Rio Grande do Norte, sexta-feira, 03 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 10 de junho de 2012

Psicopatas e Ações Policiais

postado por Ivenio Hermes

A relação desses criminosos com a eficiência policial

1 Um criminoso oculto

Um dos comportamentos desviantes mais camuflados na sociedade hodierna é a psicopatia. Do ponto de vista criminal, esse distúrbio é considerado grave e tem como característica certo desvio de caráter, insensibilidade quantos aos sentimentos alheios, a ausência de sentimentos genuínos, manipulação, egocentrismo, frieza e dois pontos considerados muito críticos: a falta de remorso e ou sentimento de culpa para atos cruéis e a ausência de medo das consequências dos seus atos gerando uma inflexibilidade com castigos e punições.

Ainda é comum manter a crença de que a psicopatia é muito mais frequente nos indivíduos do sexo masculino, não se trata de um mito, pois apesar de atingir as mulheres, as características mais predominantes desse mal se encontram nos homens.

A série da TV americana (infelizmente cancelada) “Criminal Minds: Suspect Behavior” (Mentes Criminosas: Comportamento Suspeito) trata o fator do comportamento sociopata como um dos fatores que mais contribuem para o aumento da criminalidade. A série usava abordagens sobre situação e grupos sociais, locais de residência, atitudes desviantes pregressas e até traumas que podiam solucionar crimes ou estabelecer linhas de ação e diretrizes investigativas que levem à busca e captura do perpetrador dos crimes.

No Brasil, a criminologia ainda trata a psicopatia como algo distante, parece coisa de filmes e, portanto muito aquém de nossa realidade. Esse trato equivocado contribui para que certas atitudes humanas reconhecidas como “de risco” tenham pouco valor para o reconhecimento de que certo comportamento suspeito pode levar ao crescimento da violência urbana.

2 Abordagem Geral da Mente e Comportamento

2.1 Literatura Policial

Alguns autores estrangeiros e nacionais já cotam a psicopatia como uma causadora do aumento da criminalidade, e o pior é que nesses crimes os índices de solução são pequenos e quase nulos, a não ser que tenham um notório alcance midiático.

A literatura internacional há muito apresenta personagens com essa natureza de desvio. A obra da escritora estadunidense famosa pelos seus thrillers criminais psicológicos, Patricia Highsmith, é realmente densa e digna de ser conhecida, e a tornou mundialmente famosa principalmente por obras como Strangers on a Train, que teve já várias adaptações para cinema, sendo a mais famosa de Alfred Hitchcock em 1951, e pela série Ripliad com a personagem Thomas Ripley, um psicopata elegante e encantador que não teme ir até as últimas consequências para alcançar seus objetivos.

2.2 Psicopatia e Imputabilidade Penal

Renato Sabbatini em seu artigo “Psicopata e a Violência Urbana” diz o seguinte:

“Creio que uma parcela considerável dos crimes cometidos contra pessoas inocentes têm origem em psicopatias e alterações neuropsiquiátricas de seus perpetradores”.[i]

Fica evidenciado pelas palavras do autor que é notório que não podemos mais descartar que crimes são cometidos, e contribuem para o aumento da criminalidade, por pessoas psicologicamente afetadas e cujo histórico de vida e fatores sociais contribuíram para sua tendência criminosa.

As normas psiquiátricas corroboram que os psicopatas não devem ser considerados loucos, pois suas ações inclinadas para a maldade não são atos resultantes de mentes transtornadas. As mentes dos psicopatas são dotadas da capacidade de agir de forma racional e calculada, numa combinação terrível com a incapacidade de serem sensíveis no trato com seus semelhantes.

É desta combinação que há uma fundamentação que marca a personalidade de um psicopata:

“A profunda incapacidade para preocupar-se com a dor e sofrimento de outras pessoas, uma ausência total de empatia para com o próximo, o que resulta numa incapacidade para o amor”.[ii]

Segundo o Prof. Dr. Benito Damasceno, professor de biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é possível dimensionar falhas em uma região do cérebro consideradas como marcador corporal da emoção, e o cérebro de um psicopata não possui alterações estruturais, mas funciona de modo diferente. E fazendo uma analogia, é como se fosse o mesmo computador rodando um programa diferente dos demais. Esse programa, de acordo com os diferentes fatores que o geraram, leva o psicopata a agir de maneira diferente, adotando valores próprios e muitas vezes contagiando pessoas mais fracas emocional e intelectualmente.

Embora no Brasil haja quem defenda a morte para psicopatas, na maior parte das democracias os criminalmente insanos são declarados inimputáveis, pois são inimputáveis legalmente.

Alguns teóricos, entretanto, são contra a inimputabilidade do psicopata, pois defendem sua tese dizendo que a atribuição dada ao incapaz por ser portador de doença mental é por não possuírem a plenitude do exercício do “livre arbítrio”. Mas os psicopatas possuem essa capacidade de discernimento entre o certo e o errado, eles fazem sua opção comportamental por não se importarem com os outros. Assim, se eles oferecem perigo para a sociedade, devem ser trancafiados para todo o sempre.

Essa ideia de confinamento relembra o famoso Dr. Hannibal Lecter, que era mantido preso em um porão de uma prisão, numa cela especial, para não atacar outros presos ou guardas no filme “O Silêncio dos Inocentes”, cuja premissa interessante rendeu mais duas sequências.

Em entrevista à repórter Débora Mismetti, O neurologista André Palmini, da PUC do Rio Grande do sul, explicou que há um senso de justiça presente no cérebro de quase todas as pessoas, que as faz escolher valores morais determinantes em seu comportamento.

Essa rede de valores e emoções, quando não são interpretadas de forma coerente, leva o ser-humano a não atingir a ínsula, região do cérebro essencial para o comportamento moral, gerando nele um comportamento próprio que pode agredir o padrão de comportamento adotado pela sociedade em que ele está inserido.

3 Despreparo na Segurança Pública

Enquanto estudos avançam no rumo de um maior esclarecimento sobre a psicopatia, a segurança pública parece adotar uma atitude estacionária.

Talvez essa incapacidade da segurança pública de lidar com os psicopatas venha do treinamento em entrevista policial aquém do necessário. Talvez alguns gestores de cursos de polícia investigativa não considerem o assunto tão importante por erroneamente levarem em conta a afirmação do professor e psicólogo canadense Robert Hare quando disse que:

“1% da população mundial preenche os critérios para o diagnóstico da psicopatia, que é caracterizada pela ausência de sentimento moral, extrema facilidade para mentir e grande capacidade de manipulação”.

Robert Hare afirma que é muito difícil diferenciar essas pessoas das outras, pois um psicopata aparentemente pode parecer uma pessoa normal, e somente um olhar mais perscrutador consegue divisá-lo.

“Se o psicopata é flagrado fazendo algo errado, tenta convencer todo mundo de que está sendo mal interpretado”. Afirma Robert Hare.

Nosso sistema não possui condições de lidar adequadamente com o problema. Veja o caso do pedreiro Adimar Jesus da Silva, de 40 anos, suspeito das mortes de seis jovens em Luziânia (GO), cidade a 70 km de Brasília, ocorridas depois que ele deixou a prisão.

O laudo psicólogo de Adimar, feito antes de sua progressão de regime de execução de pena, sendo assim libertado, já indicava que sua propensão à agressividade era alta e apontava grandes sinais de ser um psicopata. E como ficou comprovado ele saiu da prisão já pronto para matar.

O caso do pedreiro de Luziânia causa estranheza e evidencia mais ainda o despreparo da segurança pública nacional em lidar com esse tipo de caso, pois a tese da polícia do local sugeria um suicídio na cela, um clássico “caso arquivado” de pessoas cujo remorso ou arrependimento pelo cometimento de atos hediondos, as levam a tirar suas vidas. Mas um detalhe é preciso ser considerado: psicopatas não costumam sentir dor ou remorso.

Destarte, o suicídio cometido pelo pedreiro assassino é improvável, pois como diz Marcio Gamboa, é exatamente por não possuírem a capacidade de ter consciência, culpa ou remorso, independente do quanto pode ter sido bárbaro e impiedoso o ato praticado, que o psicopata dificilmente é levado ao suicídio.

4 Outros Casos Dignos de Nota

Assim como esse caso, outros seguem mostrando o quanto nossa segurança pública não possui condições de enfrentar a psicopatia.

4.1 Francisco das Chagas Rodrigues de Brito: O Emasculador

O ex-mecânico foi responsável pela morte de crianças no Maranhão e no Pará, cujo modus operandi comum era a emasculação das vítimas. No âmbito internacional ficou conhecido como “caso das crianças emasculadas do Maranhão”.

O Brasil foi denunciado por organizações junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA pela negligência no trato do caso ao longo dos anos levando a uma demora exagerada para o esclarecimento desses homicídios.

4.2 Marcelo Costa de Andrade: O Vampiro de Niterói

Foi responsável pelas mortes de cerca de catorze meninos nas redondezas de Itaboraí, aproximadamente de 30 quilômetros de Niterói, no Rio de Janeiro, no ano de 1991.

Oriundo de um lar desestruturado, Marcelo viveu parte da sua infância com sua mãe, uma empregada doméstica que apanhava constantemente do marido. Morou com os avós no Ceará, por um período de tempo, onde afirmou que era espancado e quando voltou para o Rio de Janeiro, foi vítima de abusos dos companheiros dos pais que agora estavam separados e nessa época foi abusado sexualmente por um homem mais velho.

4.3 Anestor Bezerra de Lima: O Matador de Taxistas

O ex-motorista de 30 anos, acusado de ter matado pelo menos oito taxistas em Minas, São Paulo e Rondônia, confessou que não sabia quantos crimes cometeu nos três Estados durante o período de 40 dias. O criminoso não conseguiu nem dizer os nomes das vítimas.

A falta de um sistema de comunicação entre os estados levou Anestor a prosseguir com sua matança por três estados diferentes e ainda tentou subornar os policiais que prenderam, usando a desinformação a seu favor, ele alegou que matava para conseguir dinheiro e ainda mostrou um extrato bancário com R$ 250 mil reais para corroborar com sua história.

Essa falta de integração das polícias impede que até hoje se determine a quantidade de assassinatos cometidos pelo matador de taxistas e nem tampouco quem foram suas vítimas.

4.4 Francisco de Assis Pereira: O Maníaco do Parque

Fatos como uma tia materna que o teria molestado sexualmente levando-o a desenvolver uma fixação em seios, um patrão o teria seduzido quando já era adulto, despertando nele o interesse por relações homossexuais, o envolvimento com uma gótica teria quase arrancado seu pênis com uma mordida, levando-o ao temor pela da perda do membro viril e uma possível desilusão amorosa, foram os desencadeadores do lado psicopata de Francisco.

Durante dois anos o maníaco do parque estuprou e matou pelo menos seis mulheres e tentou assassinar outras nove em 1998. Seus crimes ocorreram no Parque do Estado, situado na região sul da capital São Paulo. Nesse local, foram encontrados os corpos de suas vítimas.

A falta de uma polícia comunitária talvez pudesse ter evitado ou levado a uma solução mais rápida nesse caso, pois o maníaco alardeava seus problemas e ainda possuía episódio de espancamento de um travesti com que viveu por mais de um ano.

As teses sobre sua conduta apontam a dor que o criminoso sentia durante o ato sexual, gerando impossibilidade do prazer, como o fator final para transformá-lo no Maníaco do Parque.

5 Considerações Finais

O que diferencia os seres humanos normais e os psicopatas é capacidade daqueles de sentirem emoções. Pessoas normais reagem diante de certas cenas na televisão, nas ruas, nos jornais e em outras situações.

Assim como o cérebro do psicopata é defeituoso, os bancos de dados sobre criminosos são tão deficientes que é impossível rastrear crimes em série se eles forem cometidos sem os alardes da mídia.

A capacidade combativa contra crimes comuns é limitada e no que concerne aos crimes seriais e prevenção de crimes em massa é limitadíssima devido a vários fatores:

  • O modelo de policiamento ostensivo brasileiro é muito reativo e tem sua atividade em constante prejuízo com a falta de informações confiáveis da base operacional e de integração de comunicação entre as polícias.
  • A polícia investigativa é freada pela falta de efetivo e equipamentos necessários para uma investigação abrangente e a polícia forense sofre com o desaparelhamento ou com aparelhos obsoletos, que no final dá no mesmo.
  • A atividade de polícia comunitária é embrionária muitas vezes não é levada tão a sério, sendo priorizado o modelo repressivo antiquado cujos resultados nem sempre são confiáveis.

Enquanto não há um modelo de segurança pública que pelo menos evite esse tipo ação criminosa, a sociedade brasileira precisa se conscientizar do perigo os psicopatas brasileiros apresentam para não ser apanhada desprevenida.

É preciso cobrar mais ações efetivas de policiamento com resultados concretos, tanto nos crimes comuns quanto nos cometidos por psicopatas e criminosos do colarinho branco.

Mais insistentemente, a sociedade brasileira precisa exigir maior conscientização dos gestores em gerir programas de combate ao crime como também meios de interligar os bancos de dados, as polícias e as comunidades em busca de ações preventivas ou no mínimo, mais céleres no trato como as ações criminais.

 

BIBLIOGRAFIA:

Blog Brasil Acadêmico. Como pensam e agem os psicopatas. Publicado em Abr, 2010. Disponível em http://blog.brasilacademico.com/2010/04/como-pensam-e-agem-os-psicopatas.html Última visualização em 21 de março de 2011.

CASTRO, Clarindo Alves de. Psicopatia e Polícia Comunitária. Disponível em: <http://www.seguranca.mt.gov.br/pc.php?IDCategoria=1487>. Acesso em: 09 jun. 2012.

GAMBOA, Marcio. O Psicopata de Luziânia e o Suicídio. Disponível em: <http://www2.forumseguranca.org.br/node/23048>. Acesso em: 09 jun. 2012.

MISMETTI, Débora. Cérebro insensível é mais vulnerável à corrupção, dizem pesquisadores. Publicado em Jornal Folha.com em Jun, 11. 2010. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/749745-cerebro-insensivel-e-mais-vulneravel-a-corrupcao-dizem-pesquisadores.shtml Última visualização em 08 de maio de 2012.

SABBATINI, Renato. Psicopatia e a Violência Urbana. Publicado em Jornal Correio Popular, Campinas, em Out, 01. 1998. Disponível em http://www.sabbatini.com/renato/correio/medicina/cp980110.htm Última visualização em 07 de junho de 2012.

Os serial killers brasileiros: Alguns dos assassinos em série mais famosos do Brasil, por número de vítimas. Revista Época – Edição nº 441 . Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG75627-5856-441,00-OS+SERIAL+KILLERS+BRASILEIROS.html>. Acesso em: 08 jun. 2012.


[i]Renato M.E. Sabbatini é doutor em neurofisiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto. Pós-doutor pelo Instituto Max Planck de Neurobiologia em Munique, Alemanha. Coordenador de Informática Médica e professor adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP. Dentre suas inúmeras atividades, é especialista em perfis de assassinos e psicopatas

[ii]Texto de Apresentação do Blog Psicopatia Penal disponível em http://psicopatiapenal.blogspot.com.br/p/motivos-desse-blog.html

Ivenio Hermes

Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial. Facebook | Twitter | E-mail: falecom@iveniohermes.com | Mais textos deste autor

One Response

  1. Amadeu Epifanio disse:

    Psicopatia têm se tornado diagnóstico criminal comum, sempre que um criminoso usa de artifícios frios ou cruéis para com suas vítimas.  A Psicopatia tende a ter continuidade, quanto a atentar contra a vida de terceiros, em geral mais estranhos do que próximos à ele.  O caso mais recente do empresário japonês, esquartejado pela esposa depois de matá-lo, embora a frieza da mesma ao ter que esperar mais de 10 horas o corpo esfriar para somente depois cortá-lo aos pedaços, não se pode chamá-la de psicopata apenas por uma única atitude e por suas características.  A esposa já tinha uma procedência de baixa cultura (prostituta-conforme anunciado na mídia).  Junta-se à isso o fato do marido ser rico ou milionário, o que mantém na mente de uma pessoa – em razão da liberdade oferecida pelas excelentes e favoráveis condições financeiras, os mesmos conceitos e padrões culturais já previamente adquiridos. Em razão disso, não manifestou, ela, o interesse em melhorar sua filosofia de vida em razão da melhora de suas novas condições. Junta-se ainda a falta de valores éticos, morais e religiosos (se não for pedir demais), além da falta de tato, do  ambiente e a consequente convivência, muito contribuiu para manutenção das condições previamente existentes, ou seja, conflitos constantes, traições, etc.  Pra fechar o quadro, o fato dela ser técnica de enfermagem, o que garantiu à mente, recursos para ser oferecidos em momento oportuno à tomada de uma decisão hedionda como a que ela tomou. Resumindo: Para alguém que, num momento de raiva ou descontrole emocional, tenha todos essas características pessoais, psicológicas e físicas, não é difícil matar alguém e ainda fazer o que bem quer com o corpo.  A mesma filosofia se aplica à traficantes ou bandidos que queimam suas vítimas no “microondas” e vivos e nem por isso são considerados psicopatas, quando muito, assassinos cruéis.  Eu diria que a psicopatia é um estágio bem mais avançado do quadro (em razão, repito, de sua continuidade).  Se essa esposa que matou o empresário, não fosse descoberta e presa, e ainda pegasse gosto em cometer outros crimes semelhantes, poderia ser um dia, classificada como psicopata.  Foi apenas um crime com o agravante de ocultação de cadáver.

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