Rio Grande do Norte, sexta-feira, 03 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 25 de abril de 2012

O debate dos surdos

Concorda comigo? Você é um gênio e um benfeitor da humanidade! Não concorda? És um jumento fascista!

postado por Arthur Dutra

Imagem: striatic

Em todas as semanas temos algumas constantes universais a nos assaltar: a reclamação da segunda feira, o futebol na quarta, a alegria efusiva na sexta e a depressão no domingo. Há séculos tais acontecimentos se repetem no mundo, nos oferecendo a segurança de uma vida aparentemente normal e previsível

Eis que, nos tempos presentes, a semana ganhou um novo evento que vem mobilizando nossa atenção e dando bastante assunto para falar, principalmente para aqueles fiéis ocupantes das redes sociais. Não, não falo das operações da Polícia e do Ministério Público. Refiro-me aos julgamentos do plenário do Supremo Tribunal Federal transmitidos ao vivo para todo o país.

Tá, tudo bem, leitor chato e detalhista, nem toda semana temos os julgamentos que prendem nossa atenção e ganham espaço nos Trends Topics do Twitter. Mas é certo que com frequência cada vez maior as assentadas dos ministros da Corte têm ocupado o espaço público, antes resistente às discussões jurídicas envoltas em termos pomposos, notadamente por veicularem, hoje, temas polêmicos e que suscitam acalorados debates por terem reflexo nas nossas vidas e convicções, as ancestrais e as progressistas.

“Acalorado” é, na verdade, um eufemismo para a guerra que se trava no campo de batalha virtual entre os soldados entrincheirados com suas armas argumentativas sempre em punho para atacar o oponente que se coloca no campo oposto.

Valendo-se do escudo protetor da tela do computador ou do tablet, os combatentes não deixam passar nada em branco. A cada comentário do adversário, uma bala, ou uma resposta, direta ou indireta, vem prontamente e em igual ou maior força, mostrando que os bravos guerreiros estão realmente dispostos a fazer sua posição vencer e, mais, avançar rumo ao campo do inimigo.

O que é isto? É da mecânica da democracia? Talvez. É coisa nova? É certo que não. Mas a mim parece mais uma discussão de surdos, onde cada um expõe virulentamente suas razões para um opositor que, não ouvindo, faz a mesma coisa, deixando o debate ganhar ares de algazarra incompreensível, sendo ouvido ao longe apenas pelos transeuntes que, nada podendo entender dos argumentos misturados, e com medo da gritaria e da dúvida, se abstêm de participar daquele espetáculo grotesco, arrostando o mais solene e impetuoso desprezo pelos debatedores e mesmo pelas questões “debatidas”.

No final, só uma coisa é certa: as baixas não ultrapassam a marca de ZERO, ou seja, ninguém muda de opinião, mantendo incólumes os exércitos.

No fim da batalha eles permanecem sempre alertas para o próximo chamado do pregoeiro da Suprema Corte, que, na semana seguinte, os convocará para nova peleja no âmbito da guerra infinita que se trava desde que o primeiro homem achou de discordar de um igual e tentou convencê-lo de que estava certo, inaugurando, assim, a discórdia entre a raça humana, encarnada em Éris, a deusa grega da discórdia, que hoje em dia deve rir satisfeita do alto do seu assento no Olimpo, comemorando seu sucesso.

E não adianta fugir. Todos nós fazemos isso. Eu faço. Você, leitor, faz. Nossos amigos e nossos inimigos fazem, e até os intelectuais e os leigos também fazem. Por vezes estamos no mesmo lado, por vezes no lado contrário, e, por isso, é bom que se tenha, acima de tudo, respeito pelo “adversário” de momento, não o enxergando como alguém incapaz, ignorante e malvado pelo simples fato de não concordar com você, mas somente alguém que simplesmente não concorda com você. Afinal, a inteligência e a bondade são aferíveis objetivamente, e não relativamente, tipo: ah, concorda comigo? Você é um gênio e um benfeitor da humanidade! Não concorda? És um jumento fascista!

Não dá, né? A tão cobrada tolerância deve ser praticada principalmente com quem não concorda conosco, e não apenas com nossos amigos. Afinal, as ideias são traiçoeiras, de modo que não sabemos quando vamos descobrir que elas estão equivocadas e nós, por tabela, também.

Sobre essas ideias pretensiosamente definitivas, Machado de Assis, um mestre, nos dá seu testemunho:

“Trazia comigo na mala e nas algibeiras uma porção dessas idéias definitivas, e vivi assim, até o dia em que, ou por irreverência do espírito, ou por não ter mais nada que fazer, peguei de um quebra-nozes e comecei a ver o que havia dentro delas. Em algumas, quando não achei nada, achei um bicho feio e visguento”.

Tendo em vista a lição do Bruxo do Cosme Velho, repitam comigo: Tomado deste espírito, peço que venha o próximo julgamento do STF!

Arthur Dutra

Advogado. Editor, proprietário, patrocinador e único escritor do blog "Escritos Improvisados" (http://escritosimprovisados.blogspot.com). Twitter: @ArthurDutra_

2 Responses

  1. Daniel Menezes disse:

    Arthur,

    concordo contigo como este ambiente fla-flu é complicado.

  2. Alberto Pontes Moura disse:

    Concordo consigo, Dr. Arthur: às vezes somos omissos, calamo-nos, e seguimos mudos a maré do senso comum. Não que “senso comum” signifique “bom senso”: é apenas “consenso”. E, se nos omitimos, nem sempre é por comodismo ou covardia: pode ser porque não nos tenha sido dado o direito de opinar. Opinar pró ou contra os pontos estabelecidos é o mesmo que não ter opinião própria, por ser apenas a escolha de um dos lados em questão. Por que não pode haver uma bova ideia? Por que não podemos propor um novo sistema, uma nova discussão? Por que somos obrigados, por exemplo, a “votar”, se nosso voto não é sobre as ideias, mas sobre as pessoas que se arvoram o título de “nossos representantes” e, no final, vão fazer as leis que a elas, pretensas representantes, interessam, e não a nós, supostos representados? Por que tem-se que ser pró ou contra, esquerda ou direita, situação ou oposição, quando na verdade não se é nada? Forço-me a ser omisso, por não ter-me sido dada a opção da opinião sincera. Com todas as supostas mudanças, desde a suposta redemocratização, nada mudou no Brasil, a não ser a tecnologia, que não é obra de governo nem de congresso, mas da livre e exloradora Indústria. Fico omisso porque não adiantaria apresentar minha verdadeira opinião. Não sou de esquerda, de direita nem de centro: sou de tangente! Minha ideologia? HARMONIA! Meu sistema político? OCLOCRACIA! Minha crença? AUTOLOGIA. 

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