Rio Grande do Norte, sexta-feira, 03 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 13 de junho de 2015

Mandando o Rei e o Furacão “práquele lugar”

postado por Rafael Morais

pele1Nunca tive muita intimidade com a bola. Sei jogar, sou esforçado. Um operário dentro de campo. Sei exatamente o que e como, mas na prática pouco ou nada sei fazer. Quando arrisco uma partida, percebo que sou muito mais eficiente com as palavras do que calçando chuteiras e meiões.

Mas nem por isso abro mão de desfilar minha habilidade com a perna canhota – único dom que coube a mim – nos gramados que me aceitam. Jogo sim e não estou nem aí para os craques de pelada que esbravejam por um lance perdido, um passe errado ou uma furada na defesa, que gerou um gol do time adversário. Na maioria das vezes, ignoro.

Mas isso me lembra de algo que li na biografia da Bruxa, Marinho Chagas, dia desses. Era um domingo de Maracanã – o teatro dos maiores artistas do futebol, como o próprio Marinho intitulou genialmente. Em campo, Botafogo e Santos pelo campeonato brasileiro de 1972. Era a estreia do Diabo Louro, até então apenas mais um nordestino ou Paraíba, pelo time carioca.

Naquele dia, Marinho Chagas largaria o anonimato para ser estrela no eixo dominante do futebol brasileiro. Até então, sua carreira se resumia a suas várias peladas nas Sete Bocas, no bairro do Alecrim, e uma ascensão meteórica, passando pelo pequeno Riachuelo (time formado pela Marinha do Brasil), e os tradicionais, mas pequenos, ABC de Natal e Náutico de Recife. Àquela época, o futebol nordestino não possuía tanta visibilidade como em dias atuais.

Mas o fato é que naquele dia 9 de setembro, há mais de quarenta anos, Marinho adentrava em campo ansioso. Se já era um sonho de criança jogar no mais tradicional estádio do mundo, avaliem a emoção quando o galego do Alecrim viu do outro lado, mas lado a lado, o Rei, sua majestade, Pelé.

Marinho disse a Luan Xavier, autor de sua biografia, que quase chorou ao ver o Édson mais famoso do mundo – mais até que o Thomas, o inventor – cara a cara. Emocionado, mas não nervoso. A Bruxa era diferente, bastava entrar em campo e jogar. Jogar futebol ele tirava de letra, matava no peito e partia irresponsavelmente pro ataque – pro desespero dos zagueiros Brito, Osmar e Djalma Dias, seus companheiros de defesa.

Era um atacante jogando na lateral-esquerdo. Era ousado pra sua época. Pirado da cabeça. Naquele jogo, marcou definitivamente seu nome na memória do futebol. Em dois lances, mostrou que chegara para ser ídolo. No primeiro, aplicou um lindo chapéu em Pelé. Depois, passou a perna em Jairzinho, o Furacão da Copa, cobrou uma falta quando o jogo insistia no 0 a 0 e marcou um golaço. Nos dois lances, quando foi enquadrado pelos craques consagrados, a despeito de tomarem satisfação pelos atos impensados daquele menino de 20 anos que acabara de entrar no time, mandou-lhes dois sonoros “vai tomar no cú”.

O Diabo Louro, o Canhão do Nordeste ou a Bruxa ainda não era o lateral-esquerdo titular da seleção brasileira. Era apenas mais uma jovem promessa, que acabara de chegar ao Rio, desconhecido, mas que mesmo assim tivera a coragem de mandar os dois maiores jogadores do tricampeonato mundial de 1970 “praquele lugar”.

Voltando a 2015, essa semana, na pelada de quinta com os amigos, estava eu jogando de lateral-esquerdo – longe da genialidade, habilidade e ousadia de Marinho, mas compensando pelo esforço de ajudar minha equipe – e eis que, no final da partida, nosso zagueiro comete a ousadia de abandonar o campo aos berros, reclamando de todos.

Já que é assim, se Marinho teve o arrojo, num jogo só, de mandar o Rei e o Furacão da Copa “tomarem vergonha”, por que eu não posso mandar esse zagueiro também?

Então tá! Vai tomar no cú, Jajá!

Rafael Morais

Comunicador Social pela UFRN. Experiência em assessoria de imprensa esportiva e atuação em televisão. Áreas de interesse: literatura e esportes em geral, com ênfase no futebol como a "teatrialização das relações humanas".

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