Rio Grande do Norte, quarta-feira, 01 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 5 de dezembro de 2020

O uso orgulhoso das redes sociais

postado por Túlio Madson

Orgulho e vaidade

O orgulho é o sentimento de valorização de algo, quando estamos satisfeitos com o que somos, temos orgulho próprio. A vaidade é a valorização da imagem que projetamos aos demais. Enquanto o vaidoso necessita do outro, o orgulhoso basta a si mesmo. A vaidade nos faz extrovertidos, comunicativos, sociáveis, nos torna um ser-para-o-outro, o orgulho nos deixa introvertido, ponderado, recluso, ser-para-si. O orgulho é mal falado na boca daqueles que não veem motivos para ter orgulho próprio. Então acham que todo orgulhoso é soberbo. No entanto, se o orgulho se mostrar demasiado, equalize-o na medida de seu mérito. O mérito pode ser estabelecido ao se definir metas, o mérito próprio consiste em realizá-las. Na ausência de orgulho próprio, busca-se outros tipos de orgulhos coletivos, baseados em méritos coletivos, pela carência de méritos próprios. O orgulho nacional, orgulho de uma tradição, classe social, até mesmo time de futebol.

O orgulho que gera resistência e o que gera resiliência

Nem tudo são flores nos jardins do orgulho. O orgulho tem um papel positivo no sentido de nos dar ânimo, confiança, de nos dar forças para perseguir nossas metas, mesmo contra a opinião daqueles que nos cercam. Mas também o orgulho pode engessar, estagnar, isolar, ou seja, o orgulho também produz teimosia. O orgulho, quando teimoso, forma tão somente uma resistência e nem toda resistência é bem-vinda. Resistência pode ser apenas medo de mudar. Para ser resiliente, o orgulhoso precisa se adaptar às circunstâncias, precisa mudar. O orgulho na capacidade de mudança, na possibilidade de se reinventar, é mais intenso do que o orgulho em se permanecer o mesmo. O orgulho que fortalece nos impele para a mudança, nos torna resilientes, o que nos fragiliza funciona como atrito, nos freia, tende ao repouso, a imobilidade. O orgulho é mais intenso quando percebemos que podemos nos reinventar do que quando permanecemos o mesmo.

Orgulho quando adoece é teimosia, quando cura é superação.

Quando o orgulho se torna presunção

A presunção é um orgulho dissimulado, representado, quando fingimos que não estamos fingindo. A tentativa de simular uma vaidade como orgulho. Quando criamos uma imagem acima do que somos e simulamos um orgulho de algo que não somos. O orgulhoso, para não ser presunçoso, precisa do autoconhecimento para distinguir se o seu orgulho se baseia em méritos próprios, ou se é tão somente uma projeção do que queria ser.

A singularidade como produto no feirão das redes

As interações nas redes sociais são medidas por uma lógica de consumo: para atrair e satisfazer seguidores, os influenciadores digitais precisam criar um personagem, precisam se tornar um produto. Fazem do exercício da vaidade uma profissão. Cada seguidor é uma filial em potencial, que irá propagar no seu círculo social, numa perspectiva microcósmica, aquilo que o seu influenciador propaga no macrocosmo das redes sociais. É um produto que se propaga pela vaidade dos seus consumidores, alimentados pela ânsia em tornarem-se também um produto de sucesso.

Nesse ser-para-o-outro se constrói e destrói amizades, relacionamentos, empreende-se viagens, vive-se como se a realidade fosse um espectro do mundo virtual. Especificamente o espectro do mundo virtual que gera mais interações. As interações positivas dos outros com aquilo que fingimos ser definem o grau do nosso amor-próprio. Desse modo, não nos amamos, não amamos nem sequer o outro, amamos aquilo que afeta o outro a ponto de gerar interações positivas em nossas postagens.

Entre corpos, hábitos, viagens e textos o produto vendido nas redes sociais acaba se padronizando em busca de mais interações, mais consumidores, os corpos ficam mais sarados, os hábitos mais virtuosos, as viagens mais badaladas, os textos mais parecidos com autoajuda. Quando a solidão os assola, quando são obrigados a estarem apenas consigo, são tomados pelo pânico, percebem-se desafinados, não suportam sua presença, sua música interior, tão dependentes que estão das palmas e ruídos de uma plateia virtual.

Quando aceitamos quem somos nos tornamos mais orgulhosos e menos vaidosos, nosso valor passa a residir mais em nosso próprio julgamento e valores do que nos alheios. O uso orgulhoso das redes sociais nos impele a afirmação da nossa singularidade, independentemente das interações que irão gerar nos outros. O uso vaidoso das redes nos impele a afirmação da normalidade, do banal, através de uma vida vivida para satisfazer demandas alheias.

A questão não são as redes sociais, são os afetos que nos movem quando a utilizamos, mais ainda, os afetos que elas provocam em nós.

Quando alguém que te conhece primeiramente nas redes passa a conhecê-lo na vivência diária, isso te causa vergonha ou orgulho?

Façam a pergunta

Túlio Madson

Colunista na Carta Potiguar desde 2011. Professor e doutorando em Ética e Filosofia Política pela mesma instituição. Péssimo em autodescrições. Email: tuliomadson@hotmail.com

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