Rio Grande do Norte, quinta-feira, 02 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 12 de maio de 2012

Webfolhetim: Marginal – Parte II

postado por Carta Potiguar

Por Eduardo Moura

 

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PARTE II

O filho da puta só me ligou na quinta-feira. E pra me passar as placas ele ficou tão enrolado que eu me emputeci de vez. Passei o telefone pra Gina, minha secretária, e disse:

– Anota essa porra direito. Confere tudo direitinho porque é o Macarrão que tá passando.

Ela não se chama Gina. O nome dela é Fabíola, mas puta que pariu. Quando ela apareceu aqui eu disse:

– O emprego é seu, você vai ser minha secretária. Mas tem o seguinte, aqui dentro eu só vou te chamar de Gina, minha filha.

Imagem: puuikibeach

Pensei em dizer:

– Agora vá, Gina.

Mas resolvi esperar mais duas semanas, até ter intimidade suficiente. Agora eu falo isso de vez em quando. Disse isso naquela tarde mesmo, meia hora depois, quando ela devolveu meu celular e me entregou uma folha com uma lista de nomes, cores e placas, tudo anotadinho com letra de professora.

– Obrigado, querida. Agora vá, Gina.

Ela sorriu e foi. De vez em quando a gente trepa, mas só quando eu estou realmente carente, porque a Gina é feia que dói. Tem os dentes tortos e tem escoliose. Mas também tem uma bunda bem mais ou menos. Liguei pro Bola.

– Tá ocupado, neguinho?

– Nunca pra você, chefe.

Baba ovo do cacete.

– Manda alguém vir aqui no escritório buscar uma lista de carros que eu quero que você arranje pra mim.

– É muita coisa, chefe?

– Porra, você não disse que pra mim nunca tava ocupado?

– Não tô não, só pra saber mesmo.

– Vai pra puta que te pariu. Manda alguém vir pegar a porra da lista logo. A Gina vai te ligar pra dizer onde que é pra fazer a entrega. Pago na hora, combinado?

– Fechado, chefe.

– Valeu.

Neguinho filho da puta, “só pra saber mesmo”. Vai pro caralho. Precisava arrumar um galpão pra guardar tudo e reunir o pessoal. Não gosto de fazer as coisas com pressa, mas o Macarrão demorou muito pra me passar as placas, agora eu tinha que me virar. Tirei do gancho o telefone da minha sala e apertei o número nove. O Fábio, garoto que mexe nas coisas aqui do escritório, fez um puta bom trabalho com esse telefone.

– Gina, liga pro Serginho e transfere. Obrigado. Alô, Serginho? E aí, como é que tá? Tudo certo. Tudo certinho. Escuta, teu irmão ainda tá alugando a loja? Quanto é que ele tá querendo? Porra, onze mil, Serginho? Eu sei, mas se ele tá precisando de dinheiro pra se recuperar do prejuízo, tinha que conseguir alugar essa porra rápido. Por onze mil vai demorar pra cacete. Não importa, podia até ter seiscentos metros quadrados, tá todo mundo sem dinheiro, vai ficar difícil. É, eu tô precisando alugar um espaço, mas não é pra mim, não. É um trabalho temporário, de um conhecido. Vem cá, fala com teu irmão, seis mil adiantado em dinheiro na mão dele, pra ele me deixar usar a loja quinze dias. Não vai gastar com papelada porra nenhuma, Serginho. É seis mil em dinheiro, em troca ele me empresta a chave da loja por quinze dias. Não tem contrato, não tem porra nenhuma. Eu pago antecipado. Isso, fala com ele e me avisa. Fala com ele. Abraço, Serginho. Tchau.

Seis mil não é nada. É uma scooter. Eu tenho um Vectra. Mas é dinheiro. Tirei do cofre, que sinceramente não tinha muito mais do que isso. Coloquei em um envelope, lacrei com fita crepe e coloquei em cima da mesa da Gina. A Polícia Federal nem desconfia, mas a Gina é um perigo.

– Sabe a loja do irmão do Serginho?

Acho que eu estava muito acelerado. Gina não acompanhou:

– Serginho?

– Serginho, que vem aqui de vez em quando. O irmão dele tinha uma concessionária ali na Chave de Ouro, perto de onde você pega ônibus.

– Ah sei sim.

– Liga pro Bola, dá o endereço de lá. Explica que é pra ele fazer a entrega lá. Teu sobrinho ainda tá precisando de emprego?

– Sim, senhor.

– É faculdade de que que ele faz mesmo? Engenharia?

– Turismo.

É gay, não serve. Mas não queria ofender a Gina.

– E aquele menino filho do teu vizinho, filho do Cléber.

– Estuda no Cefet, Técnico em Segurança do Trabalho.

– Ótimo. Liga pra ele, bota ele pra falar comigo que eu tenho um trabalho pra ele.

– E pro meu sobrinho?

– Pra ele ainda não apareceu. Mas assim que aparecer eu te aviso, Gina.

Ela sorriu. Puta que pariu. Aquele sorriso dizia:

– Como o senhor é um homem bom.

Puta que pariu.

Eu preferia que o moleque estivesse cursando Eletrotécnica ou Eletrônica, porque cursando Segurança do Trabalho pode ser que ele seja muito espertinho. Aí não serve. Mas não era não. O Cléber era fodido de grana pra cacete. Teve um natal aí que ele se espremeu até não poder mais e conseguiu comprar um computador pros filhos. Pior coisa que ele fez. Está criando dois retardados, que ficam o dia inteiro naquela merda, jogando joguinho e batendo punheta. Quando o moleque entrou aqui na sala eu nem queria apertar a mão dele, mas não tinha jeito.

– E aí, meu filho, tudo bem?

– Tudo.

– É Segurança do Trabalho que você tá fazendo, né?

– Isso.

– Como é que é?

– É legal.

Foi aí que eu me lembrei da história do computador e da porra toda. Era um retardado mesmo.

– Tenho um trabalho pra você. Mas é temporário, quinze dias.

– Tá.

Puta que pariu.

– Um galpão que eu tenho, aqui na Chave de Ouro. Você precisa tomar conta. Só ficar de olho. De vez em quando vão aparecer umas encomendas, você abre a porta, recebe, paga e pronto.

– Tá bom.

– Dois mil reais, mas tem que dormir os quinze dias lá. E não pode levar ninguém, hein, rapaz.

– Não, não. Pode deixar. Mas não sei se meu pai vai me deixar dormir lá.

– Ou dorme, ou nada feito. Mas ele vai deixar, conheço teu pai há anos. E são dois mil reais. Pede pro Cléber me ligar, qualquer coisa.

– Tá.

Se ele dissesse outro “tá” eu pulava por cima da mesa e quebrava os ossos da mão na cara do moleque. Puta moleque retardado do cacete. Mas tudo bem, deu pra ter certeza de que ele não ia levar nenhuma piranha pro galpão. Falei com o Cléber, deu tudo certo. Dali dois dias o moleque tava na antiga loja do irmão do Serginho, com um celular, uma prancheta e quatro mil reais. Dois mil pra ele, dois mil pro Bola, duzentos e cinqüenta reais a cada carro que ele trouxesse e o moleque marcasse na prancheta. Eu sei que não é lá muito justo pagar a mesma coisa pros dois enquanto um tá roubando carro e o outro tá só tomando conta. Mas o moleque estudou, a mão-de-obra dele tem que ser mais cara mesmo.

 

 

Carta Potiguar

Conselho Editorial

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