Rio Grande do Norte, domingo, 28 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 2 de agosto de 2013

Conselho que eu não entendo pra mim é agouro! Discussões sobre ensino jurídico na OAB

postado por Jules Queiroz

Em 22 de julho de 2013, a Comissão de Ensino Jurídico da OAB/RN realizou audiência pública para discutir a formação dos novos bacharéis. Trata-se de discussão promovida em todo o Brasil pelo Conselho Federal da Ordem.

Foram tomadas diversas posições na audiência, pautada por professores e alunos das instituições públicas e privadas do Rio Grande do Norte: http://www.oab-rn.org.br/noticias/1988/comisso-de-ensino-jurdico-torna-pblico-o-relatrio-final-da-audincia-pblica-sobre-o-ensino-jurdico-no-rn.

Chamo atenção especificamente para dois encaminhamentos: “A quantidade de aulas de prática jurídica deve ser aumentada, sendo sugerido o percentual de 25% do curso; Diante da impossibilidade de se ministrar ao longo do curso todo o conhecimento jurídico disponível, as grades curriculares devem abranger apenas os aspectos gerais de disciplinas como Direito Civil e Direito Penal, possibilitando-se aos alunos a opção de cumprirem disciplinas mais específicas de acordo com sua área de formação;

O cerne dessa discussão não é novo e não é exclusivo do curso de Direito: a academia e o mercado estão afastados. Atualmente, nos cursos de Direito, cursa-se em média sete cadeiras de Direito Civil, mas apenas uma ou duas de Direito Tributário e uma cadeira eletiva de Direito Previdenciário. Ao Direito Constitucional, fundamento da democracia moderna, são destinadas apenas duas a quatro cadeiras.

Para se ter uma noção da relevância, por exemplo, do Direito Tributário no cotidiano do profissional, basta dizer que em 2011 tramitavam na Justiça Federal 3.633.434 processos relativos a execução fiscal da União e suas autarquias (Relatório Justiça em Números do CNJ – 2011).

Matérias de maior relevância no mundo atual também ficam em segundo plano: Direito Ambiental é matéria optativa na UFRN, apesar de todos os conflitos judiciais e sociais em torno do equilíbrio entre desenvolvimento e meio ambiente.

O processo eletrônico, hoje realidade na maioria dos tribunais, é estudado apenas em um momento muito curto nas disciplinas de Prática Jurídica. Matérias sobre a gestão de unidades judiciárias sequer é oferecida. Como, então, um futuro juiz aprenderá a gerir os milhares de processos que são propostos todos os dias em sua unidade?

Para os quer pretendem ingressar na advocacia, não há qualquer formação em administração financeira, de pessoal ou marketing. Esse bacharel, como irá gerir seu negócio?

A prática jurídica é outro problema. Em 90% dos casos, os estudantes se debruçam exclusivamente sobre casos de Direito de Família. Por imposição da própria OAB, ressalte-se, é vedado aos Núcleos de Prática Jurídica atuar em causas de conteúdo previdenciário e trabalhista, por exemplo. Os estudantes, caso não tenham a sorte de estagiar em escritórios ou órgãos públicos, terão uma visão extremamente prejudicada da atuação do jurista.

Certo que já há mudanças nesse ponto. A implantação da Prática Jurídica Modular na UFRN permitiu acesso dos alunos a prática de diversas outras disciplinas, ainda que em grande parte meramente simulada. Outra iniciativa da UFRN é o Escritório Popular, que lida com demandas coletivas de comunidades potiguares.

Nosso curso se volta hoje para uma realidade econômica do começo do século XX, em que escritórios atuavam em todas as matérias, sem especialização alguma (full service). Além disso, volta-se para uma economia estanque, formada por sociedades comerciais pequenas, fundadas em títulos de papel e com prazos em semanas. Nada próximo à realidade atual.

Os bacharéis recém formados sentem essa dificuldade, sendo extremamente complicado se inserir no mercado de trabalho. O desemprego desespera a maioria dos colegas, que acabam se inserindo no mercado de concursos, muitas vezes buscando vagas que nada têm a ver com a área jurídica.

Hoje os cursos de Direito não formam profissionais. Formam apenas bacharéis que, se tiverem sorte, aprenderão a ser profissionais em meio aos tapas do mercado. A discussão que a OAB fez em 22 de julho foi extremamente relevante, mas precisa ser mais profunda. O curso de Direito precisa sair da sua pose tradicional, arregaçar as mangas e entrar no século XXI.

Jules Queiroz

Procurador da Fazenda Nacional em Brasília/DF - @julesqueiroz

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