Rio Grande do Norte, sexta-feira, 10 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 30 de julho de 2013

Sobre a(s) Radicalidade(s) Libertárias [parte 4]

postado por Carta Potiguar

 DA ESTRATÉGIA DE DESMOBILIZAÇÃO, PASSANDO PELA DE PACIFICAÇÃO E DOMESTICAÇÃO E CULMINANDO NA CONCILIAÇÃO NACIONAL REFORMISTA:

UMA ANÁLISE DAS RESPOSTAS DO STATUS QUO À RECENTE ONDA DE PROTESTOS NO BRASIL.

Prof. Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira – Doutor em Ciências Sociais.

2.4.5.6

Esta denominação de “despertar do gigante”, repercutida pelas grandes empresas de comunicação, sintetiza toda a já aludida orientação que setores do Status Quo vinham tentando imprimir – com um razoável sucesso até então – às mobilizações: uma grande manifestação patriótica que poderia, dessa forma, ser iconizada na figura mítica do unívoco “povo brasileiro”.

Retomemos agora a análise do desenrolar dos acontecimentos, a partir do ponto em que nos detivemos: o indescritível dia do cortejo dos milhões – e das sabotagens perpetradas por centenas de milhares -: o assim denominado “Dia em que o Gigante Acordou”! Esta denominação de “despertar do gigante”, repercutida pelas grandes empresas de comunicação, sintetiza toda a já aludida orientação que setores do Status Quo vinham tentando imprimir – com um razoável sucesso até então – às mobilizações: uma grande manifestação patriótica que poderia, dessa forma, ser iconizada na figura mítica do unívoco “povo brasileiro”.

Porém, ante a visão impressionante daquilo que deve ser mais propriamente definido como imensas massas humanas contendo uma miríade de nichos de temas reivindicatórios e – mesmo se configurando, até ali, um sucesso razoável da estratégia de pacificação e domesticação das massas, viabilizada pela tática da estigmatização e isolamento dos atos de investidas contra a propriedade capitalista/estatal, bem como da orientação das energias coletivas para um direcionamento patriótico/nacionalista/ufanista -, ante o temor da perda do controle, que o Status Quo não poderá ter deixado de sentir diante do exponencial aumento do número daqueles que perpetravam ataques frontais contra as instituições, se fez necessário uma nova resposta estratégica, para garantir que se alcançaria o objetivo maior de preservação da crença no sistema. Esta estratégia implicaria – além do recrudescimento da tática de estigmatização e isolamento dos atos de sabotagens contra a propriedade capitalista/estatal -, na necessidade de mobilizar, no limite, todos os setores do Status Quo! E, se a possível implementação desta resposta implicaria em maiores perdas – além daquelas que inicialmente se estava disposto a conceder: alguns lucros imediatos no setor dos transportes -, para um maior número dos “de cima” (mais anéis seriam retirados de mais dedos), por outro lado, a sua proposição inadiável já encontraria a via para a sua ampla aceitação lindamente pavimentada pelo trabalho anteriormente realizado de condução generalizada das energias dos manifestantes para o campo da patriotada. Tal estratégia consistiria, nomeadamente, na orquestração de uma (re)conciliação nacional(ista),  pela proposição de uma reforma das instituições políticas/estatais!

As grandes emissoras de televisão passaram a noite do dia vinte transmitindo aquele espetáculo surreal, louvando o caráter cívico daqueles que desfilavam pacificamente (e foi mesmo um desfile fantástico o que se viu em muitas cidades) e demonizando com os vitupérios de “vândalos”, “baderneiros” e /ou “infiltrados” (como se estes não fossem parte do enaltecido “gigante” povo brasileiro que havia “acordado”) aqueles que investiam contra a propriedade capitalista/estatal.

gfvdNo dia vinte e um, uma Sexta Feira, havia uma nova tática discursiva se delineando nas mídias: além de continuarem vituperando, raivosamente, contra os “vândalos”, “baderneiros” e “infiltrados”, contrapunham a este lado negativo da moeda o diagnóstico de que “o povo” estava clamando por “mais”“o povo brasileiro quer mais”, é a frase que será repetida em várias emissoras de televisão, desde a manhã até à noite, durante o pronunciamento da Presidente Dilma Rousseff, transmitido em cadeia nacional. E, este “mais”, segundo estes privilegiados “intérpretes do povo”, se traduz por um aperfeiçoamento das instituições políticas/estatais. A partir daí, todos os setores do Status Quo serão convocados para que, voluntária ou involuntariamente, integrem um verdadeiro mutirão para assegurar ao “povo” – tranquilizando-o – que esse “mais” lhes será garantido, que as referidas instituições serão reformadas.

As grandes emissoras de televisão passaram a noite do dia vinte transmitindo aquele espetáculo surreal, louvando o caráter cívico daqueles que desfilavam pacificamente (e foi mesmo um desfile fantástico o que se viu em muitas cidades) e demonizando com os vitupérios de “vândalos”, “baderneiros” e /ou “infiltrados” (como se estes não fossem parte do enaltecido “gigante” povo brasileiro que havia “acordado”) aqueles que investiam contra a propriedade capitalista/estatal.

 No horário de almoço deste dia vinte e um, na cidade de Natal/RN, um apresentador de uma emissora de televisão – a TV Tropical, de propriedade do Senador José Agripino Maia, líder nacional do partido DEM-O Democratas, que faz oposição ao governo federalem um programa jornalístico, após ser precedido por um discurso raivoso de uma colega, proferido contra os “Vândalos” e “baderneiros” “infiltrados” nas manifestações -, criticou os manifestantes que se posicionaram contra a presença de bandeiras de partidos políticos nos protestos(14), afirmou que só através da “política” é que se poderão resolver os problemas do país, elogiou o governo da Presidente da República(!), ponderando, porém, que “o povo quer mais” e concluiu conclamando muitos daqueles que convocaram os protestos a entrarem na política eleitoral,  para poderem intervir melhor no rumo das coisas do país

uuueueueAinda em Natal, naquele mesmo dia e horário, em uma emissora de televisão (A TV Ponta Negra) de propriedade da Sra. Micarla de Sousa (filha do ex Senador da República, já falecido, Carlos Alberto de Sousa, e ex-prefeita da cidade – pelo Partido Verde, P.V. -, que ficou celebrizada pelo descaso com que tratou a municipalidade), o Sr. Sandro Pimentel, um vereador local do Partido Socialismo e Liberdade, o PSOL (de esquerda), concedeu uma entrevista no quadro especial de um programa jornalístico diário (Jornal do Meio Dia), em cujo tema abordado foi a luta de alguns vereadores da Câmara Municipal de Natal – incluindo ele, claro – contra um projeto de  seus colegas de vereança para aumentarem os próprios salários. O Sr. Sandro, obviamente, estava, naquele contexto, servindo para demonstrar à população que “nem todos os políticos são iguais”, e que se pode ter esperanças na política eleitoral.

À noite, no Repórter Brasil – um programa jornalístico diário, exibido pela TV Brasil, uma emissora pública (da União), sediada em Brasília -, em horário nobre, o intelectual marxista (um dos bastiões da esquerda brasileira e comentarista político daquele programa) Emir Sader, comentou as manifestações do dia anterior enfatizando os episódios de rejeição às bandeiras de partidos políticos e concluiu dizendo que “não existe democracia sem partidos políticos”. Ora, verdade seja dita, um pensador político do porte de Emir Sader não deveria falar um absurdo destes em uma emissora pública de televisão, sob pena de exercer um papel exatamente oposto àquele que deveria exercer num lugar como este: o de promover a informação. Sim, pois qualquer um que tenha um conhecimento mínimo sobre o campo de estudos da Política sabe que, não apenas teoricamente como também nas práticas históricas verifica-se a ocorrência de várias proposições teóricas e experiências práticas de Democracia que não se restringem àquelas das democracias de Estado/ representativas. Como exemplos desta afirmação podemos citar experiências históricas de democracia não representativa, tais como as verificadas nos momentos inicias da Revolução Russa – com o estabelecimento dos conselhos de trabalhadores, os sovietes -, bem como o próprio exemplo das coletivizações autogeridas instauradas durante o período da Revolução Espanhola, a que aludimos no início deste trabalho. Para nós, tamanha “imprecisão científica” da parte de um intelectual do porte de Sader só pode ser compreendida como um expediente adotado (por parte de um integrante da “ala esquerda” do Status Quo) – ante um contexto de séria ameaça à legitimidade dos partidoscom o fito de colaborar com um esforço (generalizado àquele momento, conforme estamos vendo) concentrado para reverter o quadro assustador (para o Status Quo) daquele contexto.

Conforme podemos ver, a crítica aos partidos, uma das visões temáticas da pauta das radicalidades libertárias, se impôs firmemente ao debate público.(15)

A nosso ver, o discurso da Presidente Dilma Rousseff se configura como uma evidência bastante significativa em favor da tese que estamos propondo neste trabalho. Tal discurso se configura, ainda, como um ótimo exemplo do aspecto mítico autoritário que reside nas democracias de Estados nacionais (com sua ideia mítica de nação unívoca, que tende a reprimir e negar os grupos política e culturalmente refratários aos seus ideais, bem como com seu instituto da lei & ordem, que tende usualmente a favorecer o Status Quo)…

Então, quando já se aproximava o final da noite – por volta das vinte e uma horas -, finalmente, o grande suspense latente teve seu desfecho: anunciou-se o pronunciamento da Presidente da República, Dilma Rousseff, em cadeia nacional de rádio e televisão.(16) A seguir, faremos uma análise deste pronunciamento.

A nosso ver, o discurso da Presidente Dilma Rousseff se configura como uma evidência bastante significativa em favor da tese que estamos propondo neste trabalho. Tal discurso se configura, ainda, como um ótimo exemplo do aspecto mítico autoritário que reside nas democracias de Estados nacionais (com sua ideia mítica de nação unívoca, que tende a reprimir e negar os grupos política e culturalmente refratários aos seus ideais, bem como com seu instituto da lei & ordem, que tende usualmente a favorecer o Status Quo), assim como exemplifica bem os expedientes adotados pelo Status Quo – em democracias de massas, como o Brasil – para mistificar a opinião pública, através de estratégias midiáticas e de manipulação de discursos/sofismas (tais como o recurso ao apelo emocional para embotar a percepção do público, à omissão de informações, à “inverdade” etc.) Senão, vejamos:

hhshshsO discurso da Presidente tem a duração de pouco menos de dez minutos e pode ser dividido em três partes, contendo alguns temas e subtemas, basicamente: 1 – A Abertura, com a apresentação da tese/estratégia do governo; 2 – O Desenvolvimento, contendo os seguintes temas e subtemas: 2.1 – “Violência” (17), 2.2 – Reforma Política, com os subtemas: 2.2.1 – introdução e “conceitualização” da ideia de que “o povo brasileiro quer mais”, 2.2.2 – anúncio de medidas imediatas (pacto entre diversos setores do Status Quo, emergencialmente, o poder executivo) para a melhoria dos serviços públicos, 2.2.3 – anúncio de medidas que, bem entendido, visam reconduzir as energias das mobilizações sociais para o campo da institucionalidade, 2.2.4 – proposição genérica de uma reforma política que aponte para um aumento do controle e da participação dos cidadãos nas instituições, 2.2.5 – negação da possibilidade de uma democracia sem partidos, 2.2.6 – discussão sobre mecanismos de combate à corrupção, 2.3 – Copa de Futebol, com os subtemas 2.3.1 – abordagem do tema do endividamento da união com vistas aos investimentos na copa de futebol, 2.3.2 – insistência na proposta de aplicação de todos os royalties do petróleo na área da educação (um aparente deslocamento de tema), 2.3.3 – apelação pela garantia de um clima pacífico e hospitaleiro durante a copa de futebol e, 3 – A Conclusão, com a reafirmação da tese/estratégia do governo.

Em termos do tempo dedicado à abordagem dos temas e subtemas assim definidos a configuração é tal que, em termos proporcionais, os temas da “violência” e da reforma política configuram juntos a maior parte do discurso – cerca de um terço do tempo total de fala (por volta de três minutos) cada um, perfazendo o conjunto dois terços (pouco mais de seis minutos) da extensão da emissão -, sendo que o tempo dedicado ao tema da copa de futebol equivale a um sexto do total (um minuto e meio)!

[continua…]

Carta Potiguar

Conselho Editorial

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