Rio Grande do Norte, sexta-feira, 03 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 9 de julho de 2014

Megaevento em Natal: Análises de 69 dias de Violência Homicida

postado por Ivenio Hermes

Por Ivenio Hermes

Introdução

Por se tratar de um megaevento sem precedentes em Natal e no Rio Grande do Norte, onde os exemplos mais aproximados são Carnatal e o Mossoró Cidade Junina, porém sem o apelo turístico internacional, a Copa do Mundo de Futebol precisa ser reestudada do ponto de vista da segurança pública e do controle da ordem, revendo critérios de análise e observando sua influência no entorno mais externo da capital, ou seja, as periferias, na Região Metropolitana de Natal e no interior do Estado.

Com essa premissa em pauta, podemos entender a real situação da violência homicida no Rio Grande do Norte quando da promoção de eventos que empreguem uma segurança setorizada, tendo em vista o baixo efetivo disponível, e destarte, em futuros eventos que conservem similitudes próximas, poder buscar soluções na elaboração de planos de ação.

Justificativa e Método

Com base no número de dias da duração do evento, cuja duração efetiva em Natal foram 13 dias, foi adotado um período de estudo de 39 dias, divididos em 3 partes iguais, uma precedente, a efetiva e a sucessiva, pois conservam fatores climáticos políticos, sociais similares e que influem e são influenciados direta e indiretamente na segurança pública, conforme descriminamos abaixo:

  1. Período Pré Copa (13 dias): de 30 de maio a 11 de junho;
  2. Período Copa (13 dias): de 12 a 24 de junho;
  3. Período Pós Copa: (13 dias): de 25 de junho a 7 de julho;

Cada período foi isolado para obtenção de dados, inclusive uma taxa específica de homicídios por cem mil habitantes para parametrizar com as taxas costumeiras.

Embora repleta de policiais estaduais em regime de escala extra e policiais federais mobilizados para Natal, além de policiais de outros estados a serviço da Força Nacional, o objetivo desse reforço foi gerar a sensação de segurança e promover a segurança para dois tipos de público alvo: 1) turistas e frequentadores do evento e; 2) delegações esportivas e representantes internacionais. Portanto, foi priorizada a área de abrangência do evento, o chamado “bolsão de segurança”, que compreende as vias de deslocamento, acesso e locais de eventos.

A violência homicida e criminosa em geral, ao perceber a dificuldade de ação, volta-se para áreas não priorizadas, e no caso de Natal, migrar temporariamente para as periferias e região metropolitana, e assim que terminasse o evento e houvesse desmobilização das forças extras, voltar sua sanha homicida para os locais residualmente protegidos.

Esse retorno ao local onde houve supremacia protetora estatal é impactante, principalmente porque ele remete à retomada de áreas dominadas por traficantes que precisam “impor respeito” através da demonstração de poder, e nesse meio, isso é feito através de assassinatos, alguns motivados por pendências antigas, mas que se adequam à finalidade atual.

Efeitos em Natal

Os dados fornecidos pelo estudo mostram a evidenciação do postulado anterior.

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No Período Pré Copa foram contabilizados 13 homicídios nos bairros de Natal, sendo 7 deles na Zona Norte, 1 na Zona Sul, 2 na Leste e 3 na Oeste, alcançando uma taxa de 1,59 homicídios por cem mil habitantes, sendo 7 dessas vítimas menores de 29 anos de idade. As ocorrências homicidas se elevaram para 22 no Período Copa, sendo que não houve nenhum na Zona Leste, mas mantendo 7 na Zona Norte, 1 na Zona Sul, e subindo drasticamente na Zona Oeste para 14 casos, sendo destes, 15 entre a parcela pertencente à faixa etária da juventude.

Nesse Período Copa, Natal alcançou uma taxa isolada de 2,69 homicídios por cem mil habitantes e, é importante citar, que nesse período ocorreram muitas chuvas em Natal e houve greve no transporte público, estes são fatores paralelos que contribuem para a diminuição da violência homicida.

Mas a retomada dos criminosos em suas áreas no Período Pós Copa merece destaque, pois mesmo com grande número de ações policiais, tanto da PCRN quanto da PMRN, o número de homicídios chegou a 35 casos, numa taxa isolada de 4,28 homicídios por grupos de cem mil habitantes. Foram 12 na Zona Norte, 6 na Sul, 6 na Leste e 10 na Oeste e 1 cujo local específico não foi identificado. Nesse período, a parcela de vítimas da população jovem foi de 22 casos.

Nos 39 dias analisados ocorreram 70 crimes violentos letais intencionais com taxa isolada de 8,56 homicídios por grupos de cem mil habitantes onde 44 homicídios foram de jovens menores de 29 anos de idade, ou seja, 58% do total de ocorrências.

Efeitos no Estado

Contando com um efetivo reduzido, a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social precisou de muitos esforços para reduzir o índice comum de criminalidade, até porque ocorria outro grande evento, o Mossoró Cidade Junina, que acontece todos os anos naquela cidade. Contudo, esse esforço não conseguiu deter a violência homicida no restante do Estado.

Slide11Houve uma ligeira desaceleração entre o Período Pré Copa e o Período Copa, com 54 e 59 homicídios respectivamente. O primeiro período com uma taxa isolada de 1,61 homicídios por grupos de cem mil habitantes e atingindo 63% da população jovem, e o segundo, com taxa de 1,76 e 61% da população jovem.

O crescimento em todo o estado no Período Pós Copa demonstra ser decorrente mais dos resultados do “fenômeno da retomada criminosa” na Região Metropolitana, pois o número de casos nas outras regiões se manteve dentro dos parâmetros já conhecidos, não havendo nenhuma região com números relevantes, a não ser pelas perdas de vidas que são sempre incontestavelmente valiosas.

No Período Pós Copa, foram 91 homicídios, sendo 53 (58%) de menores 29 anos de idade e taxa isolada de 2,71 homicídios por grupos de cem mil habitantes.

Se excetuarmos a parcela de homicídios ocorridos em Natal ou na Região Metropolitana, onde havia mais esforço concentrado de policiamento, os números no interior seriam bem amenizados. Sem as 70 (34%) ocorrências de Natal, por exemplo, o restante do Estado teria 134 das 204 mortes matadas registradas, e sem os 119 (58%) da Região Metropolitana, seriam 85 casos, ou seja, esses números apontam um diagnóstico que confirma a tendência criminosa de migrar para áreas menos policiadas ou parar de agir por alguns dias, para depois retornar com toda intensidade determinada pela sanha assassina.

Não havendo condições de agir no bolsão de segurança da Copa, o ímpeto criminoso contido no Período Pré Copa para observar as ações policiais e as divulgações de como e onde seria a zona protegida, para no Período Copa agir nas áreas desprotegidas ou menos protegidas, e por fim, provocar os resultados observados no Período Pós Copa.

Efeitos da Violência Diária no Estado

Um dos aspectos do estudo analisou a Violência Homicida Diária no Rio Grande do Norte nos 69 dias abrangidos.

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Para obtenção de uma linha padrão de análise, consideramos o número de 7 homicídios por dia como alerta, haja vista que atualmente estamos com uma média mensal acima de 4 homicídios por dia no Rio Grande do Norte, e a partir de 10, como os mais violentos. Esse comportamento cotidiano ficou resumido da seguinte forma:

  1. Nos 13 dias anteriores à Copa, a média homicida ficou em 4,15 mortes matadas por dia no Estado, sendo que essa média em Natal ficou em 1 por dia e houve dois dias consecutivos de alerta, 14 assassinatos distribuídos nos dias: 5 (quinta-feira) e 6 (sexta-feira) de junho, 7 em cada;
  2. Nos 13 dias da realização do evento a média subiu para 4,53 assassinatos por dia no Estado, sendo que somente em Natal aconteceram 22, portanto uma média de 1,63 por dia. Novamente dois dias de alerta ocorreram: o sábado e domingo (21 e 22 de junho), cada um com 7 dias;
  3. No primeiro final de semana após o último jogo que se realizou em Natal, ou seja, dentro dos 13 últimos dias estudados, o processo de retomada criminosa detonou o fim de semana mais violento do ano de 2014, sendo que em somente 10 horas ocorreram 10 homicídios na Região Metropolitana, isto é, uma pessoa a cada hora, como pode ser lido no artigo 10 Horas de Violência (link disponível nas referências), e no total dos dois dias foram 25 assassinatos, 11 no sábado e 14 no domingo. A estatística diária desses últimos 13 dias após a realização do megaevento e a desmobilização do efetivo de reforço policial alcançou a média de 7 assassinatos por dia no Estado, e os 35 casos só de Natal elevaram sua taxa para 2,63 homicídios por dia.

Essa mortandade foi anunciada no artigo Recortes de Uma Segurança Setorizada, (link disponível nas referências), e logo, infelizmente, como já abordado nos tópicos anteriores, ela se comprovou.

Efeitos na Vitimização

Para a observação da vitimização, estudemos os recortes por estado civil, gênero e etnia, além da faixa etária já mencionada.

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Como exemplo, podemos ver que as 204 pessoas que foram assassinadas nesses 39 dias eram 8% (17) mulheres; em 176 (86%) casos foi empregado somente arma de fogo e em 5 (2%) casos foi utilizado um meio acessório juntamente com a arma de fogo; 129 (63%) eram solteiras e 35 (17%) casadas. Menores com idade inferior ou igual a 15 anos de idade foram 7 (3%) e 122 (60%) estavam na faixa entre 15 e 29 anos de idade. E por etnia foram 134 (66%) Negros, 48 (23%) eram Pardos e Brancos foram 17 (8%).

Lembrando ainda que o intervalo abordado foi curto, 39 dias ou menos de 1 mês e meio foi o tempo necessário para mais de duas centenas de pessoas serem assassinadas no Rio Grande do Norte.

Uma apresentação de slides com outros infográficos que não foram publicados aqui e material referente a pesquisa estão disponíveis no link que se encontra nas referências.

Considerações

A capacidade de prever o futuro não está entre as características humanas, mas através de estudos e pesquisas podemos antecipar situações e tentar evita-las para o bem de todos. Esse é o único e direcionado objetivo desse trabalho, evitar perdas de vidas e contribuir para a evolução social.

O material produzido para a consolidação desse artigo e de cada um que produzimos obedece metodologias exigentes e são o resultado de muitas horas de trabalho. Ele corre paralelamente com mais de uma dezena de outros, que são disponibilizados diretamente na internet em formato menor e alguns deles serão reunidos em publicados integralmente em coletâneas. Tanto os artigos, os estudos, as pesquisas e as publicações, não visam lucro financeiro individual e nem pretendem beneficiar ou agredir nenhum grupo político, muito menos atendem à qualquer pretensão política deste autor, que não vê na vida pública e nem em cargos comissionados o menor atrativo.

Nossas instituições de segurança pública precisam de atores externos que possam contribuir para a geração de soluções, são necessárias urgentes ações que estejam além daquelas paliativas que não duram e não promovem proteção real e efetiva para a parcela da população marginalizada por suas condições sociais, e que são as que mais sofrem com a injustiça de crimes não solucionados, com a submissão aos criminosos que lhes impõem a “lei do silêncio”, que é obedecida porque o Estado não possui credibilidade para garantir-lhes o direito de expressão.

Garantir a proteção da vida dessas e de outras pessoas, resgatar-lhes o sossego deve ser o principal compromisso e a motivação para alguém ser gestor público, e na esfera da segurança, isso se aplica também a cada agente encarregado de aplicar a lei, seja qual for a carreira a que pertença.

Hoje, sete dias após termos atingido a marca de 900 homicídios, já temos 55 outros acrescentados, ou seja, 955 crimes violentos letais intencionais já ocorreram em 2014 neste estado, e isso sem considerar os “homicídios ocultos”. Que esse material e outros já publicados e a serem publicados possam contribuir para os saberes daqueles que detêm os meios de evitar a continuidade das mortes matadas no Estado do Rio Grande do Norte.

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SOBRE O AUTOR:

Ivenio Hermes é escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves, ativista de direitos humanos e sociais e pesquisador nas áreas de Criminologia, Violência Homicida, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.

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REFERÊNCIAS:

CALDAS, Marcos Dionísio Medeiros. 22 Mortes Matadas durante a Copa. Disponível em: < http://j.mp/1jStFCN >. Publicado em: 26 jun. 2014.

HERMES, Ivenio. Recortes de Uma Segurança Setorizada: O aumento dos homicídios nos 13 dias da Copa em Natal. Disponível em: < http://j.mp/1nOe61w >. Publicado em: 27 jun. 2014.

HERMES, Ivenio. 10 Horas de Violência: As Vítimas da Criminalidade Mal Combatida. Disponível em: < http://j.mp/1r0fJya >. Publicado em: 29 jun. 2014.

HERMES, Ivenio. Megaevento em Natal: Apresentação de Slides. Disponível para download em: < https://db.tt/xEqUqg0n >. Publicado em: 09 jul. 2014.

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DIREITOS AUTORAIS E REGRAS PARA REFERÊNCIAS:

É autorizada a reprodução do texto e das informações em todo ou em parte desde que respeitado o devido crédito ao(s) autor(es).

HERMES, Ivenio. Megaevento em Natal: Análises de 69 dias de Violência Homicida. Disponível em: < http://j.mp/1r9Fz0w >. Publicado em: 09 jul. 2014.

Ivenio Hermes

Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial. Facebook | Twitter | E-mail: falecom@iveniohermes.com | Mais textos deste autor

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