Rio Grande do Norte, sexta-feira, 03 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 26 de março de 2020

UMA “GRIPEZINHA”: A nova política de morte contra os mais vulneráveis

postado por Mateus Venceslau

No dia 24 de março, o presidente da República Jair Messias Bolsonaro fez um pronunciamento que podemos chamar de uma defesa da política de morte, justificada por uma visão economicista. Não demorou muito para que as panelas fossem às janelas durante seu pronunciamento, pois agora, além de defender a tortura e a violência, o presidente defende que pessoas morram para não parar a economia, tendo em vista que segundo ele o Covid-19 é uma simples gripezinha. Em seu discurso é evidente que o lucro está acima das vidas e que seu governo não está nem um pouco preocupado com o povo brasileiro, mas apenas com ganhos próprios, não há nada de irracional em seu discurso, muito pelo contrário.

Diante da situação de prova que se encontra o governo brasileiro, a pandemia do coronavírus mostrou mais uma vez que Bolsonaro não só é um governante incompetente e irresponsável em suas funções, mas também um covarde em reduzir tal crise mundial de saúde a uma simples “gripezinha” culpabilizar a mídia como gerar pânico. Seu discurso vai na contramão de agências internacionais como a OMS, mais uma vez mostrando seu negacionismo, negando a ciência e demais especialistas da área.

Até o dia 25 de março já se soma 21 mil mortes pelo Covid-19 pelo mundo todo, enquanto países estão em desespero para salvar vidas e reduzir a curva de crescimento da disseminação do vírus, Bolsonaro debocha da situação e defende sobretudo que o isolamento é uma medida radical e que os brasileiros deveriam voltar aos seus trabalhos, pois para o presidente a economia é mais importante que as mortes que uma “simples gripezinha” pode causar em um país com 210 milhões de habitantes. Algo em torno de 478 mil mortes segundo estudo recente publicado no domingo feitos por pesquisadores da universidade de Oxford, intitulado “Demographic science aids in understanding the spread and fatality rates of COVID-19” (A ciência demográfica ajuda a entender as taxas de propagação e mortalidade do COVID-19), segundo o site The Intercept Brasil o estudo ainda é preliminar e ainda será discutido pela comunidade científica nos próximos dias, mas o que o estudo se propõe a mostrar é mostrar informações de interesses emergenciais tais como o da pandemia.

Mas o que essa pandemia mostrou ao Brasil é que provavelmente temos outro problema maior que não o covid-19, mas sim o presidente da República que tem se mostrado mais letal para seu povo do que o vírus que assola os países do globo.

Quero assim dizer, no presente texto, que o pronunciamento não teve nada de irracional em seu discurso, pelo contrário, Bolsonaro buscou justificar de maneira racional a morte de milhares de brasileiros. O seu discurso economicista não é novo, boa parte do nosso pensamento social brasileiro se funda com essa visão, de um Estado profano e um mercado sagrado, onde o desenvolvimento econômico resolveria nossos males sociais. A crença fetichista no crescimento econômico para diminuir as desigualdades e desenvolver a nação apenas ganhou a radicalidade extrema em seu governo. Seu governo se mostra sedento por dinheiro.

Não é preciso ir longe para encontrar discursos que buscam justificar a morte de pessoas a partir de um argumento racional, principalmente na realidade brasileira, onde temos um Estado necropolítico, decidindo quem vive e quem morre a partir de uma falsa política de combate as drogas que abate apenas jovens pobres e pretos da periferia, tal política de extermínio busca na justificativa de estar combatendo o tráfico de drogas a sua razão para matar. Quem assiste noticiários ou acompanha sites locais pode perceber o espetáculo produzido com as mortes, todos em sua maioria justificam as mortes ocorridas com uma simples frase “o assassinado era envolvido com tráfico de drogas”, ou “tinha passagem pela polícia”, ora uma afirmação dessas promove a ideia de que por estarem envolvidos com o crime mereciam morrer ou que suas vidas importam menos e por isso não são passíveis de luto.

Foda-se! se eram inocentes ou não, tal discurso busca retirar toda a culpa do Estado da negligência e abandono dos mais vulneráveis, quando na verdade o Estado deveria amparar, ele culpa os indivíduos pela sua desgraça em vida. Há no Brasil, não só pelos seus políticos, mas também pela própria população a tentativa de minimizar as mortes ou justificar casos de mortes violentas ou de tortura.

Mas aí o leitor se pergunta, o que isso tem a ver com o pronunciamento do presidente da República? Encontramos em seu pronunciamento o mesmo pressuposto do que foi mencionado acima, o de buscar justificar e minimizar a partir de argumentos racionais milhares de mortes, colocando a culpa nos indivíduos. A fala do presidente apenas deixou de maneira mais explícita e direta o imperativo da economia acima das vidas de milhares e milhões de brasileiros, porque os idosos e demais pessoas do grupo de risco não importam. Após o pronunciamento não demorou muito para seus defensores tal como o dono da Madero Junior Durski defender a morte de milhares de brasileiros argumentando de que a economia não pode parar por causa de 5 ou 7 mil mortes. Ora não é muito de se esperar que discursos como esses surgissem, como se não já morressem milhares de brasileiros todos os anos em decorrência de políticas neoliberais, só em 2019 foram 41.635 mortes segundo o site G1 em parceria com NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo) isso mesmo, mais de 40 mil brasileiros assassinados no ano passado, sem contar as mortes por falta de atendimento básico pelo sistema de saúde.

O discurso do presidente da República aliado as políticas do ministro Paulo Guedes colocam a economia acima de qualquer coisa, ao argumentar que independente das mortes a economia não pode parar. Desde o início de sua campanha era perceptível seu desprezo pela população, sobretudo com as classes populares e buscando apenas interesses próprios. Ele humilha nacionalmente sua própria população, além de vexames internacionais pela falta de postura com o cargo que ocupa. Não há em seu governo programas de assistência social para os mais vulneráveis, pelo contrário, há um desmonte das políticas públicas que são voltadas para ajudar as classes populares, retirando de milhares de brasileiros os programas sociais que garantem o mínimo para sobrevivência dos esquecidos, pois viver em um país tão desigual chega a ser privilégio.

Desse modo, o desgoverno mata cada vez mais brasileiros pobres, que não são considerados nem gente, mas subgente, objetos descartáveis. Pois, os mais afetados pelo coronavírus não é apenas o grupo de risco como os idosos e pessoas com problemas crônicos de saúde, mas também a população mais pobre que em muito dos casos não tem condições mínimas para prevenção e tratamentos de saúde, além da falta de atendimento básico pelo sistema de saúde. Isso é a realidade de mais de 1/3 da população brasileira que trabalha hoje para comer amanhã, que não tem o básico para viver, muito menos acesso a saúde de qualidade.

O ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta argumenta que o isolamento social é para adiar o colapso do sistema de saúde que ocorrerá em abril, é interessante notar que o colapso do sistema de saúde seria para quem, para a população que a anos já enfrenta congestionamentos para o atendimento de demandas básicas de saúde ou para a implosão do sistema de vez?

Ao que tudo indica nesses posicionamentos do governo frente a pandemia é que se desconhece a realidade da população, para eles não há desigualdades. Existe um completo esquecimento dos mais afetados pelo vírus que são as populações de periferia, aonde falta água para lavar as mãos, aonde pessoas não podem parar de trabalhar, pois se não morrem de fome, o isolamento parece algo impossível para eles. É, na afirmação do presidente da República de que não pegaria o vírus e que se pegasse seria no máximo uma “gripezinha” porque ele é um atleta, dá a entender que ele busca colocar  a culpa na população, de que morrer em decorrência da covid-19  seria por falta de cuidados com a saúde.

Em texto recente, publicado no Blogsociofilo intitulado “Covid-19, crônica de um surgimento anunciado” notas sobre a pandemia por Philippe Sansonetti, discorre em uma palestra dada no Collège de France sobre a covid-19. Ele vai destacar em um trecho de sua fala que as autoridades de saúde estão confrontadas com três principais opções de enfrentamento do vírus, a primeira, a medida mais cínica, é a de expor a população ao vírus para que com o tempo a epidemia acabasse naturalmente e a população criasse imunidade o que a longo prazo traria graves consequências; segunda opção é a adotada pela China, de um isolamento social maciço; terceira seria atrasar o pico da epidemia adotando uma posição intermediária e preservando o sistema de saúde.

Anteriormente o Brasil parecia adotar a posição intermediária, até que o pronunciamento político do presidente da República, no dia 24 de março, mostrou a tentativa de se utilizar a medida mais cínica tendo em vista preservar a economia brasileira em detrimento da saúde de milhares de brasileiros. Não importa, portanto, a saúde de milhares de brasileiros e mortes em decorrência da doença, com tanto que ainda tenha pessoas trabalhando para movimentar a economia e a sociedade, para ele as mortes são uma mera causalidade que não impediria o funcionamento da sociedade.

Defendo que o que ainda mantém um presidente como esse, com uma vocação genocida, perceptível através de seus discursos, é uma ínfima elite que gostaria de chamar “elite do atraso”, termo cunhado pelo sociólogo Jessé Souza em seu livro A elite do atraso (2017). Tal elite ganha esse adjetivo por proporcionar o atraso da sociedade brasileira, que com uma visão puramente economicista ela ataca o Estado brasileiro, o mesmo que a salva em momentos de crise; e coloca a economia e o mercado acima da vida de milhares de brasileiros como algo sagrado; assim como na época da escravidão, tal elite trata a população brasileira como escravos onde suas vidas valem menos que os lucros, pois o dinheiro para a elite tem mais dignidade e humanidade que seres humanos, estes tratados como objetos descartáveis. O desequilíbrio do presidente da República representa toda essa elite pervertida e um pouco mais. Se milhares de pobres morrerem em decorrência de uma “simples gripezinha” não importa eles são descartáveis mesmo…

O que falta para o impeachment do representante da República? Até a noite desta quarta-feira mais de 680 mil pessoas já assinaram o pedido de impeachment do presidente da República . Em artigo publicado no El País, intitulado “A única saída é o impeachment” Vladimir Safatle destaca bem, que a própria oposição parece querer esperar um momento ideal (como se houvesse um momento ideal), em um momento tão dramático do país . Mas que oportunidade ideal seria essa, um país enfrentando dois problemas ao mesmo tempo, um presidente desequilibrado e uma pandemia?

Ao que me parece a oposição ainda crê em algum milagre de que o presidente comece a tomar medidas prudentes para comandar o país, tal crença se mostra através de uma paralisia das esquerdas brasileiras a muito tempo fragmentadas. Quando deveríamos mostrar o contrário, mostrar o caminho daqueles que ousam tratar seu povo pobre como objetos matáveis.

            “E depois a gente rica não gosta de ouvir os pobres se queixando de sua má sorte – dizem que incomodam, que são impertinentes! A pobreza é sempre impertinente mesmo – talvez porque seus gemidos famintos perturbem o sono!”

                                                                                                                                                                           – Dostoiévski, Gente Pobre

Mateus Venceslau

Graduado em Ciências Sociais pela UFRN. Mestrando em Ciências Sociais pelo PPGCS-UFRN. Pesquisador associado ao Grupo de Pesquisa Social (GPS) e membro do Observatório da Democracia no RN.

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