Rio Grande do Norte, segunda-feira, 06 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 28 de novembro de 2013

A Controversa Relação Entre Doutrina de Guerra e Doutrina de Segurança Pública

postado por Ivenio Hermes
Por Ivenio Hermes

Guerra Policial 01(Publicado Originalmente no Jornal De Fato/Coluna Retratos do Oeste)

Equilíbrio Oscilante

O desempenho e o equilíbrio de atitudes dentro das forças promotoras da segurança tem estado em constante oscilação, cada uma buscando seu “espaço” dentro da lógica da atividade policial. Porém, ultimamente, na guerra contra o tráfico violento, contra o crime organizado, contra as mazelas mais vergonhosas da degradação humana, o desequilíbrio decorre entre as opções doutrinárias no ensino dentro das próprias polícias, que não estando corretamente treinadas e portanto, despreparadas para o pleno desenvolvimento de suas funções precípuas, passa a ampliar os índices de criminalidade, saindo do papel de protetores e guardiões, para o papel de juízes e algozes.

Dentro das academias de polícia, principalmente as militares, via de regra, os cursos de formação se distanciam da doutrina de formar agentes promotores de segurança, falhando no papel de trazer para a sociedade uma polícia evoluída, que valorize a vida, os direitos fundamentais, a empatia com a dor alheia, e nesse desvio procura primar pela criação de combatentes de guerra, homens preparados unicamente para situações de confronto, onde a tese da sobrevivência policial é desvirtuada e pregada acima do respeito à lei.

Doutrina do Bandido Bom Bandido Morto

Falso senso de dever

A legislação brasileira, excessivamente positivada em inúmeras leis impossíveis de serem conhecidas por todos, não visa a proteção do policial, esse cidadão que supostamente estaria arriscando sua vida pela população, é mal remunerado, é mal preparado, mal treinado e parcamente reconhecido pelos seus atos. Vitimizado pelo Estado que o deixa sem o mínimo, sua sobrevivência passa a depender do companheirismo de seus colegas de força, que quando são desvirtuados, passam ensinamentos que se tornam a verdadeira doutrina policial daquele segmento e muitas vezes disseminada para outros grupos.

Os futuros policiais recebem instruções incapacitantes, que visam gastar tempo somente, já recebendo de muitos instrutores a informação de que os instruendos receberão o verdadeiro treinamento lá fora, na vida policial. Mas isso é um mito travestido de verdade quando a formação policial é imprópria para a realidade ou sem conteúdo formador.

Homens e mulheres que deveriam estar sendo treinados para prestarem um bom serviço adotando o respeito prestado e conquistado como norteador de suas condutas, são doutrinados a acharem que seu respeito é conquistado pela imposição do medo. É um ensinamento de que lá fora somente encontrarão inimigos e portanto terão que se impor pelo temor que causarem neles.

Casos Em Foco

Doutrina do Corporativismo Acirrado

Corporativismo Enclausurador

Na manhã do dia 21/11/2013 um agente da Polícia Rodoviária Federal, foi atingido por uma bala perdida quando trafegava pela alça de acesso da Linha Vermelha para a Linha Amarela. O disparo veio do Complexo da Maré, precisamente do Morro do Timbau, acertando a boca e saindo pelo pescoço do agente federal.

Em menos de duas horas após o disparo, o traficante conhecido como Naruto, de 23 anos, cujo nome real é José Renato Cabral da Silva, voluntariamente se entregou aos Policiais Rodoviários Federais que aguardavam na via expressa a chegada da perícia para o veículo de seu colega ferido.

Na hora em que se entregou para os agentes da PRF, Naruto confessou que fora o autor dos disparos, entregando inclusive o fuzil calibre 762 que usava para ser periciado. O traficante se entregou a mando de seu chefe no tráfico, Marcelo Santos das Dores, conhecido como o Menor P.

Segundo o Jornalista Cezar Alves, os bandidos conhecidos por Caveira e Gringo tentaram matar o soldado PM Ferreira, em Parnamirim/RN, que informou que os dois criminosos estariam reunindo uma quadrilha para matar policiais, para se tornarem temidos, é o uso confirmado da doutrina da guerra.

Segundo as informações fornecidas pelo Soldado PM Ferreira, ele estava dirigindo um caminhão quando dois sujeitos numa moto se aproximaram e efetuaram disparos, mas ele conseguiu se proteger e ainda conseguir recuperar a moto usada pelos atiradores.

Dentro dos cursos de formação da PRF não é a doutrina do medo que é formada, é a do respeito, pautada numa abordagem cidadã, que visa a proteção do cidadão e do próprio policial. O respeito que sua doutrina provoca, também é visto no poder de resposta imediata de suas ações contra o tráfico que se desenvolve ao longo das rodovias federais cariocas, e os criminosos sabem que não é salutar entrar em embate com uma polícia que tem o cidadão ao seu lado.

O distanciamento que as academias de polícia vem tendo em preparar o futuro policial para ser um cidadão diferente, que protegerá a outros, tem sido legitimadoras da “deformação” das condutas de agentes encarregados de aplicar a lei.

Numa guerra, o soldado é forjado para matar e intimidar, na segurança pública, o policial é treinado para deter as agressões iminentes e se impor através de comandos claros, que certamente causarão temor nos criminosos e o temor, pelas consequências do embate, como o policial.

Reflexões Finais

Doutrina da Ação Sem Emoção

Ação Baseada no Justiçamento

Menor P, ao saber que um policial havia sido atingido ordenou que seu subordinado se entregasse, por temer operações no Morro do Timbau. Mas o próprio Naruto acrescentou que atirara por ordem de Menor P, ao ver o caveirão, carro blindado da Polícia Militar, entrar na comunidade. Enquanto eram policiais militares justificava atirar? Ao atingirem um agente da PRF, seria melhor se entregar?

Já contra Ferreira não houve nenhum respeito, pelo contrário, a própria doutrina da guerra é utilizada pelos criminosos que perderam o respeito pelos policiais.

A experiência deixa qualquer profissional mais adequado às inúmeras situações que podem surgir no seu cotidiano, imagine só no serviço de segurança pública onde a rotina nunca se repete? Mas desse contexto não podemos deduzir que a formação policial se dá durante a atividade, seria leviano pensar assim. Na atividade “in loco” o policial deve se confrontar com situações que foram tangenciadas nas abordagens das diversas disciplinas que compõem sua formação, tendo a oportunidade de passar por experiências que serão complementadoras de sua formação, mas nunca, sua formação original.

Seria a doutrina de guerra criada nos cursos de formação de soldados que surtira o efeito demonstrado na atitude do Menor P? Ou seria a doutrina de segurança pública dos cursos de formação da PRF?

Um estudo mais elaborado poderia dirimir a controversa relação entre doutrina de guerra e doutrina de segurança pública, contudo, diversos exemplos do controle emocional de um policial são perceptíveis pela essência de seu treinamento. A opção do medo ou respeito como norteadoras de condutas é feita dentro dos cursos de formação policial e as academias de polícia precisam rever seus conceitos, pois a sociedade brasileira em evolução não abraça mais a conduta delinquente de certos grupos de policiais que acreditam que na imposição do medo reside o freio da conduta criminosa, pois eles mesmos tornam-se criminosos ao agir de forma preconceituosa e desrespeitosa.

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SOBRE O AUTOR:

Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Colaborador e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.

Ivenio Hermes

Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial. Facebook | Twitter | E-mail: falecom@iveniohermes.com | Mais textos deste autor

One Response

  1. Gustavo disse:

    Companheiro Ivenio Hermes, se sua titulação lhe dá o direito de ser chamado especialista em Segurança Pública, me sinto confortável em chamá-lo de companheiro, pois sou Operador em Segurança Pública, assim sendo, isso significa que nós trabalhamos na mesma área. Contudo em relação a essa reportagem, percebo que o senhor só conhece a teoria, fazer ciência sem prática, só em ensaios teóricos sem saber e conhecer a realidade dentro de uma guarnição, de uma formação policial, de uma patrulha e/ou até uma incursão policial, fica difícil discutir a temática da segurança pública e muito mais difícil ler o que o autor não conhece (a atividade policial). Não pense que essa historinha de Menor P seja verdade! A realidade e outra!

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