Rio Grande do Norte, sexta-feira, 03 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 9 de julho de 2021

A primeira animação potiguar

postado por Carta Potiguar

Por Lula Borges (mestre pela UFRN em Ensino da arte – 2020 e Educação – 2013).

Desde antes da invenção do cinema por várias descobertas até chegar aos irmãos Lumiere em 1895, a animação vem se desenvolvendo, a partir das mãos de artistas que fazem a representação do movimento, coisa que a humanidade busca desde a pré-história. As primeiras tentativas modernas surgem a partir da descoberta da câmara escura, criada por Leonardo da Vince e posteriormente por Veermer, no Renascimento, passando pela lanterna mágica de Atanasius Kicher e movimentos de Pieter Van Musschenbroek no período barroco e, durante o romantismo e todo o século XIX, os brinquedos óticos. Essas descobertas acabaram por criar, em 1892 o Teatro Mágico de Emille Reynaud. Três anos depois, com a invenção do cinema, seria uma questão de tempo, para que os artistas se direcionassem para esse tipo de arte.

Tem-se, normalmente registrado, que a primeira animação cinematográfica foi feita por Emile Cohl, de nome Fantasmagorie, em 1908. Outros artistas já vinham desenvolvendo técnicas para descobrir como animar desde o início do século XX, no entanto, nove anos antes de Fantasmagorie, em 1899, foi criada uma propaganda de título Matches an Appeal, de Arthur Melbourne Cooper.

Trata-se de um filme de propaganda no qual, fósforos, presos por arames, escreviam mensagens num quadro de ardósia para que as populações dessem fósforos aos soldados ingleses na guerra contra a ex-colônia África do Sul. A fluidez dos movimentos e a dinâmica da animação são surpreendentes, mesmo no período dos dez anos subsequentes, em que proliferaram filmes com recurso a stopmotion.

A ênfase em ligar a animação à propaganda é que a arte, de forma geral, trabalha em cima de algum teor publicitário. Desde a antiguidade com o Egito ou Grécia e Roma ou Idade Média. Todo trabalho artístico faz alusão a alguma ideologia e existem as pessoas que são capazes de realizá-lo. Mesmo durante a Renascença, praticamente toda obra era encomendada para defesa de algum preceito ideológico daquela época. Não poderia ser diferente com a nova mídia que surgia no fim do século XIX. Inclusive por seu teor massivo cada vez mais controlado pela burguesia e sua distribuição de produtos comercializados. E estes precisam apresentar seus produtos, cada vez mais efetivamente para a população.

A animação seria uma das formas de fazer essa apresentação, especialmente pelo fator da percepção visual que as pessoas têm de si e do outro. McLoud em, Desvendando os quadrinhos (1995), exemplifica o que acontece quando vemos algo real (como uma foto) e estilizada (como um desenho). Quando alguém vê uma foto ou no nosso caso um filme com pessoas reais, o indivíduo percebe que o que as pessoas fazem são outras pessoas e isso pode influenciar a ele. No entanto, quando se usa o desenho e no nosso caso o desenho animado, as sinapses desse indivíduo conjugam que o desenho fazendo algo é o próprio indivíduo, ou seja, ele se vê naquilo que o personagem animado o faz. Assim, uma pessoa que tome um sorvete é visto à distância do interlocutor, mas um boneco tomando o mesmo sorvete é visto como algo íntimo e até o próprio indivíduo. Dessa forma, a produção de uma animação é mais aceita pelo telespectador, ficando mais fácil vender um biscoito, uma viagem, uma roupa.

Após essas explicações sobre cinema e publicidade, começo a falar do que é a primeira animação potiguar. Em uma pesquisa de especialização em cinema, buscando uma cronologia das peças de animação já produzidas no estado, acabei por descobrir que a primeira animação potiguar foi, na verdade uma propaganda. O Rio Grande do Norte, desde próximo à invenção do cinema em Paris, já tinha projeções em paredes brancas de galpões da Ribeira, bairro comercial, no final do século XIX. No entanto, só depois do início do século vinte é que vieram surgir as primeiras gravações em película, ficando assim até o invento das fitas VHS (Video Home System ou “Sistema Doméstico de Vídeo”, em português) e a expansão dos vídeos em fitas magnéticas.

Só no final dos anos 1970 é que veio a surgir a primeira peça animada, criada por Marcelo Mariz e Edimar Viana, que, por sugestão de uma loja de móveis, A Sertaneja, resolveram fazer uma propaganda animada para as festas natalinas do ano de 1978. O trabalho começou entre agosto e setembro e em início de dezembro daquele ano começou a ser exibido nas TVs comerciais locais da capital potiguar (naquele tempo existia apenas a TV Universitária realmente local em Natal. As outras duas eram a Globo Nordeste e a TV Tupi, sediadas em Pernambuco e retransmitidas para a cidade do sol). A peça foi bem-aceita pela empresa, mas nunca mais houve uma nova tentativa de se fazer animação, principalmente pelas fitas magnéticas do VHS se tornarem padrão depois do início dos anos 1980 e ficar difícil fazer animação com essa tecnologia.

Em termos de produção, o mais difícil de se conseguir era o acetato (um plástico duro e transparente que serviam como folhas para os desenhos). Conseguiram a partir de filmes inutilizados do jornal que trabalhavam (Diário de Natal) e fizeram as folhas, com um furador comum de papel criaram os registros e finalmente começaram a produção. Os frames (quadros da animação) foram filmados de 2 em 2, em uma câmera de 16 milímetros, fixada de forma a poder colocar os filmes na horizontal. A tinta utilizada, para deixar o material colorido foi látex que, ao começarem a filmar, começou a rachar, devido a temperatura das lâmpadas e pelo acetato distorcer com a temperatura. Tiveram que repintar vários quadros do filme, mas no final conseguiram fazer a animação. Um papai noel que descia num trenó e distribuía presentes na tela.

Waldeck Moura preparando o projetor para a exibição do filme. Foto: Acervo do Autor.

Como era uma produção de película cinematográfica, consegui contato com Waldeck Moura, cineasta de Ceará Mirim que tem um museu cinematográfico em sua casa e fizemos a exibição e registro digital do trabalho animado. Não houve som na peça. Possivelmente por estar muito velha e o som, magnético, poderia ter-se desmagnetizado com o tempo. Em termos técnicos a animação lembra muito as da Hanna Barbera (flintstones, Scooby Doo, entre outros). A propaganda tem seis tomadas:

  1. Grande Plano geral: com a loja, a estrela, a luz e o surgimento do trenó com o Papai Noel;
  2. Plano Geral: mostrando Papai Noel de corpo inteiro sobre o trenó, na mesma cena, à frente da loja;
  3. Primeiro Plano: Papai Noel falando algo para o telespectador;
  4. Plano Geral com câmera em movimento panorâmico: Papai Noel anda pela loja;
  5. Plano Geral: Trenó voando no céu;
  6. Vinheta com a assinatura da loja.

Esta animação abriu as portas para posteriores trabalhos, tanto na propaganda com nomes como Eurly Nóbrega, Evaldo de Oliveira, Emanuel Amaral ente outros que também produziram seus trabalhos animados voltados para a propaganda, como também a partir dos anos 2000 e já com computadores para facilitar a produção, como eu mesmo, Janilson Lima, Rox produtora e tantos outros animadores e empresas que vem surgindo na capital potiguar.

Empresas, que necessariamente, não são de propaganda, mas para manter o caixa. O artista, que sente a necessidade de criar produtos animados autorais, acaba por se dedicar à propaganda, devido às dificuldades técnicas e financeiras de uma animação. A animação natalina da Sertaneja, criada por Marcelo Mariz e Edmar Viana em Natal também é exemplo dessa característica, mas, com o desenvolvimento das técnicas e barateamento de equipamentos, outras possibilidades de animação surgem, como escolas e trabalhos em curtas e, quem sabe, longas algum dia para frente.

Carta Potiguar

Conselho Editorial

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