Rio Grande do Norte, segunda-feira, 06 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 10 de novembro de 2016

Sr. Presidente: vamos falar honestamente sobre as ocupações?

postado por Carta Potiguar

Por Stanley Medeiros*

No último dia 08 (08/11/2016), em seminário de infraestrutura promovido pela Confederação da Indústria, o “Presidente” Michel Temer criticou o atual movimento de ocupações das escolas públicas brasileiras. Em certo tom de ironia, o “Presidente” sugere que os milhares de estudantes brasileiros que criticam as propostas do governo o fazem “sem discutir ou ler [os textos]”. Mas não para por aí. O “Presidente” ainda sugere que, atualmente, no país, o “argumento intelectual” foi substituído pelo “argumento físico”. Também foi possível ouvir belíssimos trechos de valiosa sabedoria, tais como “precisamos aprender, no país, a respeitar as instituições”, ou que o fato de não respeitá-las “cria problemas”.

Ora, na condição de professor e, especialmente, na condição de eterno estudante que sou, sinto-me convidado a entrar no debate e responder a Vossa Excelência. Primeiramen… eh… Digo… Em primeiro lugar, seria interessante para Vossa Excelência, na condição de Chefe de Estado e de suposto articulador de interesses dos vários segmentos de nossa sociedade, receber, em Vosso imponente, moderno e sólido palácio, representantes do movimento estudantil. Até o momento, não me recordo de que Vossa Excelência o tenha feito.

Na verdade, meu caro “Presidente”, imagino que Vossa Excelência possa concordar com a tese de que, no intuito de obter o máximo de informações sobre matérias públicas, um cidadão deve não apenas ler as peças legislativas de seu interesse e de interesse nacional: ele deve, sempre que possível, acompanhar, in loco, os debates sobre tais peças, bem como suas respectivas seções de votação.

Infelizmente, meu caro “Presidente”, isso não está sendo possível: no dia 25 de outubro deste ano, em Brasília, estudantes, professores, servidores públicos e diversos outros trabalhadores foram proibidos de acompanhar o segundo turno de votação da PEC 241 (atual PEC 55). Digo isso com muita “convicção”, meu caro, pois estava lá. Estava lá, sendo proibido de entrar. Estava lá, logo abaixo da placa da casa legislativa, que dizia: “Esta Casa também é sua”. A propósito: Vossa Excelência por acaso saberia informar se a página eletrônica da PEC, isto é, aquela disponível no sítio eletrônico da Câmara Federal, estava fora do ar naquele dia?

Então vejamos, Vossa Excelência. Se o movimento estudantil está mal informado – já que não lê os documentos nem acompanha, adequadamente, as movimentações das casas legislativas –, não seria dever do poder público informá-lo? Não seria, por sua vez, Vosso dever chamar os estudantes para o debate? Não seria Vosso dever, na condição de Chefe de Estado, demonstrar, antecipadamente, predisposição para o diálogo? Sinceramente, “Presidente”, não creio que tenhamos evidências suficientes para atestar tal predisposição. Na verdade, suas afirmações de hoje sugerem exatamente o oposto.

No intuito de contribuir com o debate, entretanto, minhas considerações não param por aqui. Que os estudantes estão muito bem informados, Vossa Excelência poderá descobrir por si mesmo: basta visitar uma ocupação. Tenho certeza de que o Senhor “Presidente” será surpreendido pelo altíssimo grau de mobilização, responsabilidade e politização de muitos desses jovens. Mas considerando que, talvez, o precioso tempo de Vossa Excelência não permita tais visitas, o Senhor “Presidente” poderia chamar a aluna Ana Júlia Ribeiro para uma boa conversa sobre o tema. Ela vai esclarecer Vossa Excelência acerca de quão os estudantes desse país sabem a respeito da PEC 55 e da MP do Ensino médio – MP746.

Já que estamos debatendo sobre a “falta de informação”, creio que a melhor fonte de informação acerca das ocupações seja aquela proveniente de um (a) ocupante ou, ainda melhor, das lideranças desses ocupantes. Nesse sentido, Vossa Excelência demonstraria grande respeito e interesse pelos atuais problemas de nosso país se acolhesse esses jovens em Vossos jantares, ou enviasse, ao menos, pedidos ao legislativo para que tais estudantes possam, de fato, frequentar “A Casa do Povo”.

A falta de informação é, assim concordo, um grave problema no Brasil. Principalmente, a falta de informação de qualidade – isto é, não-tendenciosa e não-manipulada. Mas Vossa Excelência não precisa se preocupar com isso: existem diversos segmentos da sociedade que estão trabalhando com afinco para suprir essa lacuna: mídia internacional, mídia independente, movimentos sociais, professores, juízes, advogados, médicos, economistas e tantos outros profissionais e trabalhadores – todos tão caros ao nosso país. Não posso deixar de mencionar, ainda, que instituições como o FMI também estão bem cientes das consequências de um ajuste fiscal nos moldes que Vossa Excelência propõe – o Senhor “Presidente” pode acessar um dos estudos aqui[1].

Também não consigo deixar de expor minha preocupação com a afirmação de Vossa Excelência de que “o argumento físico” está se sobrepondo ao “argumento intelectual”. Primeiramente, como professor de lógica informal e argumentação, gostaria de esclarecer que não existe nada que possa ser chamado, ao menos em sentido técnico, de “argumento físico”. Um argumento é feito de linguagem. Um argumento é um conjunto de sentenças: umas são as premissas, outra, a conclusão; as premissas funcionando como razões (ou supostas razões) para a conclusão. Ao ocuparem fisicamente as escolas na tentativa de reivindicarem seus direitos e de serem ouvidos pela sociedade, esses jovens expressam, de forma SIMBÓLICA, uma posição POLÍTICA. Posição que, ao que parece, é ignorada por Vossa Excelência – tanto em significado quanto em extensão.

Entretanto, para que não pareça obtuso, sou obrigado a concordar com Vossa Excelência quando fala da importância do respeito às instituições. De fato, quando elas são violadas e não há garantias jurídicas sobre temas de interesse republicano e nacional; quando movimentações nas casas legislativas podem gerar alterações em disposições transitórias que, segundo estudos[2], violam cláusulas pétreas do texto constitucional; quando, em medida esperada e curiosamente em consonância com a atual tendência coercitiva do governo, um Supremo Tribunal Federal decide a favor de medidas que restringem o direito de greve dos servidores públicos; quando estudantes de escolas públicas são severamente criticados sem ao menos terem sido adequadamente ouvidos pela grande mídia e por Vossa Excelência; certamente, alguns poderão sustentar que, nesses casos, as instituições e os direitos supostamente garantidos por elas estão sendo profundamente desrespeitados.

Se Vossa Excelência também pensa assim, certamente estamos de acordo nesse ponto.

 

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  • Sobre o autor: STANLEY MEDEIROS é Professor de Filosofia do IFRN. Doutor em Filosofia. Interesses: Lógica informal, argumentação e filosofia política).

 

 

[1] https://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/2016/06/pdf/ostry.pdf.

[2] https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/boletins-legislativos/bol53.

Carta Potiguar

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One Response

  1. Matheus Felipe disse:

    Esse foi sem sombra de duvida um dos melhores(talvez o melhor) texto que eu tenha lido nos últimos meses. Concordo com todos os pontos colocados no texto.
    A juventude tem que ser ouvida sim, chega de julgamentos precipitados. Todo o apoio seja dado as ocupações e aos atos do movimento estudantil.

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