Rio Grande do Norte, sábado, 04 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 25 de abril de 2012

A Ética e a Ausência de Deus

Deuses e religiões são necessários para estabelecer as bases fundamentais de uma ética? Ser ateu é suficiente para que alguém saia na rua fazendo o que quer sem ligar para as consequências?

postado por Felix Maranganha

Imagem: radiant guy

Há quem pense que deus é suficiente para fundamentar a Ética. Dizem, muitos citando Dostoiévski, que sem deus tudo é permitido. Nesse raciocínio, se temos uma Ética, então deus é obrigatório. Entendendo o raciocínio do ponto de vista Teísta, encontramos aí uma falsa dicotomia. Para os teístas, se Deus existe, temos fundamentada a Ética, e se Deus não existe, então não temos uma Ética. A presença ou não de uma Ética só se define pela presença ou não de um deus. É um erro tremendo pensar assim, pois a Ética é tão somente um princípio absoluto de equilíbrio entre liberdade e responsabilidade. Esse equilíbrio existe com ou sem um deus. Eu posso crer em deus e equilibrar de forma coerente ambos os pólos, como posso não crer em deus e apresentar o mesmo nível de equilíbrio.

O problema é que, para a humanidade, o conceito de deus é relativo, pois cada cultura dará a ele um conjunto distinto de atributos. Por outro lado, um pouco mais de 2 bilhões de seres humanos vive relativamente bem e de forma ética sem a presença de um deus. São, em sua maioria, praticantes de tradições espirituais como o Budismo, o Confucionismo e o Taoísmo, uma boa parte dos praticantes do Espiritismo e um número considerável de ateus e a-religiosos. Em resumo, são tradições espirituais com forte apelo ético, mas com diferentes níveis de apelo ao sobrenatural e à presença de um deus criador.

Daí que pergunto ao leitor: deuses e religiões são necessários para estabelecer as bases fundamentais de uma ética? Ser ateu é suficiente para que alguém saia na rua fazendo o que quer sem ligar para as consequências? Se Deus não fundamenta a Ética para essas tradições, o que fundamenta?

Em primeiro lugar, é possível, mas não necessário, fundamentar a Ética em um deus. Torná-lo fundamento é tornar a Ética dependente dos atributos que uma religião cria em torno dele. Como exemplo, temos a frase “Deus é amor”, mas a noção de amor na Grécia Antiga no Brasil Moderno são diferentes, o que leva a fundamentar a Ética, no fim, em deuses diferentes. Isso mostra não somente que é desnecessário, como até perigoso, fundamentar a Ética nos atributos de qualquer Deus.

O que existe é um certo preconceito sobre o que seria um ateu. Todos pensam em Ateus como a-religiosos (apesar de muitas “religiões” serem ateístas), anti-Éticos (muitos ajudaram a fundamentar a Declaração Universal dos Direitos Humanos) e boêmios (muitos são declaradamente abstêmicos). Geralmente, os ateus são ótimos pais, bons cidadãos e costumam ser mais solidários e menos individualistas.

Tradições como o Taoísmo e o Budismo, por exemplo, conseguem fundamentar uma Ética fechada, quase totalmente isenta de sobrenaturalismo ou conceitos de pós-morte, e isso na ausência de qualquer deus ou entidade criadora. Na ausência de deus, essas tradições recorrem no simples valor positivo absoluto de todas as coisas, com ênfase nos seres sencientes. A ênfase deixa de ser a vontade de um deus ou deuses e passa a ser a responsabilidade de cada indivíduo para com o todo. Depois de vários séculos, essas tradições aprenderam que fundamentar princípios absolutos em divindades os torna relativos, e é perigoso, pois fere diretamente a liberdade do outro de possuir seus próprios princípios. Assim, mesmo que um budista creia em deus, ele nunca fundamentará seu viver Ético à vontade divina.

Podemos afirmar que, ao contrário da citação deslocada que fazem de Dostoiévski, se Deus não existe, apenas a Ética fundamentada em sua existência é que sofrerá o prejuízo ao cair do pedestal, enquanto que a Ética independente de sua existência, que nunca deixou de chafurdar-se na lama, permanecerá incólume por séculos e séculos.

Felix Maranganha

Licenciado em Letras, especialista em Educação a Distância e mestrando em Ciências das Religiões, Felix Maranganha é Linguista, Filólogo, Escritor, Filósofo, Defensor dos Direitos Humanos e Libertarianista. Pratica o Zen-Budismo, é ateu, joga sinuca e poker e adora pimenta. Alguns o confundiriam com um anti-marxista, mas ele não liga muito para essas coisas. É autor do blogue http://ocalangoabstrato.blogspot.com

17 Responses

  1. maricelia morais disse:

    fico otimo esse poema adorei.

  2. Silvino Lucena disse:

    Muito bom o texto, bem fundamentado e bem explícito. Parabéns a toda a equipe.

  3. Alyson_vilela disse:

    Um dos argumentos mais usados por pessoas religiosas (sobretudo cristãos) para fundamentar a ética em um deus é: como sabemos que matar é errado se não foi um ser superior que incutiu isso na nossa mente? Porém, a resposta é muito mais simples. Eu não quero ser morto… a experiência coletiva mostrou que se eu não quiser ser morto, mas me achar no direito de matar, isso pode gerar uma reação em cadeia que vai voltar para mim. Do mesmo jeito roubar… mesmo que eu queira roubar, se entrar na convenção que roubar é certo, eu vou sair prejudicado, pois alguém vai acabar me roubando. Então todos decidem que é errado roubar, cada um pensando em seu próprio benefício. Acho que aí se origina a ética. Parece clichê, mas é basicamente isso de não fazer com o outro o que não quero que façam comigo. 

    E uma observação final: poema? A Maricelia leu realmente o texto? hehehe

    • felixmaranganha disse:

      Justamente, Alyson. O Budismo chama esse princípio de carma, o estoicismo de pathos, e daí em diante. Para os gregos, temos a hybris. Os cristãos apenas têm uma visão única e limitada e, por isso mesmo, longe de ser uma visão unificadora. Segundo Rousseau, tudo se resolve por contrato social, para evitar que eu sofra as sanções que eu mesmo crio.

  4. Jarson Brenner disse:

    Está surgindo, ou se fortalecendo, um movimento que procura criar uma ética baseada não em tradições religiosas. Um dos pilares que vc apresenta aqui “da responsabilidade do indivíduo para com o todo” serve bem a essa propósito.

    Torço para que se concretize logo esse dia em que alguém fará o bem, não esperando recompensas espirituais mas porque é a coisa certa a se fazer. E que o pagamento desse agir correto seja reconhecido e pago com a mesma moeda benéfica.
    Quando os homens praticarem com o próximo apenas o que querem para si próprios (princípio ético básico de auto preservação da espécie) então estaremos caminhando para uma ética universal igualitária!
    Parabéns Félix pelo seu estrear aqui!
    Jarson Brenner

    • felixmaranganha disse:

      Jarson,

      movimento nesse sentido existe desde o Iluminismo. Filósofos como Hume, Rousseau e Kant queriam criar uma ética que independesse de verdades religiosas. No Brasil somente é que esse movimento é recente.

      No mais, agradeço pela leitura.

  5. Icaro Medeiros disse:

    Parabéns Félix, sucesso em sua nova empreitada!

  6. Vanessa_coremas disse:

    Nossa muito bom o texto parabéns e sucesso em toda sua vida. abraço

  7. Acredito em Deus, confesso que sempre carreguei um pouco de preconceito com ateus, mas depois de tudo que li agora irei começar a mudar a minha maneira de pensar.O que vemos, hoje, são pessoas que pertencem a religião X, Y E Z; Moram dentro de um templo religioso; Andam com uma bíblia debaixo do braço e gritam desesperadamente o nome de Deus, em contradição são ricos em orgulho e egoísmo. 
     Sempre achei que o importante é buscar nossa melhoria como ser humano e fazer o bem para todos que estão entre nós. 

  8. É comum encontrar com pessoas que pertencem a religião X, Y ou Z, praticamente residirem em um templo religioso, andarem com uma bíblia debaixo dos braços e gritarem o nome de Deus, como contradição vivem mergulhados no orgulho e no egoísmo. Sempre achei que o que realmente importa é modificar nosso ser, sempre procurando evoluir e auxiliar todos os semelhantes que compartilham a existência aqui na Terra.
    Enfim, gostaria de dar os parabéns pelo trabalho e agradecer por me propiciar essa leitura. Posso dizer que agora passarei a olhar os ateus com outros olhos.

  9. Felipe Medeiros disse:

    Esse “carma”, não vivenciado pela maioria dos “cristãos”, imperou em todos os discursos de Jesus. Inclusive, Jesus nunca associou a ética a Deus, mas aos atos, ao plantar e colher, a mesma relação de causa e efeito, de Buda. Ele nunca associou o bem e o mal com o céu e inferno, apenas ilustrou. Ao contrário das religiões cristãs, o budismo ainda prega a lógica da razão acima de qualquer dogma.

    • felixmaranganha disse:

      Jesus vinculou sim essa ideia, mas ele considerava Deus como uma entidade real, à qual os mesmos princípios éticos que sustentavam sua relação com um ser humano deviam servir para sustentar sua relação com Deus.

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