Rio Grande do Norte, sexta-feira, 03 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 28 de fevereiro de 2013

Lei prevê punição para aluno que desrespeitar professor

postado por David Rêgo

“Dizem que quando Papai Noel passeava pelo mundo distribuindo presentes ele acabou passando pela Somália.

Aí, aquele menininho mirrado e magro chega com seus olhos esbugalhados e pedintes…
– Papai-Noel, Papai-Noel, você me da um presente…
– Nan, nan, nin nan não. Menino que não come direito não ganha presente”.

Alguns tipos de humor negro são uma ótima forma de sátira da vida cotidiana. De forma ácida, nos alerta para problemas de ordem social. No caso da piada acima, a criança é punida mesmo sendo vítima.

Algo semelhante (nas devidas proporções) pode começar a acontecer no Brasil. Tal como divulgam vários veículos de comunicação, hoje (Quinta-Feira, dia 28) foi aprovada pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados o projeto de lei 267/2011, de autoria da deputada federal Cida Borghetti (PP-PR). A lei que prevê punição jurídica para alunos que desrespeitaram professores (fonte aqui) .

Posiciono-me completamente contra esse tipo de lei, e por várias razões. A primeira delas deve-se ao fato de ser  completamente contra a “judicialização” da vida cotidiana. Problemas do dia-a-dia devem ser resolvidos entre a sociedade e não no campo do judiciário. O desrespeito aos professores é notório, porém, não acredito que devemos fazer uma lei para evitar esse tipo de coisa.

Já que existe um problema evidenciado devemos criar políticas públicas para sanar os problemas. Uma das razões dos alunos não respeitarem mais os professores deve-se ao fato das crianças não possuírem mais adultos que lhe forneçam uma atenção em tempo integral para a formação moral e ética dos pequenos humanos. Não possuem mais uma mãe em casa para educá-los, a mãe foi roubada deles pelo chamado “mercado de trabalho” e não colocaram nada nem ninguém para substituí-la. As crianças em dias de hoje ficam jogadas, sem ter quem ensine valores.

Parece-me uma completa aberração condenar aqueles que são vítimas. O respeito não é algo natural, é algo que se aprende, e se uma pessoa isolada não respeita um professor podemos dizer que trata-se de falta de caráter, mas quando a falta de respeito é generalizada isso indica dizer que a falha é no processo educativo e a culpa não é dos jovens e sim da sociedade como um todo.  Não parece ser uma medida sensata punir ainda mais aquele que já é vítima. Ou o jovem tem culpa de não ter recebido educação dos pais e da sociedade?

Leis para ensinar como se comportar é uma denúncia da destruição e fracasso completo de uma sociedade.

O que não aparece é deputado para criar leis que exijam que o mercado de trabalho pague salários dignos e com isso garantam que as famílias poderão ter tempo para dedicar-se aos seus filhos, no lugar de ter que matar-se de trabalhar apenas para pagar um colégio particular que lhe dará bons conhecimentos, mas nenhuma formação moral, ética e cívica.

Também não aparece deputado para criar lei que prevê punição para o político que desrespeitar o povo. Pra criar leis deste tipo não aparece nenhum gênio.

David Rêgo

Sociólogo, antropólogo e cientista político (UFRN). Professor do ensino médio e superior. Áreas de interesse: Artes marciais, política, movimentos sociais, quadrinhos e tecnologia.

9 Responses

  1. É caro sociólogo pelo visto o professor tem que assumir mais este encargo negligenciado pelas famílias.Se as leis resolvessem todos os nossos problemas seria muito fácil.Só que enfrentar uma sala de aula com 40 adolescente é uma tarefa muito árdua .Geralmente as discussões em torno desse assunto é de que os jovens ficam entregue a si mesmos, enquanto suas mães trabalham.Agora eu pergunto as mães japonesas não trabalham. O que se divulga é que no Japão o professor é muito respeitado.Enquanto isso nossos professores estão cada vez mais estressados e doentes.

  2. J. Aguiar disse:

    Muito contraditório o ponto de vista defendido pelo nobre professor. Enquanto fala que é contra a judicialização de processos da vida cotidiana, pede a adoção de políticas públicas para resolver o problema e culpa a sociedade pelo mal feito. Ora, caro colega a sociedade é um ser abstrato e é o resultado daquilo que é criado dentro do ambiente familiar. Não há como retirar dos pais a responsabilidade que lhes cabe na educação dos seus filhos, pois eles foram os únicos responsável pela sua geração e como tal deve cuidar de suas criaturas; nada foi tomado emprestado do estado ou da sociedade para a geração dos seus próprios filhos. Transferir a responsabilidade real dos pais para um ser abstrato como a sociedade é extremamente cômodo quando não se quer enxergar a verdadeira causa de um problema. São eles (nós), os pais os principais responsáveis pela formação moral dos nossos filhos, daí é preciso inverter o sentido da responsabilidade e inquirir: Que tipo de cidadãos você está formando para entregar à sociedade ? Que tipo de indivíduo você está modelando para se constituir em um dos pilares de sustentação do edifício social no futuro ?

    • Olá J. Aguiar.
      O que afirmo no artigo é que o “ambiente familiar” foi destruído pela inserção da mulher no mercado de trabaho de forma irresponsável, existem uma série de escritos de Nísia Floresta que colocam a mulher como o “pilar moral da sociedade” pq ela passava o dia em casa “cuidando da prole”. Não digo com isso que a função é educar é unicamente da mulher, mas ela foi tirada de sua função social e ninguém ou nenhuma instituição foi colocada para substituí-la. Fato que faz com que as crianças, principalmente durante a primeira infância, quando formam-se valores etc. acabem por não ter ninguém para observa-las por tempo suficiente e passar valores para elas. É basicamente isso que tento passar.
      E não existe contradição. Judicialização é uma coisa, políticas públicas é outra coisa completamente diferente. Uma política pública que poderia muito bem dar jeito neste caso é a instituição de colégio em tempo integral para que os professores possam passar tb conhecimentos de ordem moral e ética, já que as famílias não estão mais cumprindo esse papel 😀

  3. A ausência dos pais é um fator que contribui para o problema, mas é na presença dos pais que esses jovens aprendem a lidar com os demais e o desrespeito é passado de pai para filho. Do mais pobre ao mais rico, as pessoas nesse país tomam frequentemente atitudes fascistas. Seja numa fila, no trânsito… e a escola é outro espaço em que essa postura é tomada.
    O ideal é que esse problema seja resolvido no âmbito do diálogo, da educação familiar. Mas isso não ocorre e é provável que nunca ocorra nesse país. Veja o exemplo do consumo do código de trânsito e a tolerância zero no consumo de álcool. Se não tem educação, a lei tenta. Enquanto o tal MERCADO não some da nossa realidade para servir de desculpa para a ignorância generalizada que graça nesse país, a lei é bem vinda.

    • Olá Sidney,,
      Gostei muito de suas colocações e acredito que acrescentaram bastante no debate, as vejo todas como um complemento ao texto, lacunas que deixei e vc as complementou.
      Agradeço pela colaboração e espero que esteja sempre mantendo contato e contribuíndo para os debates.

  4. Valéria Etgeton disse:

    Mto bom seu artigo, David! Apesar de não concordar inteiramente com sua posição acho que amplia o debate sobre a questão e chama atenção pros aspectos subjacentes ao problema, inclusive as causas sociais que contribuíram pra esse estado crônico de desrespeito nas escolas. Parabéns! Só acho importante falar que a Lei não se confunde com Judicialização. Antes de tudo a Lei é o resultado do trabalho do povo, por seus representantes, que externam por meio delas as aspirações da própria sociedade. Uma Lei pode ser editada pra instituir datas comemorativas, criar organizações, veicular políticas públicas. Nem sempre o Poder Judiciário entre em cena. Nesse caso, acho que a “judicialização” não acontece necessariamente, salvo engano, haveria suspensão da criança e em caso de reincidência é que seria encaminhada ao juiz. De qq forma, esse é só um aspecto da lei, que prevê também alteração do ECA pra incluir o respeito nas escolas como dever para crianças e adolescentes, o que por si só passa para a sociedade, os pais, as crianças, a mensagem de respeito e regras de conduta. Não se pode desconsiderar que o fato de haver uma lei exigindo respeito nas escolas e a possibilidade de um juiz “dar uma bronca” alerta os pais e as crianças para a gravidade desse comportamento desrespeitoso. Mas concordo que isso não resolve o problema, que tem causas muito mais profundas e que só poderá ser efetivamente combatido com políticas públicas sérias. Enfim, a lei não é de todo mal, na minha opinião, mas, desacompanhada de outras medidas sociais, não conseguirá surtir o efeito desejado.

  5. “Vocês que não entram em sala de aula”?! EU dou aula para mais de 1mil pessoas em bairros de periferia, em alguns dos bairros considerados perigosos na minha cidade, Felipe Camarão, Nova descoberta e Bom Pastor. Nunca tive o problema que você cita pq sei me impor em sala. Aluno que não faz silêncio, pra começo de conversa, não dura na minha sala até dia 23 de Abril, ele toma jeito logo em Fevereiro. Não é discurso, é prática e não sou alguém afastado das salas de aula, para deixar claro.

    • Adriano Régis disse:

      qual e sua receita mágica para lhe dar com um marginal em sala de aula sem q haja uma punição para ele? o q seria exatamente se impor como vc fala? que eu saiba se impor é fazer valer autoridade, e se um aluno não respeita a autoridade de seu pai. o q pode fazer ele respeitar um professor. pq quem não respeita seu pai , não tem noção de respeito

  6. Ah, os colégios são sim do Estado.

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