Rio Grande do Norte, sexta-feira, 03 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 11 de julho de 2015

Na UTI da bola

postado por Rafael Morais

imagesComo nos fala o jovem escriba natalense, Carlos Fialho, recordar é reler. Então, sem pestanejar, para recordar alguns escritos de um mestre com a bola nos pés e gênio com as palavras no papel, decidi reler o livro “Sócrates, Brasileiro”, as crônicas do Doutor em Carta Capital.

Reli e descobri que toda essa discussão em torno da crise do futebol brasileiro não é algo tão do presente. Na verdade, tudo que lemos, escutamos e assistimos atualmente, já era alvo de criticas e relatos de Sócrates muito antes da nossa Seleção virar uma ilusão tingida de verde e amarelo e um sambinha de uma nota só, com a batucada de um Neymar desequilibrado.

Em 2 de julho de 2003, menos de um ano após a conquista do pentacampeonato na Copa da Alemanha, o Doutor já nos alertava que “seria de bom tom que tivéssemos mais cuidado para com essa jóia”. A jóia que ele se referia, era a nossa Seleção, a qual ele classificava como “uma entidade fundamental para a nossa identidade nacional”.

Mesmo após a glória de sagrarmos o melhor selecionado do mundo, em 2002, Sócrates já pressentia que não éramos mais o bicho-papão de tempos atrás. Que já estávamos mais fracos do que nunca. Que muitos países já nos enfrentávamos sem nenhum temor. Mais ou menos o que hoje podemos afirmar estar consolidado. O que todos afirmam com absoluta razão, mais de uma década depois.

E o melhor de tudo. O Doutor já conhecia a principal razão que provocava a decadência do jogo brasileiro. “A questão principal não se encontra no campo de jogo e sim nos escritórios que abrigam a nossa inoperância administrativa”. Dizia, já naquela época, estarmos entregues em mãos incompetentes e corruptas. E não movemos um dedo para corrigir nossas mazelas.

Deixamos nosso jogo preferido, antes uma atividade lúdica e outrora amadora, que deixou pra trás a magia do tempo que o futebol ainda era jogado de chuteiras pretas e, que de repente se transformou num negócio multibilionário e de interesses muitas vezes escusos, entregue a homens que preferiram trocar a bola de futebol por uma de chumbo pesada, como de prisioneiros. Que optaram vestir as cores do time dos desmoralizados.

Inclusive, Sócrates consegue, antes que todo mundo, explicar as possíveis causas da decadência de qualidade dos craques brasileiros. Segundo ele, “nossa estrutura esportiva jamais se preocupou com a capacitação dos mais variados profissionais que nela estão inseridos. Não existe o mínimo grau de exigência para quem queira trabalhar no meio. A maior parte dos que nela professam são pessoas despreparadas”. E completa: “Ora, se os professores que temos não possuem habilitação, como imaginar alunos qualificados?”.

E adivinhem quem ele responsabiliza por essa política de categorias de base que cada vez mais nos enfraquece e nos manda para o fundo do poço?! “É claro que o nascedouro de tudo encontra-se nas sedes da Confederação e das Federações, e na forma como elas são conduzidas”.

As mazelas do futebol brasileiro se proliferaram como uma doença que toma conta de todo o corpo de um paciente já bastante debilitado. Estamos na UTI da bola. Precisamos adquirir recursos humanos de maior qualidade, para que um dia consigamos recuperar o prazer do jogo bem jogado. Em tempos de reflexões, precisamos aceitar que agora somos inferiores e que necessitamos de mudanças profundas em nossas estruturas organizacionais. Doze anos se passaram, há quatro o Doutor seguiu seu destino em outro plano e até hoje não lhes deram ouvidos suficientemente. A bola está mais surrada do que nunca.

Rafael Morais

Comunicador Social pela UFRN. Experiência em assessoria de imprensa esportiva e atuação em televisão. Áreas de interesse: literatura e esportes em geral, com ênfase no futebol como a "teatrialização das relações humanas".

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