Rio Grande do Norte, sexta-feira, 10 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 27 de julho de 2013

Sobre a(s) Radicalidade(s) Libertária(s) [parte 2]

postado por Carta Potiguar

 DA ESTRATÉGIA DE DESMOBILIZAÇÃO, PASSANDO PELA DE PACIFICAÇÃO E DOMESTICAÇÃO E CULMINANDO NA CONCILIAÇÃO NACIONAL REFORMISTA:

UMA ANÁLISE DAS RESPOSTAS DO STATUS QUO À RECENTE ONDA DE PROTESTOS NO BRASIL.

Prof. Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira – Doutor em Ciências Sociais.

mplaaaAs citadas manifestações públicas do M.P.L., tiveram início durante a primeira semana do mês de Junho, em capitais do Nordeste, Sudeste e Centro Oeste – haviam sido precedidas por outras imediatamente anteriores, que tiveram a cidade de Natal (com a “Revolta do Busão”) como uma ponta de lança e foram motivadas por uma vitória recente do movimento na cidade de Porto Alegre – e, apesar de terem adotado uma orientação majoritariamente pacífica, receberam o mesmo tratamento que a maioria das suas manifestações anteriores: uma repressão brutal por parte da Polícia Militar. As datas marcos deste momento são os dias seis e sete.

Como ensina a máxima machadiana – e como já havia demonstrado a experiência do Estado de bem estar social resultante dos conflitos do capital europeu com os movimentos sindicais revolucionários da primeira metade do Século XX -: há momentos em que é melhor que “vão-se os anéis e fiquem os dedos” (o que pode ser entendido como abrir mão de alguns lucros imediatos para garantir nada mais do que a própria manutenção do sistema)

Na segunda semana de Junho, outras manifestações foram convocadas – com a colaboração de outras organizações como o grupo Anonymous, um grupo que pratica o ativismo cibernético, cujo símbolo é uma máscara e que também adota aspectos do discurso libertário (tal como a negação de líderes/hierarquias: vide a adoção da máscara e do nome), porém, sem a crítica radical ao Estado (ao contrário, aponta para um anseio reformista) – e, se na semana anterior as cifras dos números de participantes remontavam às centenas, nesta semana, subiram para a casa dos milhares. Novamente, apesar da orientação majoritariamente pacífica, as polícias das várias localidades reprimiram os eventos de forma brutal: a repressão em São Paulo repercutiu fragorosamente pelo país.

Naquela semana, a Rede Globo de Televisão exibiu, no dia onze, um programa jornalístico – o Profissão Repórter – especial sobre a má qualidade dos serviços de transportes urbanos de massas em algumas metrópoles das regiões Sudeste e Nordeste do Brasil – enfocando o cotidiano altamente desgastante dos usuários e as condições de trabalho altamente estressantes dos profissionais da área. O programa abordou ainda as manifestações contra os aumentos e as respectivas repressões que se abateram contra elas e, ao final, exibiu cenas de usuários viajando em pé e de situações de estresse em pontos de ônibus, devido aos constantes atrasos.

Parece-nos leitura cabível sobre a veiculação deste programa a ideia de que a Globo, neste momento, já se configurava como uma ponta de lança – enquanto representante de grupos dominantes brasileiros – da compreensão de que a melhor resposta que “os de cima” poderiam dar a este momento, seria a incorporação das demandas colocadas pelos movimentos de protesto, pois isto, ao fim e ao cabo, implicaria em uma reforma necessária até para aperfeiçoar o funcionamento do sistema produtivo do capitalismo no Brasil, com o ganho adicional de uma provável acomodação destes movimentos nascentes dentro dos marcos do próprio sistema. Como ensina a máxima machadiana – e como já havia demonstrado a experiência do Estado de bem estar social resultante dos conflitos do capital europeu com os movimentos sindicais revolucionários da primeira metade do Século XX -: há momentos em que é melhor que “vão-se os anéis e fiquem os dedos” (o que pode ser entendido como abrir mão de alguns lucros imediatos para garantir nada mais do que a própria manutenção do sistema)

Por outro lado, a ocorrência – que não foi novidade nestes eventos – de alguns atos de ataques contra a propriedade estatal e capitalista, ensejou uma novidade: o pronunciamento público de governantes das três esferas do poder executivo – O prefeito e o governador de São Paulo, Fernando Haddad (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB), respectivamente, e o ministro da justiça da presidente da República, Dilma Rousseff (PT) -, os quais, mesmo representando dois partidos/grupos de interesses declaradamente divergentes, proferiram, em uníssono, o discurso de que “estes movimentos são pequenos, mas são movimentos políticos e violentos e por isto devem ser reprimidos” (o ministro de Dilma chegou a oferecer ajuda de forças federais para o governo de São Paulo, o qual respondeu com uma negativa)…!

2.3.Identificamos aí, o momento em que uma grande visão estratégica – entendemos estratégia como sendo um objetivo final a ser alcançado -, que ganharia cada vez mais corpo no decorrer do processo, começa se configurar: a visão de um pacto entre vários setores do Status Quo(3), em torno de um objetivo comum e maior que todas as suas possíveis diferenças: a preservação da crença nas instituições vigentes.

Ora, por que essa preocupação (comum a dois partidos opositores) em destacar um caráter político naqueles(!) movimentos(!) – o que parece óbvio para quem compreende política como tudo o que diz respeito à vida em coletividade, e não apenas às questões de Estado -, contiguamente ao seu caráter violento (qualificando esta, desse modo e no fim das contas, como uma violência política), antes de concluir pela necessidade de reprimi-los? A nossa leitura é que estes grupos representantes de frações do Status Quo brasileiro “acordaram” (4), neste momento, para o risco (configurado pela presença, nos protestos, de militantes anti Estado e anti Capital, somado a um descrédito considerável por parte da população em geral com relação às instituições, bem como aos usos da internet com fins mobilizadores) de uma adesão crescente a discursos e práticas críticos radicais da propriedade capitalista e do Estado.

Esta visão literalmente alarmante impôs uma necessidade: transformar os protestos em meras manifestações públicas de civismo, resposta estratégica esta para cujo sucesso a tática de estigmatização e isolamento das práticas de ataques radicais à propriedade capitalista e estatal seriam capitais. E nem precisaria dizer que o sucesso desta resposta estratégica implicaria, muito provavelmente, na pacificação e domesticação das tendências adeptas das investidas radicais contra as instituições estatais/capitalistas, bem como na abertura de uma avenida lindamente pavimentada que conduziria as energias para dentro dos limites institucionais.

E a tática – entendida aqui como meio para alcançar um objetivo estratégico – adotada neste momento teria sido a tentativa de reverter contra estes aquilo que configuraria o seu potencial revolucionário: sua crítica radical à política de Estado! Como? Atribuindo a eles um caráter político, sem qualificar o tipo de política de que se trataria aí, de modo a reverter contra estes o descrédito da população pela suspeita de que não representariam nada mais do que o mesmo: interesses políticos eleitorais…!

Este foi o início de um deslocamento do campo das (re)ações caracterizadas pelas tentativas de desmobilização, pela via da repressão – visto a sua aparente ineficácia -, para o campo da ação(5) caracterizada pela estigmatização e isolamento das práticas de ataques radicais à propriedade capitalista e estatal.

Este foi o ato configurado na semana cujos dias onze e treze representam seus marcos.

2.9816Como as cruéis repressões – cuja aquela de maior repercussão, que viria a se configurar como o “ponto de virada” para a fase da culminância quase indescritível deste processo, seria o choque do dia treze, em São Paulo – estavam surtindo o efeito contrário àquele desejado pelas empresas de transporte e os poderes executivos – ou seja, ao invés de desmobilizar e deslegitimar o movimento, estavam gerando (graças à internet) uma vaga catalisadora de indignações, cada vez maior (a indignação para com esta situação específica crescia paripasso com o transbordamento de um desgaste, acumulado por longa data, da imagem da representante privilegiada das instituições naquele drama: a Polícia) -, ante as convocatórias para novos protestos de âmbito nacional, aqueles poderes pressentiram a vultosa dimensão da catarse (de um sentimento de frustração com o “sistema”) em que estes eventos poderiam se configurar.

Esta visão literalmente alarmante impôs uma necessidade: transformar os protestos em meras manifestações públicas de civismo, resposta estratégica esta para cujo sucesso a tática de estigmatização e isolamento das práticas de ataques radicais à propriedade capitalista e estatal seriam capitais. E nem precisaria dizer que o sucesso desta resposta estratégica implicaria, muito provavelmente, na pacificação e domesticação das tendências adeptas das investidas radicais contra as instituições estatais/capitalistas, bem como na abertura de uma avenida lindamente pavimentada que conduziria as energias para dentro dos limites institucionais.

No início da terceira semana de protestos, de forma bastante reveladora, a Rede Globo de televisão exibiu, na noite da terça feira, dia dezoito, o segundo programa jornalístico – Profissão Repórter – especialmente dedicado aos recentes protestos ocorridos no país. Óbvio?!(6) O programa – não exatamente nesta ordem – abordou os atos em várias cidades (principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo); enfocou o caráter majoritariamente pacífico das manifestações; exibiu uma novidade no procedimento de Polícias Militares: uma atuação voltada para a garantia das manifestações; contrastou os atos dos “radicais” agressores das propriedades estatais/capitalistas como sendo causadores das repressões; forneceu minutos de fama para alguns “líderes” do movimento; a pretexto de demonstrar a presença de integrantes de outras gerações nos atos, deu algum destaque a velhos comunistas que militaram (“pela democracia”) contra a ditadura (civil)militar; e, ao encerrar, exibiu imagens de uma multidão em cortejo cantando o hino nacional, com uma grande bandeira do Brasil sendo desfralda em primeiro plano!

Ali, as mobilizações já contavam com centenas de milhares de participantes!! Via-se agora, também, a participação clara de grupos sociais com perfis políticos diversos: já não havia mais um panorama dominado pelos já tradicionais jovens “progressistas”, mas também, claramente, grupos com perfis conservadores e até reacionários! Outras “novidades” que emergem neste momento, são atos de rejeição à presença de equipes de grandes empresas de comunicação, bem como ao porte de bandeiras de partidos políticos. Ainda: as reivindicações se multiplicaram num fantástico caleidoscópio de demandas, tais como as bandeiras do combate à legalização da “cura gay”, contra os gastos públicos bilionários com as copas de futebol, contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte, contra a proposta de emenda constitucional que visava retirar o poder de investigação do Ministério Público (PEC 37), contra a corrupção, pela melhoria dos sistemas de saúde e educação etc. De fato, em resumo, um caleidoscópio que poderia ser sintetizado na figura-síntese de um movimento pelo aprimoramento das instituições democráticas…

Pelo menos, conforme o recorte/enfoque e a leitura do(s) discurso(s) majoritariamente abordado(s) e veiculado(s) pelas grandes empresas de comunicação…

[continua…]

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