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Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 12 de dezembro de 2015

O triunfo da pequena política

postado por Carta Potiguar

Por Homero de Oliveira Costa – professor de departamento de Ciências Sociais da UFRN

No início de 2007, o economista e professor da Universidade de São Paulo (USP), Francisco de Oliveira, publicou na revista Piauí um artigo intitulado “Hegemonia às avessas”. Nele, o autor faz uma análise sobre os resultados das eleições de 2006 para quem “Um dos resultados formidáveis da eleição, incluindo os pleitos para os Estados e a renovação do Congresso, foi à salada de coligações e coalizões (…) siglas de suposta orientação ideológica oposta uniram-se indiscriminadamente com toda espécie de agrupamentos (…)”, análise que me parece, são válidas para os pleitos de 2010 e 2014 e usa o termo “hegemonia às avessas” se referindo à chegada (2002) e continuidade (2006) de Luiz Inácio Lula da Silva na presidência da República.

Para ele, vivia-se no país uma situação paradoxal: a classe trabalhadora supostamente governava  com o Partido dos Trabalhadores no poder, mas na prática,  realizava o programa da grande burguesia. Assim, paradoxalmente, uma hegemonia burguesa liderada pelo PT.

Pouco tempo depois,  Carlos Nelson Coutinho (UFRJ) publicou o artigo “A hegemonia da pequena política” argumentando que vivíamos não uma “hegemonia às avessas”, mas uma “hegemonia da pequena política”  e que essa hegemonia significava “o predomínio crescente de uma prática que limitava o horizonte estratégico da política, convertendo-a em mera técnica para a obtenção de eventuais maiorias parlamentares”.

17814973O autor fundamenta-se no pensador italiano Antônio Gramsci, para quem a grande política trata de grandes questões sistêmicas, o embate entre projetos políticos distintos, enquanto a pequena política “reduz os conflitos às escaramuças parlamentares e às lutas pelo predomínio no interior de uma estrutura já estabelecida”. Não há luta por projetos distintos de sociedade,  mas a luta pelo poder,  circunscrita aos limites da conjuntura. Para Carlos Nelson “Existe hegemonia da pequena política” quando a política deixa de ser pensada como arena de luta por diferentes propostas de sociedade e passa, portanto, a ser vista como um terreno alheio à vida cotidiana dos indivíduos, como simples administração do existente. (…) e é por meio desse tipo de redução que se desvaloriza a política enquanto tal que se afirma hoje a quase incontestada hegemonia das classes dominantes.

O triunfo da pequena política se expressa, entre outros aspectos, em eleições nas quais “nada de substantivo está posto em questão”. Mas é no cotidiano que a pequena política se faz presente e creio que os episódios recentes na política brasileira, com o acolhimento do pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o comportamentos dos partidos políticos no parlamento, ilustra por perfeição o triunfo (e hegemonia) da pequena política. A motivação do presidente da Câmara não foi como prevê a Constituição, crime de responsabilidade, mas uma simples retaliação em função da decisão de deputados de PT do Conselho de ética da Câmara de votar contra Eduardo Cunha. Havia rumores de que o PT iria votar em favor de Cunha, em troca da não aceitação do pedido de impeachment. Mas não foi isso que ocorreu.

É claro que a pequena política não se resume a esse episódio. Faz parte do cotidiano da política partidária brasileira, nos estados e municípios. A formação de maioria nas câmaras municipais e assembleias legislativas se formam no contexto de um sistema político construído com base no fisiologismo, na troca de favores, cargos etc.. O grande dilema é que há hoje um Executivo ocupado por um governo eleito sob o signo da mudança, mas que adota uma política econômica que abandona o programa que lhe propiciou a vitória e, necessitando construir uma base de apoio no Congresso, abdica da grande política e agora “padece no calvário” da pequena política num contexto de uma “artilharia” monotemática vindas principalmente da grande mídia, com seu explícito partidarismo, e na vanguarda do conluio golpista contra a presidenta, alimentando um clima de ódio, intolerância e radicalização política. É o triunfo da pequena política

 

 

 

 

 

Carta Potiguar

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