Rio Grande do Norte, quinta-feira, 02 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 20 de julho de 2013

Um das noites com Revolta do Busão

postado por Carta Potiguar
DSC_1583Por Sandra S. F. Erickson

Às pessoas de bem da Cidade: “Prepare seu coração pra coisas que eu vou contar eu venho lá” da CMN, “e posso não lhe agradar” estudo Augustos dos Anjos & Euclides da Cunha: “aprendi a dizer não: ver a morte se chorar/ A morte e o destino tudo: a morte e o destino tudo estava fora de lugar” e venho pra te contar…

Participei do ato ontem e falo do que vi e vivi. Tentarei ser o mais sucinta possível e, agradecida, peço sua paciência.

1. Durante a plenária da abertura do ato um adulto diante de alguém da mídia disse “vamos apedrejar tudo”; repliquei “se inscreva para colocar sua sugestão para todos e fale, lá, no megafone, para que todos ouçam sua sugestão”; a pessoa disse, “não, não gosto de falar”; eu disse “mas tá falando aqui, então se você é um manifestante, vá lá e fale”; mostrei-o a um repórter e disse “tá vendo, Sr.; isso ai? O Sr. é testemunha.” Usei a palavra “testemunha” porque isso que um repórter deve ser isso e deve estar ali para isso. A pessoa escapuliu dali. O Sr. repórter não deu muita bola.

2. No inicio da marcha acompanhei, c/ outros colegas, um menor violentamente apreendido sob a alegação – PASMEM! – de que “apontava uma arma lazer para DETONAR o helicóptero que patrulhava a simples marcha; 3. seguimos o menor praticamente arrastado pelas ruas; pedi aos policiais da Ambiental que o liberasse, pois era menor, quando então, ouvi a razão de sua apreensão supracitada; expressei meu espanto diante do fato, que parecia ficção científica, de que um de nós, conforme disse e eu me cito “possuir a capacidade bélica de armas lazeres que com potência de detonar helicópteros”; o policial me mostrou um pequeno cabo tipo de transportar materiais em mp3, ou uma ferramenta de apontar quadros em sala de aula (coisa do tipo); eu disse “ esse é o detonador de helicóptero? Sr.; por favor, todo nós usamos isso! Não é um ‘detonador de helicóptero’ é um recurso de dar aula”; ele respondeu que eu não sabia o que dizia e que o menor estava sim apontando o objeto c/ a intenção de detonar o helicóptero; eu disse, “então, deixe o menor seguir e leve o ‘instrumento’ deve ser analisado porque isso é mesmo sério e nós, manifestantes queríamos sim saber sobre isso; o policial disse exatamente assim com um tom bem marcante: “venha analisar meus ovos”; chocada, eu disse “o Sr., está agredindo uma Sra. de 53 anos, cabelos brancos e casada há 30 anos.” Houveram outras trocas chocantes com esse grupo de PMs, inclusive uma jovem mulher que também se envolveu na defesa desse PM. Depois um tempo longo em que o menor foi informalmente questionado pelos PMs acabou sendo levado por duas viaturas pelo “crime” de ter “violado o espaço aéreo da cidade”.

Perdi-me, junto c/ os que estavam comigo, da marcha, só conseguimos encontrar os colegas, perto da CM, no posto de gasolina.

Não vi a passagem da marcha pelo Midway.

DSC_15563. O suposto “confronto” entre pedras e armas, inclusive letais, já havia acontecido. Perguntei de muitos adultos e pessoas da mídia que reconheço no local o que havia ocorrido. A maioria do pessoal da mídia disse o que parecia ser verdade: “ninguém sabia, ao certo, o que houve, apenas que violência havia ocorrido”. Apenas UM repórter, um Sr., disse e afirmou que os manifestantes haviam agredido a PM e tentou me passar sua versão de que havia baderneiros ali, etc.; respondi, gentilmente, a esse Sr.; que eu não havia testemunhado isso e que só poderia falar do que REALMENTE vi e perguntei se ele viu manifestantes “atacando” com pedras. Ele disse algumas coisas que não foram diretas; validando suas assertivas com o fato de que acompanhou a marcha desde o inicio. Era o mesmo Sr., já referido acima, no inicio da plenária. Eu disse que também estava acompanhando a marcha desde o inicio, mas não poderia falar sobre tudo, apenas sobre o que tinha visto e não vi ninguém com pedras, mas, desde que muitas coisas simultaneamente estavam ocorrendo, era difícil, ainda, se saber, por certo, os fatos. Me dirigi a um pessoal ACUADO no posto de gasolina. Entre eles manifestantes do PSTU que NEM TINHAM MOCHILAS que dirá pedras… Muitos deles conheço das plenárias do Movimento. Estavam assustados e sem REAGIR – apenas procurando refúgio da truculência que aprecia ter havido. Conheço de perto, repito, muitos deles: nunca vi seus rostos tão transtornados de espanto! Não era medo – a gente aprende a coragem nas ruas de Natal – era puro espanto, cuja “qualidade trágica” me marcou muito porque também temos aprendido o espanto trágico nas ruas de Natal. Também não sabiam o que tinha havido, apenas que tinham “tomando banho de gás [lacrimogênio], entre outras ações da PM”. Vendo que estavam aparentemente sem ferimentos. Continuei procurando o restante do pessoal.

4. Encontrei um grupo de cerca de talvez 50 manifestantes: pedi ao pessoal da mídia que reconheci ao redor, para conta-los, pois tamanha força policial e o bloqueio das ruas PELOS PMs e não pelos manifestantes era injustificável. Eram poucos e sugeri entre 50 e 100 (preferindo, como disse a eles, exagerar para mais porque eram os PM s não as pessoas que obstruíam o trânsito da cidade) – ninguém se opôs ao número. O grupo de pessoas apenas ocupava a rua totalmente cercado pela choque que fazia movimentos de guerra realmente surreais, marchando e se exibindo como se estivesse a frente de um exército inimigo, armado e ostensivo! Havia pedras pelo chão, do lado da CM. As mesmas ESTRANHAMENTE DISPOSTAS. Parecia uma exposição de arte – odeio a analogia, mas pela verdade tudo: do estilo do artista chinês dissidente Ai Weiwei. A PM se deslocando e relocando de um lugar para outro ostensivamente e pateticamente, pois qualquer adulto, responsável, pagador de imposto poderia ver o absurdo do gasto operacional de tudo aquilo. Um adulto, interessado no bem estar social se revoltaria e viria para as ruas para tornar pública sua indignação com tamanho disparate.

5. Houve uma troca de palavras entre os manifestantes e alguns desses PMs. Intervi entre eles. Um Sr. a paisana, mas com cara de alguém “sério” insultou as pessoas e ME BATEU: me deu um tapa não muito light no braço. Olhei para ele e disse: “O Sr. me bateu”. Parecendo me conhecer ou pelo menos reconhecer que eu não era um dos jovens ele parou, e pediu desculpas várias vezes—o que foi estranho—penso que era um PM a paisana. Eu disse “saiba o Sr., que o Sr. Me bateu” e pedi para alguém da mídia fotografa-lo. Não sei se isso foi feito. O Sr. saiu. Uma equipe de TV quis me entrevistar. Relutante concedi. Não assisto TV. Não sei se tal entrevista foi ou não levada ao ar—sei que muitas das que me pedem não o são ou são recortadas do modo mais vil porque a mídia por várias razões não quer que os cidadãos decentes da cidade vejam e saibam a verdade do sofrimento da saga da “Revolta do Busão” e a resistência heroica de seus jovens bravos. Sei que a TV—não sei qual delas—interrompeu a filmagem quando comei a falar do episódio em que o PM me ordenou a analisar partes de sua anatomia já supracitada que, por pudor, não repetirei aqui, mas repeti ao repórter sob sua câmara de filmagem. E foi ai que eles, BALANÇANDO A CABEÇA DA DIREITA PARA A ESQUERDA, em, reprovação a mim e não ao agravo que reportei, interromperam a filmagem e desligaram sua máquina—imagino que não queria “ferir” seus espectadores todos especATORES, como diria o querido Augusto Boal, com essa informação.

DSC_16076. Depois de um tempo, policiais/guardas da CN começaram a recolher as pedras em um carrinho de supermercado e balde grande de lixo—novamente Ai Weiwei me veio à mente com grande tristeza, pois eu sabia muito bem a que serviria aquele espetáculo e dei garças a Deus por estar ali. Ajudei, com um grande nó na garganta, a recolher aquelas pedras—as pedras no caminho das demandas justas da chamada “Revolta do Busão”.

7. Um grupo de policiais veio—não: desceu como hostes infernais prontas para bater—não: abater– esses manifestantes como se eles fossem animais. Hoje temos legislação que proíbe o maltrato aos animais. E isso, mais uma vez, doeu imensamente e com grande pesar eu testemunho isso para as pessoas de bem da cidade. Resistimos juntos e, com grande esforço, físico e psíquico cassetetes foram impedidos de descer truculentamente sobre seres vivos e da mesma espécie desarmados e impotentes. Pensei, sempre com grande dor, que todos aqueles que resistiam são movidos a estarem nas ruas, debaixo de chuva, suor, lágrimas, bombas, cassetetes pelo só desejo de transporte público decente para nosso povo, e eles jamais perderiam a ternura: JAMAIS!

8. A noite foi longa enquanto se decidia o que fazer—todos indignados, ontem, com a dessacralização da Casa do Povo quando militantes pacíficos forma barbaramente atacados e torturados ali dentro. Outros episódios dos já reportados em 7, acima aconteceram. Hostes infernais descendo sobre anjos da vigília da indignação justa e legítima, pois que o povo pode sim estar nas suas ruas, eram constantemente ameaçados. Não havia mais mídia, exceto uma jovem chamada Catarina Santos, que conheci lá, naquela hora mais tardia e não lembro para que jornal trabalha. Estávamos todos nós, por horas a fio e somente sob a proteção de nossa solidariedade sem nenhuma máscara, sem nenhuma arma, sem água, sem comida, sem banheiro, sob uma chuva fina que começou a cair. Uma plenária foi convocada para decidir se a Vigília—estratégia CLÁSSICA de desobediência civil PACÍFICA, hoje permitida em nossa Constituição que garante a todos nós, inclusive policias a não obedecerem ordem CONTRA suas consciências—reunidos para votar, quando DE DENTRO DA CMN alguém batia ferozmente nos portões, obviamente “vandalizando” a propriedade pública. Nos afastamos para isolar o que havia e deixar claro que o “vandalismo” era DENTRO DA CMN. Somente nós estávamos ali. De novo, agradeci aos Seres Iluminados nos quais acredito, por estar ali e dessa grotesca e indigna tentativa do poder público de desmoralizar e criminalizar o Movimento, dá testemunho.

DSC_18449. A votação foi interrompida pelo episódio citado acima. Muitos queriam ir para casa. Alguns me perguntaram com olhos sinceros, meigos e doloridos que somente a inocência no seu alcance mais profundo e honesto pode expressar e que com a fragilidade da palavra, como disse Euclides da Cunha sobre o fim de Canudos, palavra nenhuma não é capaz de descrever: “Profa. a Sra. viu o que houve ontem com nossos companheiros. Como podemos ir para casa? Como podemos pelo menos não passar a noite, aqui, na frente dessa Casa que é do Povo para mostrar nossa indignação? A Sra. viu o que fizeram com Edilson [se referindo ao companheiro Edilson Maciel, militante histórico da Cidade]?” A custo—como faço agora contive as lágrimas grossas que queriam se misturar com a chuva. Procurei, como agora, palavras para expressar o que jamais pode ser expresso, novamente, “com a só fragilidade da palavra”. Disse apenas, que ali, eu não sou a Profa., mas apenas, tenho a felicidade e a honra e poder dizer, como nos mantras do Movimento: “um dia marchamos juntos, um dia fomos companheiros” e não sabia o que era a melhor estratégia.

10. Um pequeno grupo ficou sob as duas hostes de Anjos: os dos Infernos políticos da Cidade que sem bondade, responsabilidade cívica e pudor mostram suas caras horrendas através de suas guardas pagas com nosso dinheiro e os Seres Invisíveis cujos modos de agir pouco ou nada compreendo, mas em quem absolutamente confio. Disse boa noite aos bravos para quem fiz uma reverência comovida e aos policias que os cercavam—com um grande nó coração que passava para o estômago sabendo que seria uma noite de longa vigília. Não ficariam em paz aqueles doces bravos. E não ficaram. Não desejo nada do que já não tenho, mas desejei, com muita intensidade, possuir um meio de comunicação para fazer chegar a um maior número de pessoas o que relato. Gostaria que fosse anônimo, pois uma das coisas mais lindas de tantos desses companheiros do Movimento por Qualidade de Transporte na Cidade é seu desejo de beneficiar a Cidade sem nomes, sendo apenas o que Natal pode ser para todos um grupo de pessoas ao qual qualquer um pode se juntar—a hoste de Dionísio da Trácia contra Penteu, sem hierarquias de qualquer tipo. Todavia sem meu nome talvez os que já perderam a ternura não leve à sério o tipo de embate que ontem aconteceu—a experiência de algo profundamente único, mas que é parte do cotidiano desses jovens: seu desejo de que Natal tenha nascimento no lótus—que dessa lama que é a CMN atual alguma coisa-flor possa um dia nascer. Se não a Flor de Lótus, ao menos que uma flor fure aquele asfalto onde funcionários públicos plantaram pedras para incriminar doces bárbaros, bêbados — trêbados — de LUZ.

Não sei o que houve no Midway.

Parte desses eventos mais tardios foram testemunhados por Dayvson Moura, que ficou lá quando sai.

Vi um repórter num blog, reclamar de “um vereador” e de membros da OAB que assistiram a “Batalha” “Pedras Implantadas” sem “nada fazer”. Vi o nobre e querido vereador, quando cheguei na “encruzilhada” da CM. Vereadores, graças a Deus e a nossa Constituição, não são polícia de movimentos sociais. Quanto a OAB-RN, o comentário do repórter é risível e patético considerando o calibre moral, intelectual e jurídico que reside nessa instituição que só orgulho e alívio trás às pessoas sérias ao RN. Sem o refúgio da lei, isso sim, seria a barbárie e as trevas cairiam sobre nós como nunca.

DSC_1779Digo isso com grande dor e preocupação e não para criticar levianamente: o despreparo de nossos repórteres é gritante: falta tudo em sua formação: história da humanidade: estética, política, e jurídica e ética profissional. Mas, falta a eles, assim como falta aos nossos policiais, principalmente, conhecer a Constituição ATUAL de nosso país e, por isso, movimentos sociais legítimos podem acabar em estúpidas e desnecessárias, anacrônicas tragédias.

Termino aqui um relato que resume Ontem, 19 de julho de 2013. É apenas o resumo. Sinto-me compelida a compartilhar com mais pessoas justas, honestas e que, independente de suas posições políticas e religiosas acreditam na bem aventurança para os de boa vontade e na Constituição de nossa jovem democracia. Gratidão a todos & desejos d e paz, luz e transporte público de qualidade para todos os residentes de Natal e todos aqueles que, seduzidos por nossas lindas paisagens optam por fazer de Natal a terra de seu lazer.

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SOBRE A AUTORA

Sandra S. F. Erickson, Dra. Literatura e cultura Brasileira (UFPB, com distinção), Ms. Literatura Inglesa (Texas A&M University, com distinção), Bel. Filosofia e Ciência Política (Western Carolina University, summa cum laude), Professor Associado II, Departamento de Linguas e literaturas Estrangeiras Modernas, UFRN, Militante Movimento pela Qualidade de Transporte Público em Natal, vulgo “Revolta do Busão”, Apoio; Movimento FREE TIBET, Aldeia Maracanã & MST, Eleitora, sem afiliação partidária

Carta Potiguar

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