Rio Grande do Norte, sexta-feira, 03 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 9 de setembro de 2013

Karl Marx e sua família

postado por Carta Potiguar

Publicado no blog Prosa, O Globo

 

download (1)Em “Amor e capital” (Zahar), a jornalista Mary Gabriel parte de cartas até então esquecidas para retratar a vida íntima do filósofo e o papel central da esposa e das filhas em sua obra. Ela falará no Café Literário, da Bienal do Livro, sábado, às 14h.

Por que escrever uma biografia de Marx e por que agora?

Sempre tive um interesse por Marx, meu avô veio da União Soviética, mas Marx não está presente na vida dos estudantes ou mesmo no pensamento dos americanos. Quando me mudei para Londres, em 2002, estava procurando um personagem para uma biografia e então percebi o tamanho de sua presença. Os britânicos o consideravam um dos mais importantes filósofos da história. Isso me fez lembrar que sempre quis fazer algo sobre ele. Então, comecei a ler várias biografias, suas obras, tudo que havia na Biblioteca Britânica. Aí percebi que ninguém olhou para Marx como homem, só como pensador. Suas ideias foram exploradas de todos os ângulos possíveis, mas não sua vida e sua relação com a família. Comecei a ver que essa era possibilidade para um livro.

No livro, você utilizou bastante as cartas de Marx e de familiares. Como foi o acesso a esse material?

A correspondência entre Marx e Engels já foi toda editada, mas eu acreditava que deveria haver cartas escritas por sua mulher e filhas. Eu sabia que a família toda escrevia muito. Em 2002, comecei uma busca que demorou cerca de quatro anos. Essas cartas estavam concentradas em uma coleção em Amsterdã e num arquivo em Moscou, esquecidas. É difícil pesquisar na Rússia, mas tive muita sorte porque o diretor do arquivo foi muito solícito e me deu livre acesso às cartas da família Marx. Depois descobri que havia material escrito por Jenny, a esposa, em pequenos arquivos na Alemanha. Acho que fui a primeira pessoa a organizar todas as cartas em ordem cronológica. Pude ler o que eles escreveram por décadas quase como um diário. Às vezes, eu tinha a sensação de que estava no quarto com eles.

Qual o papel da esposa e das filhas de Marx na sua produção intelectual?

Eu penso em Marx como um artista que, para criar, precisa de um determinado ambiente. As mulheres no seu entorno, suas esposa, as três filhas e Lenchen (a empregada) criaram esse ambiente. Jenny foi uma parceira intelectual tão importante quanto Engels. Ela foi sua primeira leitora e era responsável por transcrever os seus trabalhos. Ela transcreveu o “Manifesto comunista” na mesa de jantar. As filhas desempenharam papel semelhante. Após a morte de Marx, Eleanor, a mais nova, foi para a rua lutar as suas batalhas. Essas mulheres não só alimentaram o seu trabalho como o ajudaram a produzi-lo. A obra de Marx é uma empreitada de toda a família.

Essas mulheres foram esquecidas?

Durante o século XX, Marx se tornou uma batata quente política, usado como propaganda para comunistas e anticomunistas. Sua história e suas ideias foram distorcidas, e essas mulheres ficaram perdidas no processo. O trabalho de Marx sempre foi visto como uma parceria com Engels, como se não houvesse espaço para mais ninguém. Isso foi parte da razão pela qual eu quis escrever esse livro, porque era como se uma enorme parte da sua história estivesse faltando.

Desde a morte de Marx houve uma grande disputa em torno de sua história, na construção de sua personalidade. Você precisou tomar cuidados para evitar estereótipos e preconceitos?

Sim, muitos. Quando lia um livro sobre ele, sempre tinha em mente quem o escreveu e quando. Houve aqueles que idealizavam Marx, outros que eram muito críticos e tentei encontrar um meio-termo. Mais importante, eu tentei deixar esses livros para trás e voltar ao que Marx escreveu, o que ele disse e seus contemporâneos disseram sobre ele. Com o tempo, ficou muito difícil definir o quem Marx realmente era e o que escreveu.

Qual foi sua maior descoberta durante a pesquisa?

Ao ler seus textos, eu, que fui criada no sistema educacional americano, fiquei chocada sobre quão moderado ele é comparado à histeria com que suas ideias são tratadas, especialmente nos EUA. Se as pessoas lessem Marx, ficariam surpresas e aprenderiam muito. Sua descrição do capitalismo e seu prognóstico sobre o que ocorreria são precisos e pertinentes para o presente. Você pode não concordar, mas é importante saber o que ele disse que o capitalismo era e para onde estava indo.

O que mudou desde que você começou a escrever o livro até a publicação?

No início, Marx estava esquecido. Já em 2005, quando estava escrevendo o projeto do livro, havia muitos protestos nos subúrbios de Paris. Para mim, eram sintomas de tensões sociais ignoradas e lembravam a Europa do século XIX. Os anos foram passando, e a história de Marx se tornou mais presente. Não se pode olhar a Primavera Árabe e não voltar ao que aconteceu na Europa, em 1848. São processos parecidos, de revoltas populares seguidas da restauração do antigo poder. Ao mesmo tempo, após a crise econômica de 2008, os próprios economistas começaram a questionar se Marx não estaria certo e ele foi reabilitado. Logo quando saía o livro.

Carta Potiguar

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