Rio Grande do Norte, sábado, 04 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 8 de maio de 2015

O Campeoníssimo Aroldo Fedato

postado por Rafael Morais
Foto: Autor desconhecido

Foto: Autor desconhecido

Líder e orientador dentro e fora dos gramados. “Ditava ordens dentro da área”, como descreveu o jornal Gazeta do Povo, em 1944, após mais um jogo pela Seleção Paranaense. Disciplinado, exemplar e admirado. Apaixonado pelo futebol e sobretudo e mais um pouco pelo Coritiba, onde construiu sua história. Um campeoníssimo no sentido poético da palavra. Esses são os adjetivos mais simples para apresentar esse craque que eu não vi jogar. Esse foi Aroldo Fedato (1924-2013).

O nome pode ser desconhecido para você ou para a imensa torcida brasileira. Fedato jogou numa época em que os clubes adotavam o esquema dois-quatro-cinco, com muitos atacantes. Zagueiro não passava da meia-cancha e pouco aparecia.

Descendente de italianos – ou Polacão, como se entendia – nascido na cidade de Ponta Grossa, interior do Paraná, mudou-se com os pais, ainda criança, para o bairro do Alto da XV, em Curitiba. Na infância, jogava futebol com uma bola de meia – fato raro de se ver nos dias atuais, onde toda criança agora tem a sua Cafusa ou Brazuca bonita e bem desenhada.

Sempre foi craque. Era o melhor defensor do campo do Caetano, na esquina das ruas Almirante Tamandaré e Fernando Amaro, onde hoje só se vê condomínios residenciais e prédios comerciais. Defendia as traves feitas com galhos de árvores.

Aos quinze anos de idade, jogando ainda no campo do Caetano, foi notado – para ao bem do futebol paranaense – e convidado por Altair Cavalli para atuar no quadro juvenil do clube. Jogava na posição de centroavante. Certo dia, o zagueiro central Laerzio Campeli brigou com o técnico e foi jogar no rival Atlético. Por ser alto e forte, o técnico não pensou duas vezes, escalou Fedato na zaga. Sem saber, estava transformando aquele garoto num dos maiores e melhores zagueiros do futebol brasileiro.

Com a camisa principal do Coxa, nosso craque que eu não vi jogar estreou em 1943. Durante quinze anos “foi a maior figura do gramado”, como repetiram diversas vezes os cronistas esportivos da época nas páginas da Tribuna do Paraná. Até hoje é o número 2 mais famoso do estádio Belfort Duarte – atualmente chamado Major Couto Pereira.

Líder e capitão absoluto do Coritiba e da seleção do Paraná, desde o início se tornou um ídolo venerado por todos. Sempre puxando a fila de craques rumo aos espetáculos no Belfort Duarte. Não era fácil vencer o capitão por cima. Diziam que pulava mais alto que as arquibancadas. Um relato antigo da Gazeta do Povo dizia que “se o Coritiba tivesse na defesa cinco Fedatos, seria campeão do mundo”.

Foi no alviverde curitibano que Fedato conquistou suas maiores glórias. Entre 1943 e 1958, foi campeão paranaense sete vezes (1946, 1947, 1951, 1952, 1954, 1956 e 1957). Daí o adjetivo Campeoníssimo – inexistente no dicionário – citado por mim no primeiro parágrafo em tom poético. Até hoje, Aroldo Fedato é o jogador do Coritiba que mais venceu títulos estaduais, recorde que dificilmente será alcançado, visto que a fidelidade dos jogadores modernos em raros casos ultrapassa a marca 365 dias.

Durante o período em que atuou, foi integrante de todas as convocações às seleções paranaenses de futebol, num período em que as competições nacionais se resumiam a torneios entre selecionados estaduais. Vestindo o verde – tanto o Coxa, como a seleção usavam essa cor – era considerado um gentleman de chuteiras. Em 1951, foi agraciado com o prêmio Belfort Duarte, dado a atletas que se destacavam pela disciplina em um período de quatro anos e mínimo de 80 jogos sem levar cartões.

Infelizmente, como não vivi àquela época, só me resta idealizar tudo isso através daqueles dois álbuns de recortes de jornais e fotografias, preservados por Fedato com muito cuidado e sentimento. Retratos de uma carreira brilhante e repleta de boas histórias.

Aliás, uma carreira movida pelo amor ao esporte e ao clube, desvinculada de interesses financeiros, uma vez que sua maior fonte de renda advinha da profissão de contador, a qual exercia com tanta maestria como quanto adentrava nos campos de futebol. E foi esse amor que fez Fedato ser jogador de um único clube e recusar contratos com grandes times, como o Botafogo, o Fluminense, o Corinthians e a Ponte Preta.

Talvez por isso, nosso craque não tenha conquistado uma vaga na Seleção Brasileira que disputou a Copa de 1950. Fedato chegou a ter seu nome cogitado, mas foi preterido pelo treinador Flávio Costa, que acumulava a função no Vasco e na Seleção. Ninguém confirma, mas comentam que Flávio Costa desistiu de convocá-lo após assistir uma, apenas uma, partida ruim de Fedato em um amistoso casual entre Coritiba e Vasco. E eu aqui lamentando não ter visto sequer um jogo de Fedato.

E a carreira do número 2 mais famoso do Paraná também teve uma passagem internacional. Em abril de 1948 ele assinou um contrato de compromisso com o Botafogo. Passou um mês disputando amistosos na Bolívia. Foi destaque na defesa carioca e recebeu apelido da imprensa boliviana que acabou eternizado em sua história: o Estampilla Rubia.

“O termo Estampilla costumava ser usado nos países hispano-americanos para designar os defensores que grudavam no atacante adversário, como um selo, e não permitiam que este jogasse. Com os cabelos claros (Rubia), loiro para os padrões locais, o zagueiro paranaense marcou com tal perfeição o centroavante Caparelli, considerado o melhor atacante da Bolívia, que fez jus ao elogioso apelido”.

Em 1957, já como o Campeoníssimo ou Estampilla Rubia, Fedato decidiu pendurar as chuteiras para se dedicar a profissão de contador. Não durou muito. Voltou depois de receber uma carta com um abaixo assinado de 495 assinaturas, entre torcedores, funcionários e diretores do Coxa, que dizia “Volte! E volte já”! Fedato voltou. Recolocou as chuteiras e conquistou mais um título paranaense, o último de sua trajetória nos campos.

Se aposentou em 1958, aos 34 anos de idade e quase vinte anos de Coritiba. Quem viu, vibrou, como referendou o Diário do Paraná: “Somente quem presenciou Fedato jogar domingo pôde sentir o amor, o apego, a dedicação de um verdadeiro atleta pela camisa que veste”. Foi um verdadeiro atleta. Que bom que ainda posso te ver na orelha de um livro, dominando a bola com a intimidade de quem nunca a quis largar um só segundo da vida.

Depois, mesmo afastado dos gramados, Fedato não conseguiu ficar longe do time do coração. Foi contador, treinador e diretor social do Coritiba. E continuou aflorando sua paixão pelo esporte. Por algum tempo se arriscou como colunista de um jornal. Mais tarde, virou empresário do ramo esportivo, comandou uma rede de lojas de artigos esportivos que por muitos anos foi a maior da região.

Aos 88 anos, Aroldo Fedato faleceu em decorrência de problemas respiratórios. Deixou um livro escrito e uma carreira esculpida em detalhes nobres e especiais. Como escreveu a revista Placar em 1979, Fedato é o maior patrimônio do futebol paranaense. E acrescento, foi um baluarte do futebol brasileiro. Um gentleman. Um Campeoníssimo que pede licença para entrar nesse time de craques que eu não vi jogar.

Rafael Morais

Comunicador Social pela UFRN. Experiência em assessoria de imprensa esportiva e atuação em televisão. Áreas de interesse: literatura e esportes em geral, com ênfase no futebol como a "teatrialização das relações humanas".

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