Rio Grande do Norte, sexta-feira, 17 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 8 de dezembro de 2012

CarNatal: O Impacto na Segurança Pública

postado por Ivenio Hermes

#CaosNatal, uma ode à insegurança.

Por Ivenio Hermes

Paisagismo Argumentativo

As micaretas, ou carnavais fora de época, se tornaram uma verdadeira febre, um rito de passagem desde seu grande momento que foi a década de 90. Aproveitando esse ritmo de proporcionar circo ao brasileiro tão cheio de problemas, contudo tão habituado a fazer piada diante das piores situações, o Estado do Rio Grande do Norte recebeu o seu evento similar, o Carnatal.

Dentro do universo de lutas e buscas por conquistas que marcavam aquela década, conseguir simpatizantes para lutar pelos seus direitos e evoluções sociais era, e em alguns grupos continua sendo, muito difícil. Por outro lado, a folia arregimentava facilmente seguidores, que nunca hesitavam em pagar do próprio bolso, os “abadás” – uniforme para o evento – cujos valores nunca foram baratos.

Naturalmente, os natalenses se envolveram com o Carnatal e o tronaram a maior micareta do Brasil, indo parar no Guinness Book of Records como o maior carnaval fora de época de rua do mundo. Uma conquista para o turismo local se tivesse sido corretamente administrado pelo poder público.

Entretanto, enquanto em alguns estados foram sendo captadas arrecadações para serem reaplicadas no próprio circuito da micareta, investindo assim em equipamentos, serviços, infraestrutura e paisagismo urbano, o paisagismo argumentativo enganador dos que se beneficiam de forma mais direta e lucrativa, conduzia ano após ano, no começo do mês de dezembro na cidade de Natal, a capital potiguar para depredação, o uso indevido do bem público e a falta de segurança pública que se instalava sorrateiramente aos gestores desavisados e preocupados com seu próprio bem estar.

O Olhar Interior

Desde 1991, ano do primeiro Carnatal que foi realizado no centro da cidade, com apenas 3 blocos, a festa cresceu muito e a partir de 1994, devido às inúmeras reclamações dos moradores atingidos pela falta de estrutura de segurança pública e viária, ela foi transferida para o largo do Estádio Machadão, contando com 525 camarotes, 14 blocos e mais de 50 mil foliões.

Local de estrangulamento viário, com grande quantidade de empreendimentos locais, prédios, residências e até uma pequena favela, e sem nenhum planejamento para isso além das improvisações de costume, o Carnatal trouxe mais caos para Natal.

A segurança pública foi esquecida, o planejamento estratégico para se posicionar diante de um evento desta natureza, o sofrimento daqueles que moram nas proximidades do circuito, agridem o visão de quem enxerga a segurança pública com o olhar interior que identifica falhas e observa irregularidades sendo promovidas.

Durante o dia, toda a beleza é substituída pelo lixo, pela insegurança no trânsito, que como competência do município, só aparece furtivamente em locais diversos da cidade, como sagazes abutres arrecadadores da carniça do dinheiro dos motoristas perdidos com a falta de sinalização, para alimentar uma máquina administrativa que não funciona.

Enquanto o lixo se acumula mais ainda aguardando por uma Força Tarefa, algo que está se tornando marca registrada para soluções comuns de problemas de segurança brasileiros, banalizando uma ação que deveria ser convocada para situações emergenciais e passando a corroer os cofres públicos com excesso de pagamentos de diárias, a prefeitura deixa de trabalhar e quem sofre é o povo.

As ruas se tornam estacionamento de trios elétricos, ocupando tanto espaço que os moradores ficam sitiados com liberação de uma diminuta entrada para acesso aos lares. Os abastecimentos dos imensos carros de folia são feitos na via pública, sem sinalização, sem cuidados com a segurança, isentos de qualquer multa, pois a omissão da administração municipal e estadual, somente utiliza o policiamento para causar boa aparência.

Em plena luz do dia, calçadas inteiras são ocupadas por ambulantes que se deslocaram de diversas cidades do RN e de estados vizinhos, que por não terem onde manter seu material, sem condições de gastar com algum tipo de conforto e segurança, e temendo perder o “ponto de venda” que conseguiram com o sacrifício de suas famílias, inclusive crianças, que “moram” nos pontos em barracas e coberturas improvisadas.

Eles são punidos pela empresa que apenas lucra em cima da miséria humana que indiretamente viabiliza sua festa. Aliada ao poder público, a promovedora da festa agride a cidade, a sociedade e os pobres coitados ambulantes, deixando o ônus de sua destruição a cargo dos moradores honestos da Grande Natal que pagam seus impostos em dia para não receberem uma segurança pública de qualidade.

Durante nossa pesquisa “in loco”, três famílias estavam acampadas do lado do elevado. Perto deles imensos sacos de recicláveis recolhidos durante a noite, para receber uma ínfima importância que não paga o produto (água mineral) que é vendido dentro das garrafas.

As mazelas encontradas durante o dia no percurso da micareta, nas ruas próximas, nos becos, sob os elevados, são tão grandes que é vergonhoso se dizer administrador público numa situação dessas.

As Luzes Não Ofuscam a Verdade

Ao cair da noite, que em Natal já começa às 17h30, o aparato da Segurança Pública é totalmente convocado. A notícia é que são 1200 homens da Polícia Militar, que fica totalmente sobrecarregada, pois os agentes de trânsito da prefeitura não aparecem (cansados de trabalhar durante o dia, talvez), a Polícia Civil, tão deficiente em efetivo fica restrita às delegacias, e a Polícia Rodoviária Federal fica restrita à sua área de competência.

Os homens do Batalhão de Choque, treinados para o controle de distúrbios civis, têm seu quartel tão sitiado quanto os prédios dos moradores locais. Porém, habituados com a situação, eles se previnem enviando grupamento para locais onde possam ter condições de sair com mobilidade.

A modalidade de Polícia Turística, também da Polícia Militar, se restringe a um trailer que durante a noite tem seu acesso dificultado, inclusive por pessoas que sublocam o espaço público, como as áreas destinadas ao estacionamento para lojas, determinadas pelo plano de edificações da cidade, como espécies de camarotes improvisados, com seguranças privados contratados e cercas de isolamento para evitar que o local seja invadido.

Essa ação ilegal sitia tanto o trailer da Polícia Turística quando diversos estabelecimentos, residências, e até pequenos espaços são usados por Caminhões Guincho Plataforma, que improvisam uma espécie de “camarote elevado” que proporciona uma melhor visão durante a passagem da micareta. Tudo vendido e com seguranças contratados.

Inerte diante desse problema que foge à sua ação num momento tão conturbado, a Polícia Militar age fazendo segurança de um grupo do Ministério Público que faz um trabalho muito bom de retirada de menores desacompanhados da festa.

Além disso, torres de observação são distribuídas no circuito da micareta, os agentes realizam policiamento ostensivo a pé, motorizado (motos, viaturas e postos móveis), estando sempre atento às ocorrências, evitando-as e neutralizando-as de imediato, caso ocorram próximo a eles.

Em contrapartida, o sistema de comunicação é precário e os HTs, rádios portáteis, não possuem o alcance necessário para solicitar apoio de pontos mais distantes.

Nesse ponto, a Polícia Militar está de parabéns. Seus homens e mulheres, mesmo recebendo uma diária de 100 reais, um vale alimentação para uma refeição mediana em qualidade, e tendo que usar banheiros públicos para não se afastarem de seus locais de ronda, se empenham com grande esforço.

Os PMs gastam créditos de ligações de seus celulares para suprir a deficiência de comunicação. Tendo que permanecer durante todo o evento sem nem receber água para beber, gastam também de sua diária para comprar água cuja garrafa de 500 ml é vendida por 2 reais no evento. Deslocam-se de várias partes da cidade e até do interior, sem receber a diária adiantadamente como determina a lei, e muitas vezes ainda tendo que entrar em litígio contra o Estado para recebê-las posteriormente.

Ao fotografar um policial comprando sua água e pagando do próprio bolso, senti o pesar pelo desrespeito sofrido e a falta de reconhecimento pelo seu trabalho. Eles estão cientes, que seu trabalho ainda é visto com orgulho e que as luzes da festa que tão lucrativa para os organizadores do evento, não ofuscam a verdade.

A Fisgada da Insegurança

Com o início das obras da Arena das Dunas, novo estádio para a Copa do Mundo 2014, o percurso denominado corredor da folia conta com 3,4 quilômetros diretos de insegurança pública durante o dia, além dos becos e vias adjacentes, e durante a noite, a fisgada da insegurança é mais forte.

A despeito de todo esforço da PM, não se pode esquecer a matemática da segurança. Os 1200 policiais convocados trabalham numa escala 24/24, ou seja, são 600 policiais empregados por turno. A dificuldade de mobilização e comunicação das equipes não consegue impedir pessoas usando drogas, em atos sexuais em público com direito a torcida, e outros casos que ocorrem sem que a polícia possa intervir.

Dizer que o primeiro dia de Carnatal 2012 foi considerado tranquilo, é subestimar o potencial criminal que não chega à luz das estatísticas. Os furtos (os batedores de carteira agem soltos), as brigas, o consumo indiscriminado de drogas lícitas e ilícitas, a perda de documentos, o encaminhamento de menores usando bebida ou frequentando a festa sem autorização, certamente são dados que não chegarão ao público, pois somente poucos Boletins de Ocorrência chegarão ao filtro da Polícia Civil.

Os agentes da Polícia Militar, pertencentes ao efetivo dos batalhões de áreas, unidades especializadas como a Rocam, o Bope e Choque, não podem dar conta de tudo. Falta efetivo, falta estrutura, policiais não ostensivos, agentes de inteligência, polícia judiciária, delegacias móveis, e toda mobilização que um evento desta natureza demanda.

O Estado, a Prefeitura e Destaque Promoções deveriam ser mais responsáveis e tratar com seriedade aqueles que não enxergam as falhas da segurança e o impacto gerado na sociedade pela sua festa, que de Carnatal, se não se extinguir como já ocorreu em outras capitais, passará a ser chamada de #CaosNatal, uma ode à insegurança.

REFERÊNCIAS:

FREITAS, Jomar; RN, G1. Primeiro dia de Carnatal 2012 é considerado tranquilo pela PM. Disponível em: < http://migre.me/cgwMS >. Publicado em: 07 dez. 2012.

SOUZA, Blog do Alcindo de. Carnatal 2011: percurso novo e transtornos de sempre. Disponível em: < http://migre.me/cgA3B >. Publicado em: 01 dez. 2011.

HERMES, Ivenio.  Álbum #CaosNatal Day: A Realidade Oculta Pt  01 e 02. Disponível respectivamente em Blog do Ivenio Hermes: < http://migre.me/chVzr > e Carta Potiguar < http://migre.me/chVJ8 >. Publicado em: 08 dez. 2012.

DANTAS, Vanessa.  O Outro Lado do Carnatal: Uma Declaração de Lucro. Ensaio em Vídeo. Disponível em: < http://migre.me/cimlg  >. Publicado em: 08 dez. 2012.


Ivenio Hermes

Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial. Facebook | Twitter | E-mail: falecom@iveniohermes.com | Mais textos deste autor

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Um dossiê de imagens sobre o Carnatal.