Rio Grande do Norte, sábado, 18 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 1 de março de 2013

Linchamento em Natal: Um retrato da naturalização da violência

postado por Carta Potiguar

Por Leonardo Alves
Cientista Social e Membro do Centro de Referência em Direitos Humanos

Ao assistir a um vídeo em que dois suspeitos de roubo foram linchados por populares da Zona Oeste de Natal, no último final de semana, me vieram duas perguntas: Quem de fato estava agindo de forma ilícita? Como explicar para uma sociedade indignada pelos males sociais, que não se pode fazer justiça com as próprias mãos?

Práticas como a do linchamento ou semelhantes ignoram o princípio da proibição da autotutela, o qual garante o direito exclusivo do Estado como garantidor da lei, da ordem social e da Justiça, além de que são classificadas como crime no art. 345 do código penal.

Art. 345 – Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:

Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.

Parágrafo único – Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.

Casos como esses acontecem com maior frequência onde a população se encontra familiarizada com a violência, descrente da eficácia dos aparelhos judiciais e da polícia como mantedora da ordem e da segurança pública.

Os linchamentos são então uma maneira de expressão da injustiça e insegurança presentes na população, a partir do sentimento de impunidade gerado pela lentidão do judiciário, inadaptabilidade das leis e deficiência na administração do sistema penitenciário que acabam exaltados através das mídias sensacionalistas.

Vale a pena ressaltarmos a influência que essas mídias exercem sobre a sociedade, quando um dos cidadãos envolvidos no linchamento faz referência ao apresentador do Programa Patrulha da Cidade, incitando o mesmo a mostrar o que acontece com aqueles que tentam roubar naquela região.

O referido programa já se tornou referência no quesito banho de sangue, onde nos contempla com as infelizes imagens de corpos baleados, esfaqueados, entre outros. O teor do programa fica claro com o seu próprio título e fundo de tela que é preenchido com a imagem de sangue escorrendo. Além da violência explícita presente no programa, vemos um claro incentivo a sua prática por parte do apresentador o qual não mede esforços ao incitar a morte aos “bandidos”, o sofrimento incondicional aqueles que cometem crimes e a zombar de maneira pejorativa dos suspeitos entrevistados.

Com a repetição diária de programas como esse, aliado a um sentimento de indignação popular que enterra a civilidade, temos um retrocesso no processo civilizatório, onde voltamos a punir em praça pública aqueles que julgamos culpados, através de um senso de justiça popular muitas vezes incitado por mentes conservadoras e motivadas por interesses próprios no ocorrido.

Concluímos aqui esclarecendo que não procuramos defender a impunidade dos dois suspeitos de roubo, apenas lutamos pelo emprego correto da lei e das forças coercitivas do Estado, bem como para que todos os cidadãos tenham a possibilidade de defesa dos seus direitos, pois ao tentarmos fazer justiça com as próprias mãos podemos acabar indo contra ela.

Abaixo, o video sobre o linchamento:

Carta Potiguar

Conselho Editorial

3 Responses

  1. Breno disse:

    “apenas lutamos pelo emprego correto da lei e das forças coercitivas do Estado”

    O Estado está falido, seja na figura dos minicípios, das unidades federativas ou da união.

  2. Anonimo disse:

    Ladrão é pra ser fuzilado e enterrado de cabeça pra baixo.

  3. Marcos Aurélio PT disse:

    Justiça no dos outros é refresco. Interessante notar que todos defendem a pronta-justiça, a justiça fast-food, coisa julgada e pena aplicada alí, instantaneamente. Parece que ninguém se colocou no outro lado… Interessante notar que as pessoas reconhecem que o Estado está falido, e, ao mesmo tempo, na infalibilidade de uma multidão adestrada por uma mídia super-justa. Contradições. Prefiro combater a falência do Estado e buscar fortalecê-lo, ao invés de negá-lo.

Cidades

Imprensa internacional destaca experimento revolucionário realizado em Natal pela equipe de @MiguelNicolelis

Cidades

Seminário: o Brasil do Futuro