Rio Grande do Norte, sábado, 04 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 3 de agosto de 2013

Ciêntistas sociais que não ajudam a ganhar combates

postado por Daniel Menezes

As ciências sociais são um troço complicado. Muitas correntes e, resumamos de um modo um tanto quanto grosseiro, pontos de vista (ou vistas de um ponto). Como diria o velho mestre, por isso são tão fascinantes.

Quando entrei no curso de ciências sociais, logo me apaixonei. É que eu era jogador de xadrez e a sociologia, e, ultimamente, a ciência política me faziam lembrar a dinâmica das muitas aberturas e defesas do milenar jogo de estratégia militar. Apesar de não se restringir a isso, nenhum praticante de xadrez entra numa partida sem dominar o início, meio e fim dos vários modos de começar e desenvolver a luta no tabuleiro. E, perdendo, deve ter frieza reflexiva para revisar a disputa e procurar entender aonde falhou.

O meu processo de formação nas ciências sociais está no início – e espero que nunca acabe. Mas isso não me impede de monitorar (ou ao menos tentar) minhas ações, meu trajeto e construir algumas parcas conclusões provisórias. Para além de outros erros – e penso que não foram poucos – um em especial vem me chamando à atenção: o desprezo com que interagi com as teorias do individualismo metodológico e da escolha racional.

A recusa não foi uma escolha escolhida por mim. Na UFRN há uma militância às avessas contra tais tendências e um conjunto de falsas questões e respostas sobre elas. Porém, ao contrário do que imaginava – e sei que outros colegas assim concebem – não se trata de uma abertura ou defesa sem força competitiva, algo muito comum na história das estratégias boladas pelos enxadristas.

Parentese: o russo Garry Kasparov, Pelé do tabuleiro, foi fortemente acusado de entregar a mundialmente divulgada partida que fez e perdeu contra um computador em troca de dinheiro. O ataque não era gratuito. Tem plausibilidade. Sendo um dos maiores conhecedores da defesa siciliana – acho que o maior –, quando jogou com as pretas utilizou a já esquecida Karocan. A suspeita foi fundamentada nessa estranha opção – se tinha meios mais eficientes, eficazes e efetivos porque partir já perdido, com uma linha com fraco poder de contra-ataque e difícil possibilidade de tomar o centro do campo, objetivo fundamental para vencer o oponente?!

Voltando. Aprendi que o individualismo metodológico, teoria da escolha racional (estou colocando-as no mesmo saco, apesar de saber que apresentam pressupostos diversos. Só quero tornar a apresentação mais inteligível), essas correntes que partem do indivíduo como recurso desencadeador da análise, eram a “Karocan” e o Marxismo a Siciliana. E por que utilizam a Karocan, já que a teoria da escolha racional tem grande aceitação em várias universidades espalhadas pelo mundo? Ora, porque existem muitos cientistas sociais como o Garry Kasparov, que se vendem para o capitalismo, não cansei de ouvir e passei a reproduzir um pouco no tolo estilo bobo alegre.

Explicar um evento usando Jon Elster (importante autor de um livro sobre a teoria da escolha racional) ou Raymond Boudon (individualismo metodológico) era, e parece ser ainda para não poucos, sinônimo de neoliberal, reacionário, conservador. Afinal, o pesquisador está se rendendo a ideologia, por suposta ingenuidade alienada ou pura má fé (ideólogo da burguesia), e esquecendo qual é a ciência verdadeiramente crítica.

Ora, nada pode ser mais falso. Ninguém é tolo de esvaziar os pressupostos políticos de uma teoria. Porém, a correlação entre neoliberalismo e o individualismo metodológico e forçosa, para dizer o mínimo. Há gente boa, produzindo coisa legal, que pode ser “instrumentalizada”, tanto pela direita, como pela esquerda, o que já ocorre, alias.

A teoria da escolha racional parte da ideia – ontológica – de que todo mundo age racionalmente, negócio complicado é verdade. Porém, apresenta forte poder ilustrativo e consegue contextualizar ambientes e a consequente inclinação de agentes com eficácia superior ao recurso da luta de classe, sobretudo, aquele alicerçado num recorte maniqueísta do mundo. Centrar nos interesses, constrangimentos e crenças, numa visão sobre “custos e incentivos” da ação, possibilita explicar, por exemplo – mas não somente –, o jogo legislativo e o modo como vereadores, deputados e senadores se inserem nele.

A intenção aqui não é estabelecer uma nova hierarquia contrária a que vigora em determinados setores da UFRN. Mas apenas tentar chamar atenção para o fato de que não é possível negar algo sem ao menos saber do que se trata, sem considerá-lo, até para recusar a partir de outro patamar.

A antropóloga Mary Douglas nos dar uma lição disso em seu livro “Como as instituições pensam”. Num profícuo diálogo com Mancur Olson, autor da impactante obra “Lógica da ação coletiva”, a aluna de Evans Pritchard finca bases para afirmar seu durkheiminianismo. Ainda assim, incorpora a noção de “mecanismo”, bastante cara a teoria da escolha racional, até para enriquecer seu arcabouço teórico-metodológico.

Direcionar o olhar para as motivações dos atores, raciocínios mobilizados a partir de impressões dadas pelo contexto, das possibilidades postas e como o encadeamento delas cria situações, não raro, não planejadas… não é sinônimo de se render ao “monstro Capital”.

E mais: desenvolve uma relação intolerante com a ciência quem concebe a teoria da escolha racional desse modo. E, se jogasse xadrez, correria o grande risco de não ganhar uma. É que não costuma vencer naquele jogo quem não racionaliza, não leva a sério, as intenções do oponente.

Daniel Menezes

Cientista Político. Doutor em ciências sociais (UFRN). Professor substituto da UFRN. Diretor do Instituto Seta de Pesquisas de opinião e Eleitoral. Autor do Livro: pesquisa de opinião e eleitoral: teoria e prática. Editor da Revista Carta Potiguar. Twitter: @DanielMenezesCP Email: dmcartapotiguar@gmail.com

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