paulistano Olavo Pereira de Queiroz, 55 anos, é, hoje, um corretor de imóveis, que mora em Natal desde 1998, e mantém vivo o sonho de outrora.

Embates ideológicos como aquele com a docente serviram de ensaio para o viria no decorrer da década. Aluno da USP, primeiro de engenharia, depois, de física, ele participou do reavivamento da UNE (União Nacional dos Estudantes) em 1977, quando a organização começou a sair da clandestinidade, após a promulgação da Lei n° 4.464, de 9 de novembro de 1964, conhecida como Lei Suplicy de Lacerda, que colocou as entidades estudantis na ilegalidade. Tempos sombrios que culminaram na invasão da PUC pela Polícia Militar – e mil e quinhentos estudantes presos.

Olavo estava no meio daquele pandemônio, mas evitou a prisão ao pular um muro que separava a rua do cenário de guerra.  Jovem de classe média, morador da Vila Mariana e desportista amador, ele acompanhou de perto o processo de anistia dos opositores do regime (ou agitadores de esquerda, como queiram), em 1979, até ir de encontro a uma namorada suíça, em uma viagem que começou na terra dos relógios, chocolates e polpudas contas bancárias e terminou na então Tchecoslováquia.

A Cortina de Ferro ainda se estendia rio Danúbio abaixo – foi barrado na fronteira da Áustria com a Hungria (o destino pretendido). Ele ganhava a vida dando aulas em cursinhos pré-vestibulares, sem maiores perspectivas. E seguia a efervescência política nacional, cada vez mais na iminência de sofrer grandes mudanças. Vieram as eleições para governador, em 1982, e um quarteto de anos em que Olavo virou pai e fez sua primeira viagem à Cuba, a mítica ilha caribenha que empolgou meio mundo nos 60s com sua revolução socialista.

O Brasil não mantinha relações diplomáticas com Havana (restabelecidas em junho de 1986, quatro meses depois do desembarque de Olavo no Aeroporto José Martí), o que forçava uma passagem pelo México para conseguir o visto de entrada. Ao chegar, ficou surpreso em ver uma sociedade comunista tropical em pleno funcionamento. Abastecidos por U$10 bilhões que a União Soviética enviava anualmente, além de material bélico e industrial, os cubanos sugeriam alto padrão de vida. No entanto, o fim da URSS, em 1991, promoveu o apocalipse social no regime dos Irmãos Castro.

Filiado ao PCB desde 1985, mas decepcionado com a postura adotada pelos comunas paulistas nas eleições estaduais do ano seguinte, quando deixaram de apoiar Orestes Quércia e foram pedir votos para o empresário Antonio Hermínio de Moraes, ele esqueceu a política partidária e voltou sua atenção para Cuba. Enquanto isso, um amigo agrônomo intensificava a produção de resina de pinos (o cobiçado pinheiro), no Vale do Ribeira, na divisa entre São Paulo e o Paraná.

O fim do primeiro casamento, que gerou dois filhos, a baixa remuneração com as aulas de física e a paixão pela bebida o desestabilizaram emocionalmente. Foi quando o amigo fez o convite para ele prestar consultorias sobre o promissor negócio das resinas. Olavo abraçou a oportunidade e deu início ao processo de reconstrução pessoal – iniciado em 1992, ao conhecer a paraense Márcia Gorette e largar o álcool. Com o crescimento da empresa, a expansão para outros países virou prioridade para o chefe/amigo. A conhecida exuberância e qualidade da flora da região de Pinar Del Rio (centro da produção de charutos), no oeste de Cuba, caia feito uma luva no projeto.

De 1994 a 1997, Olavo viajava para a ilha a cada dois meses, o que aprofundou suas convicções ideológicas, diante daquele povo que, mesmo enfrentando a maior crise econômica de sua história (chamado de Período Especial; pós-fim da URSS), oscilou entre a perseverança no sistema socialista e um dos maiores êxodos do século 20. A imagem de cubanos em cima de pneus transformados em jangadas, cruzando o perigoso Golfo do México, ganhou o mundo. E uma nova guerra midiática estava armada. “Ninguém imaginava que a União Soviética fosse acabar”.

A entrada dos espanhóis no ramo das resinas em Cuba enfraqueceu a empresa do amigo. Nisso, a química Márcia conseguiu emprego no colégio Marista de Natal (sua família é do interior do Rio Grande do Norte) e o casal arrumou as malas para cruzar o país e vir morar no Nordeste. Marxista convicto, logo ele concluiria o curso de sociologia da UFRN e continuaria a viajar a Cuba pelo menos três vezes por ano, agora como simples turista. “O maior erro foi depender dos soviéticos cegamente”. Sem transferência de tecnologia e conhecimentos, a indústria nacional cubana é quase inexistente.

De tanto contato, surgiu o convite para tocar a Casa de Amizade Brasil-Cuba, instituição que, como o nome sugere, tem por objetivo estimular o intercâmbio e o estreitamento da relação entre as duas nações. O vereador Fernando Lucena (PT) constava como presidente da secção Natal. “Ele nem sabia disso”. Um breve levantamento demonstrou a inexistência de atividades locais. O apoio inicial veio do ex-deputado Leônidas Ferreira (morto em 2009), pai da ex-secretária de planejamento do município, Virgínia Ferreira (uma das cabeças da segunda gestão de Carlos Eduardo Alves, a partir de janeiro próximo).

Mas comunistas antigos, como o ex-reitor da UERN, Antônio Capistrano, o presidente da Associação dos Anistiados do RN, Meri Medeiros e o ex-vereador Juliano Siqueira, de alguma forma, estiveram por perto – Natal é uma cidade irmã de Havana, de acordo com a Lei Ordinária nº 05013/98. Olavo sabe o quanto é custoso remar contra a maré capitalista, mas continua acreditando na necessidade acima da produtividade, em relação a empregos, remuneração e bem-estar social. Para ele, mais que rum e charutos (vício assumido), a experiência cubana fornece subsídios para uma luta inglória, porém inesgotável.

No momento em que países europeus quebram a cada semestre, assustando quem viu o mesmo filme décadas atrás, quando da ascensão do nazismo alemão,do fascismo italiano e do comunismo soviético, governos reveem metas e ações, em certa guinada à esquerda, como gostam de dizer os analistas políticos. Passados vinte e seis anos de sua primeira incursão em solo cubano, Olavo tem como principal bandeira, atualmente, chamar a atenção para os cinco cubanos detidos em meados dos anos 1990, em território norte-americano, sob acusação de espionagem e conspiração. “Perdemos a batalha, mas não a guerra”.

Daniel Menezes

Cientista Político. Doutor em ciências sociais (UFRN). Professor substituto da UFRN. Diretor do Instituto Seta de Pesquisas de opinião e Eleitoral. Autor do Livro: pesquisa de opinião e eleitoral: teoria e prática. Editor da Revista Carta Potiguar. Twitter: @DanielMenezesCP Email: dmcartapotiguar@gmail.com

2 Responses

  1. Lucas disse:

    Daniel, vamos ao debate, primeiro, eu nao sou nenhum estudioso de modelos economicos, apenas interpreto sob meu ponto de vista o que vejo, ouço e leio, portanto vou expor meus achismos, segundo, começando pela batalha, ao contrario de voce eu considero a luta perdida, por alguns motivos que vou colocar.

    Primeiro, um modelo que ate hoje, em todas as tentativas de instalar uma sociedade socialista, se baseou no autoritarismo para dar certo, nao pode ser um bom modelo, a ideia so se manteve de pe enquanto o governo era autoritario, bastou um sopro de democracia para o socialismo ruir, ai eu pergunto, o socialismo é um modelo autocratico? é isso mesmo? uma vez me disseram que se voce tenta mudar alguma coisa, e essa mudança depende de voce pra continuar acontecendo, entao nao foi um bom trabalho. eu digo entao, ou o socialismo esta muito ruim de defensores, ou como disse é o modelo que está errado.

    Segundo, fazendo um comparativo entre estado minimo, tese do capitalismo, e estado total, tese do socialismo, eu prefiro o meio termo, nao creio que nenhum dos dois modelos seja o ideal ainda, ambos tem virtudes e defeitos, veja bem, eu prefiro um estado presente em alguns setores, e que nao perturbe em outros ou no maximo atue como mais um jogador do mercado, como é o caso do setor bancario brasileiro. O caso de cuba que voce citou, pra mim, seria independente se cuba ao inves de depender totalmente da URSS tivesse procurado o desenvolvimento teria o mesmo fim, a URSS é infinitamente mais rica em riquezas naturais, e em termos de sociedade que cuba e faliu, nao vejo que outro futuro cuba teria, pelo simples fato que o desenvolvimento, a melhora é caracteristica da disputa, da concorrencia, algo que nao existe nas sociedades socialistas, por isso neste modelo a tendencia é a acomodação, estagnação que leva ao colapso, como aconteceu em todos os casos socialistas. do outro lado nos temos o estado minimo, que basta olhar para a crise atual da europa e estados unidos para ver que o estado minimo tambem é incompetente para construir uma sociedade menos desigual onde o crescimento e os ganhos sejam para todos e nao para uma pequena elite, e isso é que gera tantos problemas.

    Terceiro, o socialismo nao leva em consideração que as pessoas tem gostos, necessidades, virtudes e defeitos diferentes, exigir que as pessoas pensem e desejem na mesma quantidade nao vai dar certo nunca. alem do mais, tem o problema que eu ja relatei, nos so chegamos ao estagio de desenvolvimento que estamos, justamente pela concorrencia, disputa, o querer mais, isso fez o progresso, o socialismo leva a estagnação a uma acomodação que destruiu a URSS, cuba e todos os países que seguiram esse caminho. Sinceramente, acho que o modelo dos paises escandinavos, que conseguiram unir o que ha de melhor do estado, com o que ha de melhor no capitalismo e contruiram sociedades que hoje sao modelo e estao entre os 10 maiores IDH´s do mundo. mas isso tudo sao so meus achismos.

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