Flávio Mottinha Macedo
Que a música é uma das melhores maneiras de conhecer uma sociedade é indiscutível. Que o nível da educação nos evidencia as entranhas de um povo, também é fato. É, por isso que não me surpreendo com o atual momento da música brasileira.
Já observaram os sucessos do momento? Ritmos e músicas de fácil compreensão, com coreografias. Não se fala mais em “vou te seduzir”, agora é “Ai se eu pego”. Refrãos de músicas apresentam, apenas, tchu tcha tchu tcha … e assim todos cantamos e dançamos. Fica fácil para cantar, fica fácil para dançar
Mas, qual seria a razão dessas músicas de baixa qualidade (tem qualidade mesmo?) técnica fazerem tanto sucesso? Apresento-lhes a mais óbvia das respostas: a ignorância coletiva.
Pois é, meus caros, nossos sucessos refletem nossa ignorância. Afinal, como o povão vai entender boa língua portuguesa se não têm ensino de qualidade? Como vão aprender a, ao menos, reproduzir sons de qualidade se não se ensina música de verdade nas escolas?
Dessa forma, a boa música com acordes e letras dignas para serem tratadas como tal, se tornou objeto de poucos. Na verdade, raros. Raros são os que tiveram acesso ao ensino de música e boa educação que optam por seguir esta carreira. Muitos desistem por conta da exigência do mercado musical (quanto pior melhor) ou resolvem usar seus dotes para fazer fortuna com a baixa qualidade (não condeno, afinal precisamos sobreviver!)
Há boa música sendo produzida no Brasil?! Claro, e sempre tivemos. Mas não dá para exigir da população compreender música e língua portuguesa. Logo, como vamos ter qualidade? Quando vamos ter qualidade? Sinceramente, não vejo um futuro promissor nesse sentido … (isso serve para programas de TV, também)
E, assim, no país do jeitinho, continuaremos a aplaudir o rebolado (masculino e feminino) ante a bela dança a dois, a baixaria das letras de apelo sexual ante as letras inspiradas por críticas e declarações de amor, e melodias que são reproduzidas por qualquer recém nascido com seu chocalho ante aos sonoros acordes rebuscados da verdadeira música brasileira.
Ah! Esqueci de dizer que a nossa música chega ao mundo inteiro, até mesmo antes de nós. Arquemos com as conseqüências …
A música é uma percepção do mundo, pois a
música ecoa pelo mundo como uma presença obrigatória. A música é uma
dimensão do mundo. Uma dimensão repleta de sentidos, significados,
valores, ensinamentos, percepções… Uma dimensão que proporciona ao
mundo uma beleza própria, uma beleza à parte. A música somos nós,
traduzidos sonoramente, simbolicamente. A música não traz conceitos
fechados, não existe no mundo visual, não possui o poder de representar
nada de concreto. Como diz Oliver Sacks, a música não tem uma relação
necessária com o mundo. Mesmo assim, o nosso mundo precisa de música. De
boa música.
Podemos analisar o mundo através da música. Podemos
dizer quem somos, ou quem julgamos ser, pela música que fazemos. Ela
reflete nossos valores, crenças, sonhos, desejos… Como anda a música
do mundo? Responder essa pergunta é dizer também como anda a humanidade.
A música de hoje reflete uma humanidade superficial, consumista,
hedonista, e tecnológica. É claro que existe um outro lado, mas ele
parece cada vez mais isolado, mais distante do famigerado senso comum. É
preciso educar o mundo através da música. Educar o mundo para a música.
Educar o mundo da música e a música do mundo. Ela pode ser muito mais
do que sons organizados. Pode revestir-se de uma verdade libertadora,
conferindo uma perspectiva inteiramente nova à vida daqueles que se
dispuserem a ouvir com um pouco mais de atenção.
A
música oferece ao tempo a oportunidade de experimentar por um instante
as infinitas alegrias e dores humanas. Transforma os ouvidos em órgãos
vitais e lhes transfere o poder de perceber o tempo nos retribuindo e
nos tornando imortais.