Rio Grande do Norte, sábado, 04 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 6 de setembro de 2012

Maldito Montesquieu: CMN “revoga” aumento da tarifa de transporte público

postado por Jules Queiroz

Do site da Câmara Municipal de Natal:

“Em sessão ordinária nesta quinta-feira (6), a Câmara Municipal de Natal aprovou o Projeto de Decreto Legislativo nº 037/2012, de autoria do vereador Julio Protásio (PSB), que defere o aumento da passagem do transporte coletivo em Natal.

O aumento da passagem de ônibus – de R$ 2,20 para R$ 2,40 – foi regulamentado pela Portaria nº 047/2012, publicada em 27 de agosto. O Projeto de Decreto Legislativo revoga a referida portaria em todos os termos e tem efeito imediato, dependendo apenas da publicação no Diário Oficial do Município para entrar em vigor. O Decreto Legislativo foi aprovado com 17 votos favoráveis e quatro ausências.”[1]

Por outro lado, tanto nos bastidores quanto na imprensa, figuras da Prefeitura Municipal de Natal defendem que o Decreto Legislativo é inválido. O argumento é que invadiria a competência do Poder Executivo e só a este caberia administrar os termos do contrato com os permissionários do transporte público.

Então, como fica a tarifa?

Não tenho a pretensão de responder esse questionamento. Nesse texto, pretendo apenas fazer algumas ponderações que permitam ao leitor formar sua opinião sobre o destino do nosso sofrido transporte público.

Em primeiro lugar, de fato, cabe ao Poder Executivo regular a política tarifária dos serviços públicos, no intuito de manter o equilíbrio entre o interesse econômico privado das empresas permissionárias e o interesse público.

Contudo, me parece que a permissão de serviços de transporte público depende de lei autorizadora. No caso do Município de Natal, é a própria Lei Orgânica do Município[2] que autoriza a delegação dos serviços de transporte público (artigo 124, inciso III).

Então, com que fundamento (jurídico – os fundamentos políticos são evidentes) a CMN busca anular o ato do Poder Executivo?

O artigo 22, inciso XI, da Lei Orgânica faculta à Câmara Municipal sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem de sua competência. Aí é devido perguntar: a Portaria nº 047/2012, famigerado instrumento de aumento das passagens, exorbitou da competência do Poder Executivo? Não sei se a CMN chegou a debater esse ponto.

Na minha humilde opinião, caberia aqui aplicar o disposto no artigo 125 da Lei Orgânica:

Art. 125 – O Município, na prestação de serviços de transportes público coletivo, fará obedecer aos seguintes princípios básicos:

I – segurança, tratamento digno e conforto aos passageiros, garantindo, em especial, acesso às pessoas portadoras de deficiência física;


II – garantia de gratuidade aos maiores de sessenta e cinco anos;


III – no reajuste de tarifas, a ampla divulgação dos elementos inerentes ao cálculo tarifário;

IV – integração entre sistemas e meios de transportes e racionalização de itinerários;

V – as vias servidas por transportes coletivos tem prioridades para pavimentação e manutenção, em benefícios do benefícios dos veículos e usuários;

VI – proteção ambiental contra a poluição atmosféricas e sonora;


VII – garantia da participação da comunidade, através de suas entidades representativas, na fiscalização dos serviços.”

Me parece que, em virtude dos dispositivos em destaque, o aumento secreto e repentino da tarifa de transporte viola a literalidade da Lei Orgânica. Mas daí a entender que se trata de vício de competência, considerada esta, grosso modo, como habilitação jurídica de um órgão administrativo para praticar determinado ato, é outra história.

De qualquer modo, onde vai agora a Prefeitura?

Se buscar manter a todo custo o aumento da passagem, a PMN, via sua Procuradoria, pode tentar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, visando desconstituir o Decreto Legislativo da CMN. Do ponto de vista político seria uma alternativa interessante, pois passaria parte do desgaste político da medida para o Judiciário e salvaria os nobres edis que votaram o Decreto Legislativo.

Por outro lado, poderiam simplesmente a Prefeitura e as empresas permissionárias ignorar o Decreto Legislativo ao argumento de sua inconstitucionalidade? Licitamente, não. Os agentes administrativos não podem se furtar a cumprir uma lei (e o Decreto Legislativo é, formalmente, lei) ao argumento de ser ela inconstitucional.

Uma alternativa seria um Decreto da Prefeita  determinando aos servidores do Município que não cumpram o Decreto Legislativo por ser inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal tem um precedente que admite essa prática.[3] Contudo, esse ato puxaria ainda mais o ônus político do aumento à Prefeitura, além de lhe conferir um ar mais autoritário que o usual.

De qualquer forma, seja o que ocorrer no fim dessa história, me parece que a briga dos Poderes Municipais vai se tornar um pesadelo de Montesquieu


[1] http://www.cmnat.rn.gov.br/noticias/2306/camara-revoga-aumento-das-passagens-de-onibus

[2] A Lei Orgânica é o equivalente municipal da Constituição Federal.

[3] STF. ADI 221/DF – MC. Pleno. Rel. Min. Moreira Alves. DJU em 22.10.1993.

Jules Queiroz

Procurador da Fazenda Nacional em Brasília/DF - @julesqueiroz

3 Responses

  1. Caio Cesão disse:

    Na minha opinião: excelente artigo.

    Parabéns!

  2. Cidadão disse:

    Não entendi muito bem, alguém pode sintetizar?

  3. Daniel Menezes disse:

    Jules,

    excelente artigo. Acredito que a prefeita não terá cara de engolir o ônus político, ou teria?
    Agora, a imprensa faz pressão contra a CMN. Veja as matérias do Nominuto, Novo Jornal e da Tribuna do Norte, criticando a falta de competência jurídica da CMN.
    Agora, mais uma vez, se fosse para abrir as pernas no caso da Via Costeira, que a questão da “competência” vá para o espaço…

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